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Carlos Araújo

Abertura
28 de julho de 2009

Horário
19 às 22h

Exposição
29 de julho a 29 de agosto

O artista plástico paulistano Carlos Araujo expõe 20 painéis realizados em óleo sobre tela colados em madeira, com dimensões variadas, da série “Bíblia”.

A ocasião também marca o lançamento na Bahia do livro “Bíblia – Citações”, que reproduz, junto com uma versão ecumênica do texto sagrado, os quadros que realizou sobre o tema, numa edição com 685 páginas, formato de 0,50m por 0,30cm, pesando 8 quilos. O prefácio do livro “Bíblia – Citações” foi escrito pelo Papa Bento XVI e a edição traz introdução e apresentação de Dom Mauro Piacenza, arcebispo de Vittoriana, e Dom Emílio Pignoli, 1º Bispo Diocesano de Campo Limpo. Cada livro traz uma gravura feita especialmente para a edição – são 35 imagens diferentes com cem cópias cada, totalizando 3.500 exemplares da tiragem em português.

Livro e exposição foram lançados internacionalmente na Bienal Internacional de Florença, onde obteve a Medalha de Bronze – Lorenzo Il Magnifico, e na exposição individual que realizou, em 2009, na Basilica Piazzale San Paolo, em Roma, Itália.

Os temas bíblicos na pintura de Carlos Araujo, fruto de profunda e religiosa pesquisa, relata com expressividade passagens representativas do livro sagrado, dialogando com elementos da pintura renascentista. Através da pintura o artista compartilha os sentimentos do homem, numa reflexão sobre a vivência humana.

“Fases germinativas de um aperfeiçoamento técnico, quem sabe espiritual, me permitiram, por Graça Divina, uma aproximação gradual para alcançar o objetivo que sempre pressenti e me intimidou, e que, por pouca fé, com receio de minhas limitações, o posterguei. A intenção de ilustrar a Bíblia Sagrada, colocando minha pintura como um meio e não como um fim em si mesmo”.

Para o professor de História e Teoria da Arte Robert C. Morgan, é revelador ver o trabalho de um artista que sai em busca de algo mais profundo, algo que vive debaixo da superfície de um mundo voraz e vazio. “Suas pinturas oferecem uma nova possibilidade de ver mais além das convenções normativas e dos signos automáticos que invadem nossas vidas”.

Carlos Araújo nasceu em São Paulo, em 6 de abril de 1950. Em 1963, como autodidata, inicia o painel ‘Alegoria ao carnaval’. Entre 1971 e 1975 cursa Engenharia na Universidade Mackenzie, em São Paulo.

Em 1973, é convidado a participar da exposição ‘Imagens do Brasil’, em Bruxelas. No ano seguinte, faz a primeira exposição individual, no Museu de Arte de São Paulo – Masp.

Além da pintura, Araújo trabalha com outras técnicas, como desenho e litografia. No decorrer de sua carreira, realiza diversas exposições individuais e coletivas, no Brasil e exterior, estando entre elas, em 1978, a I Bienal Ibero-Americana na Cidade do México;

Em 1980, o painel ‘Anunciação’, é enviado pelo governo brasileiro ao Papa João Paulo II, estando no Museu do Vaticano.

Iniciou sua dedicação aos quadros religiosos só em 1992, sendo o trabalho anterior, iniciado em 1981, com a realização do painel “Os trabalhadores”, marcado por temas sociais.

Sua obra encontra-se em inúmeras coleções particulares no Brasil e no exterior, e pode ser encontrada em museus como o da Fundação Miterrand, em Paris/França, o Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado/FAAP, o MASP – Museu de Arte de São Paulo, o Itaú Cultural, todos em São Paulo/SP, Museu Oscar Niemeyer, Curitiba/PR, Fundação Edson Queiroz, Fortaleza/CE.

Em 1989, lançou em Paris o livro de litogravura “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, e em 1984 foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte.

Apresentação da mostra e livro

“É um magnífico diálogo com a Palavra de Deus”. Assim, Dom Emílio Pignoli – 1º Bispo Diocesano de Campo Limpo inicia seu texto de apresentação do livro e mostra ‘Bíblia – Citações’, do artista Carlos Araujo: “A primazia da cor sobre o desenho submerge ao leitor de um Mistério que pode ser participado, mas nunca completamente desvelado, como se a vibrante força das pinceladas com frequência veementes quisessem atingir o invisível que se esconde em cada evento da história da salvação.

