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Carlos Vergara

Abertura
28 de maio de 2009

Horário
19 às 22h

Exposição
29 de maio a 04 de julho

Carlos Vergara nasceu em Santa Maria (RS), em 29 de novembro de 1941. Aos dois anos de idade, muda-se para São Paulo, e em 1954 para o Rio de Janeiro. Inicia com artesanato de jóias em cobre e prata, cujo resultado expõe em 1963, na VII Bienal Internacional de São Paulo. A aceitação de suas jóias na Bienal leva-o a considerar a arte como atividade mais permanente. Nesse mesmo ano, torna-se aluno do pintor Iberê Camargo, no Instituto de Belas Artes (RJ). Passa, em seguida, a ser assistente do artista, trabalhando em seu ateliê. Em maio de 1965, participa do XIV Salão Nacional de Arte Moderna (RJ). Conhece o artista Antonio Dias, integrante do mesmo Salão, e participa da mostra ‘Opinião 65’ no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Em dezembro do mesmo ano, integra a mostra ‘Propostas 65’, na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo.

Em março de 1966, com o apoio técnico dos arquitetos André Lopes e Eduardo Oria, vence o concurso para execução de um mural no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública, em Manguinhos (RJ), com projeto de painel realizado com tubos de PVC, medindo 4m de altura por 18m de comprimento. Este projeto inicia sua aproximação à arquitetura, atividade paralela ao processo artístico, presente até hoje em sua vida. Em abril, recebe o Prêmio Piccola Galeria, do Instituto Italiano de Cultura, destinado aos jovens destaques brasileiros nas artes plásticas. Ainda em 1966, integra a coletiva ‘Pare: Vanguarda Brasileira’ na Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais. Em agosto, faz parte da mostra ‘Opinião 66’, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com a obra ‘Meu Sonho aos 18 Anos’. Em outubro, estreia a peça teatral ‘Andócles e o Leão’, de Bernard Shaw, montada pelo Grupo O Tablado. Esta é sua primeira participação como cenógrafo, atividade que continuará a desenvolver durante a década de 1960.

Em março de 1967, recebe o Primeiro Prêmio de Pintura no I Salão de Pintura Jovem de Quitandinha, Petrópolis (RJ), e, no mês seguinte, o prêmio aquisição O.C.A. no Concurso de Caixas, evento promovido pela Petite Galerie (RJ), que seleciona exclusivamente obras concebidas em formato de caixa. Em abril, é um dos organizadores, juntamente com um grupo de artistas liderados por Hélio Oiticica, da mostra ‘Nova Objetividade Brasileira’, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que procura fazer um balanço da vanguarda brasileira produzida no país. Em setembro, participa da IX Bienal de São Paulo, quando obtém o Prêmio Itamaraty. Em 9 de outubro, realiza mostra individual na Petite Galerie. Nesta exposição, Vergara apresenta obras realizadas com materiais industriais.

Em 1968, realiza sua primeira mostra individual em São Paulo, na Galeria Art Art, apresentando, entre outros trabalhos, o resultado de suas recentes experiências: caixas feitas com papelão de embalagem, deslocando das próprias pilhas de embalagens da fábrica para os então sacralizados espaços de museus e galerias, transformando-as em esculturas. A exposição tem texto de apresentação de Hélio Oiticica. Ainda em 1968, realiza cenários e figurinos das peças ‘Jornada de um imbecil até o entendimento’, de Plínio Marcos, montada pelo Grupo Opinião, com direção geral de João das Neves, música de Denoy de Oliveira e letras de Ferreira Gullar, e ‘Juventude em crise’, de Bruchner, juntamente com o artista Gastão Manuel Henrique, apresentada no Teatro Gláucio Gil (RJ).

