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Gustavo Moreno

Abertura
08 de novembro de 2012

Horário
19 às 22h

Exposição
09 de novembro a 07 de dezembro

A Paulo Darzé Galeria de Arte abre dia 8 de novembro de 2012, às 20 horas, a exposição Cada um de nós, também os outros, do artista plástico Gustavo Moreno. A mostra conta com 20 obras inéditas na Bahia (a exposição já foi realizada no Centro Cultural dos Correios no Rio de Janeiro) com trabalhos em acrílico, óleo e sintético sobre lona e sobre aço, em grandes dimensões, com uma temática sobre a reflexão das relações do indivíduo no mundo contemporâneo, como a negação da identidade e as investigações quanto à memória, o tempo e o espaço, tendo como temporada para visita, aberta ao público, de segunda a sexta das 9 às 19 horas e sábados das 9 às 13 horas, até dia 7 de dezembro, constando a mostra de um catálogo com textos de Marcus de Lontra Costa e Claudius Portugal.

Nas obras expostas, Gustavo Moreno, conforme afirma Marcus de Lontra Costa, “tem como ponto de partida o registro fotográfico. A partir dele o artista executa uma série de ações pautadas pela edição e manipulação das imagens, com o intuito de criar a necessária surpresa e curiosidade que toda obra de arte verdadeira deve suscitar no espectador. Nesse sentido, o suporte é elemento essencial no seu processo. Nas telas brancas, o vazio acaba por sugerir o silêncio do tempo. A matéria opaca, branca, faz com que a figura dela pareça brotar como um resquício de pensamento aparece subitamente em nosso consciente oriundo dos silêncios dos desvãos da nossa memória. Já nas superfícies polidas e metálicas, a imagem parece ser agregada, ato posterior à existência do suporte. Enquanto nas telas o tempo rege o espetáculo, no metal o espaço conduz o nosso olhar, provocando o espectador e, por vezes introduzindo-o no centro da ação através do espelhamento da sua própria imagem”.

Para Claudius Portugal, estas obras de Gustavo Moreno “O que eram figuras anônimas numa fotografia, por um processo de criação anulada ou manchada, passa a ganhar identidade através o brilho do esmalte e o do aço. O visível das imagens torna-se o invisível para que novas figuras sejam vistas. Desfeita uma realidade se passa para uma outra. O instante de nos vermos refletido na cena. Não mais estamos diante, mas dentro. De observador, agora refletido, nos tornamos parte integrante e indissociável. Único e multiplicado. Desta maneira a obra passa a conter quem a vê através de um jogo de sensação visual estabelecido por um processo de interferências – a negação do material utilizado – e, como resultado da aplicação do esmalte e da utilização do aço, o refletir de imagens que esta superfície espelhada oferece.

A exposição na Paulo Darzé Galeria de Arte, em seus 20 trabalhos, trazem fotografias acumuladas ao longo dos anos, todas realizadas em Londres, de onde Gustavo Moreno cria intervenções com esmalte e aço, transformando o visível das imagens no invisível, tornando os indivíduos nas fotografias em anônimos, abrindo espaço para a inserção de uma nova identidade na imagem. A técnica possibilita ao público enxergar novas figuras e tornar-se parte da obra. Para o artista, “há questões sobre a busca de uma identidade estável e fixa. Mas nossas identificações estão se deslocando, confrontadas com a virtualização e a velocidade da vida contemporânea. Há um cruzamento com a periodização da cultura ocidental que aponta para nós mesmos, de onde viemos, para onde vamos. São anseios da infância, é uma espécie de reter o tempo. Esse trabalho que apresento refere-se às minhas vivências. Crio uma narrativa que acontece em cruzamentos, sinuosa, e não linear”.

Sem a presença humana, toda paisagem é inalterada, ela é silêncio, território do vazio. O paraíso perdido é a ausência do tempo, a imutabilidade do ser e de todas as coisas que o rodeiam. A arte, portanto, é o fruto proibido; ela é o desejo, a compreensão da vida e da morte com todos os mistérios, encantamentos e pavores. A arte é um imperativo da consciência humana, uma arma de enfrentamento e de superação de seus limites e de seu tempo.