Resulta particularmente eloquente que os poucos traços essenciais se centrem sempre em rostos, mãos e pés, como espelhos onde o homem encontra, na contemplação do próprio rosto e da própria história, os sinais d’Aquele cuja imagem foi criado. O resto fica meditação, sentimento, evocação.

À Revelação de Deus, expressada com os lentos passos da reflexão das breves citações, o artista corresponde com uma vivência espiritual que deseja transmitir com a linguagem da beleza e da luz. A própria arte proporciona uma linguagem particular que atinge melhor do que as palavras, a concórdia, que os esforços racionais conseguem com maior dificuldade.

Nesse sentido, em agosto de 2002, o Cardeal Ratzinger considerava no Meeting pela Paz que o movimento Comunione e Liberazione organiza em Rímini (Itália): “Estou convencido de que a verdadeira apologia da fé cristã, a demonstração mais convincente da sua verdade contra qualquer negação, encontra-se, por um lado nos seus santos e, por outro, na beleza que a fé gera”.

Carlos Araujo manifesta na sua obra suas próprias convicções de fé com uma singular sensibilidade artística. A tradução da Bíblia utilizada é oferecida pelo texto da TOB (Traduction Ecumenique de la Bible). O objetivo de tal escolha foi segundo o próprio artista “promover o ecumenismo”, seguindo as orientações do Santo Padre João Paulo II. Se bem a tradução ecumênica das Sagradas Escrituras não oferece um rigor científico, a escolha fica válida, dado que o seu caráter é artístico e espiritual e não científico. A escolha dessa versão certamente poderá proporcionar uma maior facilidade de diálogo ecumênico.

Considero que a presente publicação das obras de Carlos Araujo constituiu um contributo notável à cultura e uma manifestação “da beleza que a fé gera”.

Maria Lúcia Farinha Veríssimo, na sua dissertação de mestrado em Arte Contemporânea, apresentada na Sotheby´s e Universidade de Manchester, em 2005, numa adaptação para servir como prefácio do livro “Bíblia- Citações” refere-se desta forma a obra de Carlos Araujo.

“Brasileiro, autodidata e engenheiro de formação, Araujo começou a pintar aos 13 anos. A partir de sua conversão ao catolicismo, em 1992, aos 42 anos, passou a dedicar-se à pintura bíblica.

Inúmeros são os artistas contemporâneos que usam a iconografia religiosa em seu trabalho. Um exemplo é Andy Warhol, que acreditava em Cristo. A diferença é que Araujo pinta movido pela fé, enquanto os outros parecem simplesmente se apropriar de uma linguagem religiosa.

O debate filosófico sobre a religião é intenso no pós-moderno. Vários são os pensadores que discutem o assunto. Temos Jean-Luc Nancy e o “nascimento de uma presença”, Jacques Derrida e os conceitos do “impossível” e de “religião sem religião”, Jean-Luc Marion e o “invisível”, François Lyotard e o conceito do “inapresentável”. De alguma forma, todos esses conceitos se entrecruzam e discutem o que não é visto, formulação que aparece na Bíblia, em Coríntios.

O pós-moderno, de acordo com Jean-François Lyotard, é aquele que “propõe o inapresentável em apresentação ele mesmo”. Embora Araujo negue adesão aos filósofos do pós-modernismo, seu trabalho pode ser considerado sob essa ótica, uma vez que sua linguagem é pós-moderna.

O que Araujo faz é o que Lyotard chama de “tornar visível a existência de algo que pode ser concebido, e que não pode ser visto nem tornado visível”. Este é, de acordo com Lyotard, o desafio da pintura moderna. Ao dar visibilidade ao “inapresentável”, Araujo rompe com as estruturas estabelecidas e despedaça as formas tradicionais de narração e representação.

Lyotard faz a distinção entre “algo acontece” e “o que acontece”. O significado do evento ocorre somente quando somos capazes de dizer “o que aconteceu”. Essa dicotomia entre “algo acontece” e “o que acontece” é o dilema encontrado pelos espectadores diante das telas de Araujo. Por isso, a necessidade de se negociar a Bíblia, o alfa e ômega da produção de Araujo.

Analisada à luz da teoria de Lyotard, “Retornando à Glória do Pai” transmite a idéia do inapresentável. No centro da pintura, entre muitas linhas e traços, uma pequena figura é composta em tonalidades de cinza com as mãos abertas. A imagem emana uma luz que coincide com a luz do centro da tela. Araujo sugere mais do que ilustra. A percepção do que está acontecendo é alusiva. Temos a sensação de que “algo acontece”, mas é impossível dizer exatamente “o que acontece” ou a que passagem específica da Bíblia se refere.