Em maio de 1969, é selecionado para a X Bienal de São Paulo. No mesmo mês é escolhido, junto com Antonio Manuel, Humberto Espíndola e Evandro Teixeira, para representar o Brasil na Bienal de Jovens, em Paris. O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro organiza uma mostra dos artistas que participariam dessa bienal, mas algumas horas antes a exposição é fechada por ordem do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores. Em novembro, realiza nova mostra individual na Petite Galerie. Interessado em investigar as relações entre arte e indústria, trabalhando na fábrica de embalagens Klabin, expõe trabalhos em papelão: figuras empilhadas, sem rosto, e objetos-módulos, criados para a Feira de Embalagem, além de desenhos e objetos moldados em poliestireno.
Na década de 70, o trabalho se transforma: adere à figura – marcada pelas imagens de festas e da vida urbana – e passa a realizar projetos premiados para agências da Varig, no Brasil e no exterior. Nos anos 80, abandona a figuração e inicia uma investigação pictórica: são concebidas monotipias de grande dimensão, onde vigora a acumulação de pigmentos postos em camadas. Investindo, na década seguinte, numa escala mais íntima, busca uma pintura transparente, valorizada pela delicadeza dos contrastes cromáticos. Os registros de vestígios naturais ou arquitetônicos somam-se aos fósseis impressos, formando um novo atlas da paisagem brasileira.

A partir dos anos 80, a pintura de Vergara investe no rigor, mas não perde a aventura da experiência. Abandona a figuração marcada pelas imagens das festas e da vida urbana que marcou durante anos sua obra, iniciando uma investigação pictórica à qual pertence, por exemplo, o conjunto dos trabalhos conduzidos em Minas Gerais, numa pequena indústria de pigmentos para tinta. As telas são impressas no local, como monotipias, e depois sofrem intervenções do artista que muitas vezes lhes acrescenta outras cores. A generosidade de sua escala nos gratifica, o campo visual é literalmente tomado pela sua amplitude e somos envolvidos e transportados para o local como se o artista pudesse nos levar para o momento da conclusão do trabalho. No seu desenvolvimento mais recente, Vergara apresenta, em escala mais íntima, as monotipias sobre a boca de forno da usina de pigmentos em Minas Gerais. Nessa nova escala a monumentalidade, o aspecto cênico e a atmosfera crepuscular existentes nas grandes telas, as pinturas são claras e leves. As intervenções cromáticas do artista somando-se à impressão são quase transparentes.

À pintura delicada e sem espessura dessa investigação, se opõe a força dos contrastes cromáticos e a acumulação de pigmentos em camadas de outros trabalhos recentes. Nessas telas se inicia uma nova experiência pictórica de Vergara onde, seduzido pelos pigmentos terra e vermelhões que vem pesquisando há alguns anos, estes não apenas contribuem para colorir como para fornecer uma base e uma textura trabalhada para o efeito cromático dos amarelos e azuis que vêm se sobrepor. Esses trabalhos indicam ainda um desenvolvimento no sentido de reunir na mesma superfície as duas vertentes que Vergara vinha investigando paralelamente: de um lado a sombra das imagens impressas, paredes, boca de forno, traços e marcas do chão da usina de pigmento, em telas sempre escuras, de outro lado, a alegria da festa cromática abstrata numa memória oblíqua de alguém que durante anos teve no carnaval do Rio um dos seus temas preferidos.

As viagens pelo Brasil – interior de Minas, Pantanal – prolongam e ampliam a latitude do trabalho. Aos vestígios e fósseis da usina de pigmentos, vêm fazer companhia os registros de calçamento em “pé-de-moleque” de cidades históricas e as próprias marcas da natureza. Esse novo Atlas pictórico da paisagem brasileira, registrado sem os recursos da anedota banal ou da figuração fácil, consiste na contribuição do artista a um vocabulário plástico contemporâneo ancorado em valores locais passíveis de serem compreendidos dentro de uma nova espacialidade para a pintura neste país.

Em 2000, participa das coletivas Brasil + 500 Mostra do Redescobrimento, Fundação Bienal (SP); Século 20: Arte do Brasil, Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa); no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (Lisboa); e Situações: Arte Brasileira Anos 70, na Fundação Casa França-Brasil (RJ). Realiza individual na Silvia Cintra Galeria de Arte (RJ). Em 2002, é convidado a fazer parte do projeto Artecidadezonaleste (SP), para o qual cria uma intervenção na praça da estação Brás do metrô. Em dezembro, tem sala especial na mostra ArteFoto, no Centro Cultural Banco do Brasil (RJ), com curadoria de Ligia Canongia, e seu trabalho ‘Cacique de Ramos: Iguais Diferentes’ ganha destaque. Na ocasião, mostra fotografias realizadas entre 1972 e 1975 e plotagens recentes a partir do mesmo material. A partir de maio de 2003, apresenta a primeira grande retrospectiva de seu trabalho, no Santander Cultural (POA), no Instituto Tomie Ohtake (SP) e no Museu Vale do Rio Doce, Vila Velha (ES), com curadoria de Paulo Sergio Duarte.

Carlos Vergara integrou quatro edições da Bienal de São Paulo, em: 1963, 67, 69 (ano em que participa também da Bienal de Medellín) e 89, e representou o Brasil na Bienal de Veneza, em 1980.

A sua trajetória tem na pintura o seu maior processo artístico, apesar dos projetos conjuntos com a arquitetura, a realização de cenários e figurinos, a criação de esculturas como resultado de experiências com papelão de embalagem, e obras realizadas com materiais industriais, fruto do seu interesse em investigar as relações entre arte e indústria, neste segmento estando desenhos e objetos moldados em poliestireno. Na década de 70, a sua pintura adere à figura, e, nos anos 80, abandona a figuração e inicia um processo de criação anexando registros de vestígios naturais ou arquitetônicos, transferindo para as telas, em lona crua, pigmentos colocados sobre a superfície de um local, quando captura imagens, imprimindo-as como monotipias, para em seguida realizar intervenções com o acréscimo de outras cores, reinventando o real, num trabalho que considera livre, “que pode às vezes conter imagens compreensíveis que se reconheçam figuras, mas tem uma estrutura abstrata, onde o resultado almejado é encontrar sua própria razão de ser e de existir. Não precisando ser anedótico ou literário. Procuro uma nova beleza e um novo uso para ela”.

Carlos Vergara foi aluno e assistente de Iberê Camargo. Integrou quatro edições da Bienal de São Paulo, em 1963, 1967 (Prêmio Itamaraty), 1969 (ano em que participou também da Bienal de Medellín), e 1989, e representou o Brasil na Bienal de Veneza, em 1980. Iniciando com exposição de joias em cobre e prata, em 1963, na VII Bienal Internacional de São Paulo, dois anos depois está, além do XIV Salão Nacional de Arte Moderna (RJ), de mostras divisoras na história da arte brasileira: ‘Opinião 65’, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e ‘Propostas 65’, na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo.

1) Nos seus trabalhos atuais de pintura há uma relação entre o espaço e a criação, que levam a ser denominadas como monotipias, processo de gravura. Este processo de realizar sua obra hoje vem a criar e recriar uma variedade de formas, de sentidos, de significados, e chega até o olhar impregnado deste fazer.
a) O que o leva a realizar sua pintura hoje por meio deste processo? Uma impressão de imagens no local?
b) Outro ponto que chama a atenção neste processo é a escolha da origem. Como você busca este espaço? É aleatório? Que ou qual significado há nesta escolha?
c) O que de memória resiste nestes trabalhos? Ao dizer memória, digo memória do espaço, do cidadão, do artista, nestas obras.
d) Na sua pintura, talvez fundada na terra, o espaço é fundamental para elas, possui cores terrosas, ocres, amarelos. O que o leva realmente a ter uma identificação com essas cores?
e) Há um objetivo na escolha da lona crua como suporte para estes trabalhos?
f) Considera sua pintura hoje uma abstração livre?
Fazer arte é tornar visível. A monotipia é um procedimento onde eu transfiro para uma tela pigmentos que estão sobre uma superfície, que pode ser criada, inventada ou encontrada. Transportar vestígios de um sítio, um lugar real ou de uma superfície inventada para a tela provoca no deslocamento uma nova leitura e fruição de imagens às vezes já conhecidas ou reconhecíveis.
A escolha dos lugares não é aleatória. São às vezes lugares carregados de história e aura que procuro deslocar, através das monotipias, e que podem ser retrabalhadas no ateliê. É a captura de uma imagem numa escala 1 para 1, que é inteiramente diferente de uma fotografia, e assim catalisar no espectador uma visão mais sutil, mais poética, não descritiva somente. Nesta exposição existem imagens tanto inventadas no ateliê como coletadas em sítios, como a ruína da missão jesuítica de São Miguel, no interior do Rio Grande do Sul como também no calçamento do Pelourinho.
É às vezes uma reinvenção do real, através de pequenos detalhes, falhas, hiatos reveladores do que não está obviamente visível. Uma superfície colorida não é necessariamente uma pintura. O uso de uma paleta baixa de ocres, ocres amarelos, vermelhos e pretos, tirados da terra brasileira, é para construir uma beleza com cores da terra brasileira sem cair numa coisa nativista, nacionalista, mais telúrica.
Da mesma forma, a lona crua é usada por ser um tecido forte que aguenta um procedimento de pintura que pode ser muito rude. Considero meu trabalho um trabalho livre que pode às vezes conter imagens compreensíveis, que se reconheçam figuras, mas tem uma estrutura abstrata, onde o resultado almejado é encontrar sua própria razão de ser e de existir, não precisando ser anedótico ou literário. Procuro uma nova beleza e um novo uso para ela.