De acordo com Jean-Luc Nancy, quanto mais pensamos que vemos, menos enxergamos. A pintura religiosa só pode funcionar por meio deste paradoxo ou pela aceitação da possibilidade de tal paradoxo. O artista não representa, e sim apresenta.

A aparente simplicidade da pintura de Araujo pode enganar. Um bom contraste pode ser feito com o trabalho de Barnett Newmann (1905-1970), representante do expressionismo abstrato americano, onde quase nada existe para ser consumido. A pintura de Araujo, ao contrário, apresenta inúmeras chances de consumo. Araujo escapa da severa não-figuração das pinturas de Newmann e convida o espectador a explorar a superfície. A obra de Araujo não é instantânea como a de Newmann. Temos que brigar com cada pintura para decifrá-la. Araujo delega o papel de criador ao espectador, a quem cabe desvendar os mistérios de suas telas.

A “aura” religiosa é uma constante nos trabalhos de Araujo. Mesmo em ambientes seculares, eles retêm certa aura religiosa por mais abstratos que sejam.

Walter Benjamin (1892-1940) define “aura” como “o fenômeno único de uma distância, por mais perto que possa estar”. Somos confrontados pela singularidade de um objeto, ou seja, pela sua “aura”. Em Araujo, é a “aura” do religioso que denuncia sua pintura. Mesmo quando o espectador não reconhece “o que acontece”, ele reconhece que “algo acontece”. Mesmo quando removidas de seu lugar de aura, ou seja, da igreja, as pinturas de Araujo ainda retêm a aura religiosa, embora não retenham uma aura de veneração, idolatria ou culto.

Se durante a Renascença o valor da aura era imposto às imagens religiosas, o que vemos no trabalho de Araujo é uma proposição: os protocolos da intimidação dogmática utilizados pela liturgia não se tornam reconhecíveis. O que vemos é a visibilidade do invisível ou do inapresentável. Isso sugere uma mudança do contexto sagrado da devoção religiosa para o domínio espiritual da contemplação.

O artista e escritor americano Ad Reinhardt (1913-1967) afirma que “quando um objeto de arte é separado de seu tempo original, lugar e uso, e colocado num museu, ele fica esvaziado e purificado de todo o seu significado, exceto um. Um objeto religioso que se torna objeto de arte num museu perde todo o seu significado religioso. Ninguém, em sã consciência, vai a um museu venerar algo além de arte, ou para aprender a respeito de qualquer outra coisa que não seja arte”.

Os quadros de Araujo estão em museus seculares e coleções particulares. Portanto, perderam a aura de veneração. O foco de apreciação passa a ser a sua qualidade artística, técnica, e não mais o seu conteúdo religioso.

Ao analisarmos “O Dilúvio” à luz da teoria de Benjamin, somos surpreendidos por um convite à contemplação. A obra de Araujo é um convite à experimentação e aos sentidos. Conforme Benjamin, “é um convite a nos abandonarmos perante ela”. Esta tela pequena, feita em tons de cinza, denota um grande movimento, onde formas e cores misturam-se entre si com uma precisão ilimitada e uma ternura esvaecida. O branco domina e banha a obra, velando uma inaparente ou invisível apresentação que surge refletida na pintura. O branco vela o preto obstruindo-o, sujando o preto ao torná-lo visível. Existe uma aura religiosa ou apresentação singular. Com esforço e abandono, do canto inferior esquerdo da composição, um véu preto sujo de branco dá forma a uma presença singular. E segundo Benjamin, a essência da pintura é a aparição da presença. A saturação das pinceladas pretas e brancas se encontra onde elas não se misturam, mas se desintegram, da mesma maneira que uma chuva torrencial: branco caindo em preto. Essa perda de aderência torna as pinceladas visíveis, deixando traços voluntários do procedimento. Ao contemplar um quadro de Araujo o espectador é convidado a exercitar binários: aparecer/desaparecer, distante/próximo, tátil/ ótico, oco/saturado.

Podemos destacar três momentos distintos na evolução artística de Araujo: o início surrealista, os painéis figurativos e as pinturas abstratas. Analisaremos essa evolução a partir de um mesmo tema: a Anunciação.