2) Seu início foi nos anos 60, sendo nesta época aluno de Iberê Camargo. O que significou, ou significa hoje, este aprendizado? Ou o que ele significou para a sua trajetória? Fora serem gaúchos, sente trilhas ou influências de Iberê em sua arte nesta trajetória?
O convívio com Iberê Camargo foi um privilégio que tive e que procuro respeitar sendo rigoroso com o que faço, mudando quando acho que devo mudar, acreditando na intuição do meu trabalho. Trabalhar com ele, quando tinha vinte e poucos anos, foi marcante e não atraiçoo nisso.

3) Ainda neste início, a sua pintura era feita a óleo, desenhada pelo tubo de tinta mais pincéis sobre papel ou tela. Chegando aos dias de hoje, a pintura de agora, novamente a óleo, o que dá para sentir como união destas duas pontas através da técnica?
Depois dos anos 60 nunca mais usei óleo. Como fui químico e meu começo se deu junto com o início da indústria petroquímica, e como fui operário da Petrobras no começo dos anos 60, tive acesso a materiais novos que a indústria começou a produzir no Brasil e me deram muito mais liberdade.

4) Você participou do “Opinião 65”, mostra com Lygia Clark, Helio Oiticica, Lygia Pape, e um divisor de águas na arte brasileira. O que foi esta exposição, não só para aquele momento, mas principalmente olhando com olhos de agora, nos dias de hoje, para ela?
“Opinião 65” foi uma exposição que mostrou que no Brasil havia uma produção de vanguarda como nos Estados Unidos e na Europa. Foi um vislumbre de dois marchands, Jean Boghici e Ceres Franco, da produção de arte no Brasil, que hoje se mostra comprovada internacionalmente. Vendo na época e vendo de hoje, ela foi uma exposição de ruptura com a academia e arte oficial.

5) Um ano depois desta mostra, você deixou o trabalho de técnico em química e passou a se dedicar integralmente às artes plásticas. Como foi exercer uma decisão tão desafiadora para sua arte e tão radical para sua vida? E o que isto, como consequência, alterou na sua vida e na sua arte?
Sou neto de um fazendeiro do interior do Rio Grande que vendia parte de suas terras para educar um filho, meu pai, em Porto Alegre. No colégio meu pai se converteu e escolheu entrar para o seminário anglicano, e assim fez e foi salvar almas. Eu não podia depois de certo momento ser um artista das horas vagas ou do fim de semana se eu quisesse fazer alguma coisa que prestasse. Era um risco e uma oportunidade. Eu tinha que pagar para ver. Hoje eu acho que já tenho maturidade e estrutura psíquica para ser um pintor de fim de semana, só que durante a semana eu não faria nada.

6) Também nesta época o seu trabalho passou a colocar como suporte a placa de acrílico, um objeto industrial, como base para um trabalho artístico, único e pessoal. Eram resquícios do químico sendo alocados na arte? E a escolha ou utilização, além do acrílico, de pigmentos de óxido de ferro, da dolomita, na criação, também é permanência do químico na obra de arte?
A resposta 6 acha que já está pronta.

7) Em 1968 chegaram as instalações com a obra “Berço Esplêndido”. Em 72, “Fome”. Além de falar sobre como vê as instalações como um dos caminhos de sua arte, e a instalação na arte em geral hoje, gostaria que estendesse a resposta sobre a influência da política nos seus trabalhos. Os títulos destas instalações são bem sugestivos para esta pergunta. Enfim, você foi, ou é, um artista que se chama engajado?
Acho que a arte tinha, e tem, um papel a cumprir. Lá nos anos 60, a questão era uma ditadura reacionária e medíocre, que tentava cortar os sonhos desenvolvimentistas do fim dos anos 50, e eu queria ajudar a derrubar. Agora, nos “meus“ 60, se trata de dividir uma visão poética da arte e do mundo que amplie a noção do “sensível” nas pessoas. Que a visão não seja usada apenas para não tropeçar nas coisas ou só enxergar o que é dado pela propaganda ou pelo mercado, mas ampliar a capacidade de sentir/pensar o mundo, pensar/sentir novos paradigmas. Se eu sou ou não engajado é uma pergunta a que não tenho mais que responder. Toda obra de arte se relaciona com o real até por negação ou alienação. A arte é uma linguagem que tem regras próprias. Todas as palavras da nossa língua estão no dicionário e são usadas por todos em tudo que é escrito e falado. O poeta coleta na mesma língua e junta de um modo que catalisa um novo sentido, como se reinaugurasse o que parecia totalmente conhecido. Essa é a regra da arte.

8) O real, ele estando no espaço, cenário, paisagem, natureza, memória, sociedade, é mostrado na sua obra. Sua obra é uma consequência direta entre a arte se relacionando com o social, o político, o meio ambiente?
Respondido na 7.

9) Sequenciando a pergunta acima, sobre o artista político ou cidadão, você foi fundador e presidiu a Associação Brasileira de Artistas Plásticos Profissionais. Qual a importância de uma associação que reúna artistas profissionais? Que objetivo e serviços você vê na existência dela, de sindicalizar artistas?
Naquele momento, nos anos 60, com o AI5, gente sendo presa, morta, torturada, exilada, era preciso criar um corpo representativo que desse respaldo à ação de artistas mais na vanguarda do combate. Hoje tenho medo de associações que acabam se transformando em corporações que só trabalham em causa própria, vide o nosso Congresso e viva as exceções que possam existir. Hoje, às vezes penso como um colega meu, que diz que o melhor profissional é o amador, que faz por amor. Pode ganhar seu sustento disso, mas não perde o sentido.

10) Em 70, a sua obra passou a ter uma experimentação de meios, sendo escultura, fotografia, desenho, arte aplicada à arquitetura, filmes super 8, o papel craft recortado. São técnicas e meios diversos. O que o levou a isto? Apenas experimentação?
Acho que por uma questão de temperamento e anseio, não ansiedade. O mesmo colega artista da resposta acima diz que o artista é dividido em duas categorias: os obsessivos e os histéricos. Acho que eu me situo no segundo grupo, pois a ideia de liberdade e invenção é que você tem inúmeras possibilidades e pode falar de várias maneiras e conseguir diversas harmonias. Quando você não está copiando modelos preexistentes, tudo é permitido e pode ser experimentado, se o teu foco não for experimentar por experimentar, mas ampliar tua linguagem e eloquência. E quem segura um cara com 20 ou 30 anos cheio de gás, que não tem que fazer escolhas significativas, não pertence a furo, escola, linha. Como diz o poeta, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Então usei fotografia na pintura, pintura na fotografia, desenho na escultura, imagem parada, imagem em movimento, papel italiano, papel de embrulho, jornal, seda, linha, lona. Por que não? O assunto não era o material.