“A Anunciação de 1979”, hoje no Museu do Vaticano, mostra a cena bíblica num contexto brasileiro. Desde cedo na pintura de Araujo vemos a utilização dos véus, sua marca registrada. Podemos ver através de Maria e de Jesus. Esta pintura é muito parecida com as tradicionais representações religiosas sobre o tema, onde as cenas são retratadas de maneira direta e expressionista. Um bom exemplo do que se chama de pintura tradicional religiosa é o Juízo Final de Michelangelo, um dos grandes mestres estudados por Araujo.

A tela “Anunciação à Virgem”, de 1999, é pintada apenas em tons de azul. Somente uma linha forma as figuras, papel de um exímio desenhador. São usadas várias camadas de tinta. Araujo retrata em carne e osso a presença divina, dando forma ao que Lyotard chama de o “inapresentável”. É preciso nos distanciar desses grandes painéis figurativos para vermos o todo.

A “Anunciação de 2001” é a mais abstrata de todas. Feita em tons de cinza e em tamanho bem menor, ela guarda uma aura do sagrado e de religião. A composição é gráfica e metafórica, e apenas uma camada de tinta é usada. Não está claro onde está o anjo ou se é Maria. Só o título pode ajudar a decifrar a imagem. Suas pinturas abstratas podem ser consideradas iconoclastas pelo uso da dissimulação das figuras e símbolos, que sugerem, insinuam, subentendem, mas não dizem. Araujo se apropria da técnica do sfumato de Leonardo da Vinci. É difícil saber onde o fundo começa ou acaba. A luta constante entre a ausência física e a presença divina se torna especialmente visível nas telas abstratas.

Hoje, Araujo alterna com facilidade as duas últimas formas artísticas, da “Anunciação de 1999” e de “2001”. Oscila confortavelmente entre a representação de uma cena bíblica no estilo expressionista, como o da “Anunciação à Virgem em azul”, e a estratégia da abstração através da dissimulação, usada na “Anunciação em cinza”. Nenhuma delas tem halos ou asas e, portanto, se distanciam do discurso renascentista.

Se existe uma referência a religião na obra de Araujo, essa referência está conectada à noção de oferecer uma presença divina. Presença divina que parece tão palpável e tão real que é como se Araujo invertesse o “Noli me Tangere” do Cristo que pede a Madalena para não ser tocado.

Não podemos nos esquecer do país onde Araujo produz sua arte. Este país é o Brasil, predominantemente católico, cujo movimento artístico de maior expressão foi o barroco. É dentro dessa tradição artística e religiosa que o trabalho de Araujo deve ser contemplado. As características mais marcantes do barroco são a dramaticidade e a teatralidade, ambas caracterizadas pela extravagância e sentimentalidade. Todas estas qualidades estão presentes no trabalho de Araujo, que poderia ser considerado uma releitura ou extensão do barroco.

E o artista ele mesmo? Sabemos que uma natureza gentil e boa não é pré-requisito para a grandeza artística. Seu sucesso comercial triunfante é destinado mais aos outros do que a ele próprio. Um bom cristão no sentido original e não no sentido irônico, Araujo não está tentando vender uma commodity sem significado. Sua fala, sua religião e sua obra se igualam. O escritor americano John O´Connor já dizia a respeito de Andy Warhol, de quem foi assistente, que “quando um artista acredita em Deus, sabe que ele próprio não é Deus e isso o torna um artista melhor e uma pessoa mais humilde”.

A grande habilidade de Araujo está na qualidade numinosa de seus trabalhos. Suas pinturas têm uma forte qualidade religiosa e espiritual, o que indica ou sugere a presença divina. De acordo com o teólogo alemão protestante Rudolf Otto (1869-1937), o numinoso é “uma presença de Deus repentina, avassaladora, indescritível, que vai além de toda a compreensão ou o entendimento humano. É a revelação imediata do sagrado”.

A pintura abstrata de Araújo, como “Adão Imerso na Árvore do Conhecimento”, tem maior aceitação do que os grandes painéis figurativos. Segundo o próprio artista, suas telas menores e abstratas são mais metafóricas, como o Evangelho de São João, enquanto as telas maiores são mais expressivas, como o Evangelho de São Mateus.

A habilidade de Araújo em retratar sentimentos universais dá uma dimensão secular a suas pinturas. Suas obras falam uma linguagem universal que é facilmente reconhecida por todos.

No mundo da arte contemporânea, o tema religioso não está na moda. No entanto, não podemos reduzir o trabalho de Araujo a seu tema. Suas pinturas são tecnicamente completas e soberbas. Elas devem ser apreciadas e respeitadas pelo que são: uma arte própria e uma arte numinosa”.