11) A fotografia incluída, inclusive com um recente livro sobre ela, como a vê no seu trabalho? Um registro, um documento, um experimento, ou tratada apenas como matéria-prima para a obra do pintor?
Creio que hoje sou um artista que trabalha num fluxo, ora olhando para fora ora para dentro. Nos dois olhares, uso anotações, maquetes, fotografia, e a cabeça. Às vezes é material bruto para ser retrabalhado e às vezes chega bruto e pronto. As coisas falam.

12) Ao se dedicar à fotografia neste período, o que levou a escolher este meio? Eram anos 70, naquele momento, como meio de expressão ou criação. E na escolha da fotografia, a rua? Nesta o carnaval? E no carnaval um bloco de rua, o Cacique de Ramos? Estendendo mais, pelo que li você não se considera um fotógrafo?
Um artista quando está “olhando para fora” , como já disse, é como um arqueólogo, ou antropólogo, ou médico, ou astrônomo, e o registro de imagens é bom. Melhor ainda se você tiver amigos fotógrafos e construa um laboratório no ateliê, onde podia, de novo, experimentar. Nesses anos meu companheiro querido de aventuras era o grande fotógrafo Bina Fonyat, filho do arquiteto de mesmo nome, e que projetou o Teatro Castro Alves em Salvador. Bina me ensinou muito, pois era um fotógrafo na linha Cartier-Bresson. Estar na hora certa, no lugar certo, e para isso tem que ser um andarilho dedicado a ver o outro, a olhar em volta, a estar atento e exercitar o olhar, e você para de olhar para o próprio umbigo, e no carnaval pode ver milhares de artistas de três dias potentes e expressivos. O Cacique é um caso à parte, pois, numa sociedade que só incentiva o ego, ver um grupo que escolheu ficar igual, mas diferente. Todos são caciques. E aí fui. Talvez tivesse, ou ainda posso ter, no carnaval da Bahia uma onda parecida com os Filhos de Gandhi. Eu não sou um fotógrafo na acepção exata ou acadêmica do termo. Eu uso a fotografia e às vezes acerto. Como fotografo muito, acho que acerto bastante. E agora, com as novas tecnologias, posso corrigir mudar, quase transmutar.

13) Você tem uma vertente de seu trabalho que atravessa todos os períodos, que é a integração com a arquitetura. Pode discorrer sobre isto?
O trabalho com arquitetura se deu por convites de arquitetos, que viam uma possibilidade de uma interação entre arte e arquitetura que superasse a decoração, que fica subjugada à moda, que é momentânea e obedece às estranhas leis do mercado. Isso abriu para mim possibilidades de “arquitetar” paredes com outras matérias, como papel craft. Só a ideia de usar o papel em arquitetura era uma aventura, mas tinha o risco controlado. Essa relação com os arquitetos deu-me a possibilidade de trabalhar numa outra escala, de trabalhar para um lugar específico, considerando a luz, tamanho, circulação das pessoas, os vários pontos de vista. Foi um grande aprendizado e uma troca rica. Acho que essa experiência culmina com o painel do Aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre, com 6 x 36 m, que se chama “Todas as Horas” e trabalha com a ação da luz do sol sobre as paredes. Sobre esse assunto, arte e arquitetura e arte na arquitetura dão uma longa conversa. No Brasil ainda estamos brincando nessa área e espero que isso mude. Nos anos 60 e 70, por incrível que pareça, os conhecimentos específicos da arte e da arquitetura eram mais próximos, estávamos mais próximos no tempo das experiências da Bauhaus.

14) E as obras em papel craft? São relevos?
O papel craft é um material incrível, tanto na versão básica como papel, como na versão de papelão corrugado. Há um mito no Brasil que diz que papel não aguenta um país tropical. O craft é um compensado ultrafino, maleável, e que tem a cor mulata nossa e isso me atraiu, para usar liso, em relevo, cortado, corrugado.

15) Em 81, você estava de volta à pintura sobre tela, agora em dimensão maior. Há também uma volta à figura, ou melhor, à representação, principalmente da memória do local. É dito que você hoje vai buscar em territórios naturais e humanos a sua matéria-prima. Qual a relação do local na sua obra hoje? E o local, indica viagens. São várias cidades. Mas o que é mais importante: O que há de viagem interna neste fazer criativo de agora?
Em 81 eu estava cansado da pintura “expressiva”, figurativa, e retirei toda a relação com o real, o literário, e transformei a tela num campo de cor com medições de densidade poéticas da cor, e é quando eu acho que mais me aproximo do que moveu os neoconcretos. Acredito que uma superfície possa criar sua própria razão de existência e dizer a que veio. Uma superfície que vibra pelo teu olhar e te convence que pode ficar. Só que esse exercício que fiz durante quase 10 anos tem um perigo louco da repetição, o espaço de manobra fica muito pequeno e achei melhor reinventar minha pintura. Foi em 89, pelo convite para uma sala individual na Bienal de SP. Achei legal chegar com uma pintura nova, sólida e surpreendente para mim, pois afinal sou meu próprio espectador e tento ser o mais rigoroso.

16) Estendendo a pergunta anterior: sua obra sempre interagiu com a realidade externa? É uma busca no entorno que a deflagra? É um depoimento visual de suas experiências e de suas vivências? Sua obra é um permanente interagir com o mundo exterior?
A pintura em si passou lentamente a ser o assunto do meu trabalho. Eu não sou o assunto do meu trabalho. A pintura é que é. Usando vários pretextos.

17) Continuando ainda na pergunta: você vê nos seus trabalhos um espelho de períodos da história recente? Uma inquietação política que perpassa estes? Sendo mais direto: o momento político é importante para sua criação? A resposta sendo afirmativa, tendo uma obra que passou pela ditadura, abertura, como você se relaciona com este momento político de agora?
Passo…

18) Você vem após o construtivismo, arte concreta e neoconcreta, e numa fase lado a lado com a pop. Como estes estilos influenciaram, dialogaram, ou nada significaram, no seu trabalho?
Eu sou um artista que vem da plateia. Dos livros de arte da infância, do gibi, da música sacra. Bach, Haendel, Scarlatt, Mozart. Vejo tudo que posso, inclusive para não fazer nem parecido e tentar dar meu “pitaco”. Tudo que eu vi tá no caldo do meu trabalho.

19) Como vê a pintura hoje no Brasil?
Não acho que deva falar só da pintura hoje no Brasil, pois tem de tudo, do bom e do ruim. Tem pintura e tem pano colorido. Tem arte e tem o que parece arte. Como sempre, em todos os tempos, em todas as áreas. Mas temos no Brasil um caldeirão com um caldo bom, onde se pode meter a concha e pescar o que alimente tua inteligência e teu espírito. Nas artes visuais, no cinema, no teatro, na literatura e na música. Temos vida inteligente no Brasil, apesar de não ser esforço do Estado brasileiro.

20) Esta é sua primeira individual na Bahia. Sendo assim, sempre dá vontade de trazer uma retrospectiva da obra, mostrar a trajetória, ou, em sentido inverso, mergulhar radicalmente na criação atual? Qual o caminho que foi seguido, ou houve uma terceira via? Enfim, como foi feita a escolha das obras que estarão na exposição? Quantos trabalhos? Quais técnicas?
Salvador é um delicioso encontro. Em 1972 peguei um carro e disse: vou conhecer Salvador. No caminho parei em Nova Viçosa para ver meu amigo Kracjberg e o Zanini, que me mostrou um terreno paraíso junto a um pequeno rio. Comprei, fiz uma casa, e viajava mil e tantos quilômetros por mês para passar uns dias lá durante anos e nunca cheguei a Salvador. Meus amigos baianos todos ficavam lívidos quando eu dizia não conhecia Salvador. E frente ao espanto eu dizia: “calma, estou deixando o melhor pro final”. Agora estou é pedindo licença para chegar, ver e ser visto. É melhor do que eu pensava e já estou fazendo umas coisas que vou mostrar. Uns repentes, uns improvisos.

(entrevista / junho de 2009)

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