A palavra do artista sobre o livro e a mostra

O tema bíblico na pintura de Carlos Araujo é fruto de uma profunda e religiosa pesquisa relatando com expressividade passagens representativas do livro sagrado, num diálogo com elementos da pintura renascentista. Através da pintura o artista compartilha os sentimentos do homem, numa reflexão sobre a vivência humana.

Para o artista, num depoimento sobre este trabalho, diz:

“Ilustrar as passagens Bíblicas tentando captar a total profundidade de seu contexto seria uma empreitada pretensiosa e vã diante de nossas limitadas condições humanas. Seu conteúdo é imensurável, e cada frase meditada revela-nos novos contornos de infinitas estaturas impelindo-nos acima na dinâmica perpétua dessa espiral ascendente. No que me foi concedido pela Graça Divina como trabalho ou missão, o enfoque espiritual apareceu em minhas primeiras pinturas subliminarmente para no decorrer dos quarenta anos explicitarem-se; confrontei-me com a dádiva de lutar a boa batalha o início de meu retorno, minha vocação leiga rumou então ao que me era proposto por Sua Misericórdia.

Os versículos das Escrituras foram se apresentando aleatoriamente à medida que me aproximava lentamente, e cada vez mais, da Palavra, começando assim a pressentir, dentro destes nossos pequenos limites, a suavidade e plenitude do Verbo. Os trabalhos pictóricos em “Bíblia Citações” tentam através da imagem, ajudar a meu próximo, como a mim o fizeram, na compreensão da Mensagem. Infinitas obras poderiam se inspirar na temática do Livro do Gênesis, Profetas, O Sacrifício de Abraão, Ezequiel no Vale dos Ossos Secos, e tantos outros extraordinários eventos, para então se completar na perfeição do Novo Anúncio.

Em painéis de grandes dimensões como ‘A Expulsão do Paraíso’, ‘Daniel na Cova dos Leões’, ‘O Batismo de Jesus’, ‘Anunciação’, as cenas obedecem a um padrão de interpretação formal, nas medidas menores, como ‘Adão sobre a Árvore do Conhecimento’, ‘Tentações no Monte’, ‘Jesus Caminhando no Deserto’, procuro transportar o observador a um plano imaginário, onde a narrativa permeia parâmetros mais próximos à alma, como se tivéssemos adquirido outros sentidos, e no desenrolar das cenas pudéssemos vislumbrar a Luz de uma outra forma para, em seguida, retornarmos vertiginosamente ao nosso ‘estado material’; os eventos seriam vistos através de uma translúcida lâmina que intermedeia o ‘Espírito e a Carne’.

Agora vemos em espelho e de modo confuso, mas então, será face a face. ‘Agora, meu conhecimento é limitado; então, conhecerei como sou conhecido’. I. Coríntios. 13,12.

Estas contraposições fortalecem a narrativa e a compreensão de uma mesma passagem e nos convidam a refletir sobre um Mundo Divino que não vemos, porém inexoravelmente, como ecos, reverberarão todos os nossos atos na Terra.

‘O que é a verdade?’

Quando o governador daquela desértica e esquecida região da Palestina propôs este enigma ao filho do carpinteiro da cidade de Nazaré, foi como se o tivesse lançado ao vento, não lhe parecia possível que aquele simples homem contivesse a resposta do mais profundo mistério do Espírito, qualquer que fosse a réplica, seria considerada bizarra diante das circunstâncias em que se encontrava o réu, prestes a receber a horrível sentença de morte na cruz, apoiada por seus irmãos de fé e sancionada por Roma do ano 30 D.C.

O representante de César interpretava assim os últimos atos das profecias cujo texto grandioso, repleto de acontecimentos extraordinários parecia estar prestes a serem enterrados para sempre nas areias do deserto, como tantos outros similares daquela época conturbada. Sem o saber, Pôncio Pilatos, Prefectus Judeae, protagonizava as Escrituras Sagradas, e tinha diante de si, sua tão ambicionada resposta.

‘Ecce Homo’, que em sua aparência humana nada justificava a sua dimensão espiritual; inexplicavelmente divino “Jesus o Cristo” modificaria para sempre os rumos de nossa conduta espiritual trazendo uma Nova Luz, em um relâmpago eterno que iluminaria para sempre aquele cenário profundo e obscuro da humanidade. Defendido e combatido por milhões a interpretação humana de seus ensinamentos desencadearia todos os tipos de sintomas em um homem ávido por Deus; guerras, martírios, atos heróicos, milagres, experiências de fé, que extrapolariam os limites éticos do homem desafiando-o a ser espiritualmente estético; aquela sensação de entorpecimento, estupefação, e menosprezo demonstrado por Pilatos diante do Filho do Homem, são os mesmos que reconhecemos hoje no humano moderno. Passados dois milênios, continuamos nos debatendo com letargia no mesmo mar agitado de ilusões em que se encontrava o procurador de Roma.

Como poderiam ter sobrevivido intactas a devastadores oito mil anos de conhecimento, a aparentemente frágil transmissão oral, a escrita rudimentar em peles de animais e lâminas de cobre, mantendo-se cada vez mais contundentes e admiravelmente contemporâneas em seu conteúdo espiritual?

As Escrituras Sagradas sobrepujaram ao tempo, pois elas são o próprio tempo revelando a Verdade. Originam-se no Criador, por Ele são protegidas e a Ele nos devolvem. São o registro de Sua maior prova de amor por nós, indicando a passagem de retorno do filho pródigo. Este precioso mapa que nos mostra a porta estreita dentre tantas outras arcadas escancaradas nesse deserto sem trilhas. Estas mensagens do universo primal nos convidam a despertar e participar voluntariamente da dimensão cósmica de “Um só Espírito.”

‘Hoje, tomo como testemunhas contra vós o céu e a terra: foi a vida e a morte que pus diante de ti, a bênção e a maldição. Escolherás a vida para que vivas…’. Deuteronômio 30,19.

Os Ensinamentos revelados ao Homem repetem-se consecutivamente no texto bíblico; e da mesma forma que a Palavra se cumpriu nos séculos, também o fará em nós. De repente, descobrimo-nos atônitos na turbulência do mundo, saídos do ventre materno, e em outro ‘átimo de tempo’ estaremos diante do Criador separados em espírito e verdade, entre cordeiros e cabritos, pelo Filho do Homem à direita do Pai. Guardamos no âmago de nossa alma saudosa as sublimes sensações divinas, remotas lembranças do Paraíso, porém ensaiamos mal as tentativas de resgatá-lo, negligenciando um destino glorioso, para seguir as pretensões de nosso ego.

A árvore do conhecimento remeteu Adão e Eva ao escuro mundo dos efeitos e lá nos aprisionou. A Misericórdia Divina nos propõe nosso resgate ao Mundo das Causas.

Da mesma forma que o Criador revelou-se a Moisés no meio do fogo da sarça ardente, na maravilhosa abrangência da frase ‘Eu sou’, somos pulverizados ao confrontar-nos novamente com essas duas estupendas palavras a que tudo permeia nos oferecendo Sua maior dádiva seu maior milagre, nossa restauração. A alma distante vislumbra a possibilidade de retorno à ‘luz inicial’ dissolvendo o atraente, porém ilusório invólucro do mundo material, revelando seu verdadeiro e desfigurado aspecto espiritual.

Penetrando na esmagadora vibração do Verbo, do ‘Eu Sou’, percebemos o paradoxal espaço físico e a responsabilidade que simultaneamente ocupamos; diminutos vasos de barro, porém imensos templos portadores da ‘Centelha Divina’ emprestada aos nossos corações.

‘De fato de que adiantará ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a vida? Que poderá alguém dar em troca de sua vida?”

“Porque o Filho do Homem virá na Glória de seu Pai com seus anjos e retribuirá, a cada um, de acordo com sua conduta’. Mateus (16,24-28)

A Bíblia contém inúmeros livros e infinitos ensinamentos, mas seu cerne nos direciona a duas grandes observâncias: ‘Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos’. Na simplicidade desta resposta está o caminho dado por Deus, e aí também se encontra nossa maior dificuldade, pois optando em exercê-la, devemos esquecer nossas ilusões de ‘ser’ fora do ‘Eu Sou’. Este Caminho Divino parece não bastar à compreensão do homem para efetivar a sua redenção; porém nada existe fora do Verbo e Sua ausência é aterradora.

A existência dos relatos bíblicos são nossos maiores testemunhos, é a dádiva que faz com que entremos em contato com o nosso grande arquivo espiritual tornando-nos mais atentos aos nossos corações e às expectativas do nosso Criador, a ajuda para superar o medo que nos paralisa, e seguir o projeto para o qual fomos concebidos desde o Gênesis, retornando assim a ser verdadeiramente ‘Um em Deus’, à medida que deixamos de ser ‘nada em nós mesmos’. A convocação do Verbo propõe o amor que nos devolve definitivamente a eterna luz do Criador”.

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