Diante do aborrecimento da eternidade o ser humano, através do pecado original da arte, optou por um mundo em permanente dialética, regido pelo tempo e animado pelo movimento. Para isso ele se dedicou à construção de artefatos repletos de simbolismos e de mensagens que transcendem a realidade objetiva dos fatos dando-lhes novos significados e novas interpretações e criando, assim, um território paralelo de conhecimento que acabou por gerar, através de repetição constante de seus procedimentos, a base de cultura e de comunicação que justifica a existência da espécie no planeta.

A ação artística é uma vocação intrínseca da espécie humana. Ela cria imagens, formas, volumes, e constrói artefatos carregados de mistério e de inquietude a partir da apropriação e da consequente transformação de elementos e de materiais até então silenciosos habitantes da realidade natural. Ao longo de sua existência, ao longo de anos, décadas, séculos, o ser humano acumula saberes, informa, ensina, transforma, inventa, cria metáforas e alegorias do mundo, refletindo assim – e questionando – os valores e as verdades de cada época e de cada tempo. Para tanto, ele se utiliza de um repertório ao mesmo tempo simples e complexo, estratégia de um jogo que acompanha toda e qualquer civilização humana. Ele constrói e destrói; para fazer nascer uma nova paisagem é preciso matar a paisagem anterior e esquecer as diversas outras paisagens que poderiam ter nascidas e que foram abortadas pelo ato criativo de escolha seletiva.

A civilização ocidental acabou por identificar no ato pictórico a essência das suas construções metafóricas e metafísicas. Através da pintura, o artista vela e revela, acumula e reduz, faz surgir imagens e as apaga numa permanente construção de palimpsestos. Esse gesto característico de acumular e de subtrair, multiplicar e dividir, acompanha o ser humano e a sua atividade artística ao longo de toda a nossa história, tendo sido registrado por diversos teóricos e artistas. “Cada pintura – dizia Picasso – é a soma de suas destruições”.

Cada imagem revelada traz consigo a história e os resquícios das imagens obliteradas. Elas podem ser apagadas, como nos palimpsestos medievais, podem ser camufladas com folhas de parreira, como a genitália pela moral cristã ou podem ser editadas e suprimidas por processos fotográficos hoje extremamente comuns. Entretanto, serão sempre imagens contaminadas, portadoras de um estranho vírus que faz circular em sua corrente vital as outras histórias abandonadas, outras verdades inconclusas, novos mistérios. A Arte, quando incorpora a sua ação essencial de subversão dos valores assume o seu papel de agente revelador da complexidade das imagens do mundo e de suas verdades. “Erasure is never merely a matter of making things disappear: there is always some detritus strewn about in the aftermath, some bruising to the surface from which word or image has been removed, some reminder of the violence done to make the world look new again. Whether rubbed away, crossed out or reinscribed, the reject entity has a habit of returning, ghostlike: if only in the marks that usurp its place and attest to its passing. But writing, for example, is already, long before lead hits pulp, a question of erasure, an art of leaving out.(1)”

O mundo contemporâneo, repleto de imagens e saturado de informações busca, através da ação artística, selecionar, processar e valorizar imagens banais, dando-lhes identidade, sentido e razão. Essa é a estratégia essencial que norteia o processo criativo e a reflexão teórica de Gustavo Moreno. Como o próprio artista assinala, “…crio uma narrativa que acontece em cruzamentos diagonais, não de maneira linear, clara. Ela começa com registros fotográficos que venho arquivando na vida diária, experimentados e vividos em espaços públicos e urbanos. Essas imagens vão se acumulando e num determinado momento eu as revisito, no plano pictórico. A obra só acontece na junção dos elementos, imagem, texto e cor”. Para que se possa compreender e admirar o trabalho de Gustavo Moreno é, portanto, necessário enxergar aquilo que se vê e aquilo que se esconde, o que se revela e o que está camuflado, a sua realidade concreta e palpável e a sua história que se cria nas dobras e nas frestas do olhar, do pensamento, da sensibilidade. Esse é o seu mistério, o seu encantamento, a sua simples e complexa equação.

Gustavo Moreno tem como ponto de partida o registro fotográfico. A partir dele o artista executa uma série de ações pautadas pela edição e manipulação das imagens, com o intuito de criar a necessária surpresa e curiosidade que toda obra de arte verdadeira deve suscitar no espectador. Nesse sentido, o suporte é elemento essencial no seu processo. Nas telas brancas, o vazio acaba por sugerir o silêncio do tempo. A matéria opaca, branca, faz com que a figura dela pareça brotar como um resquício de pensamento aparece subitamente em nosso consciente oriundo dos silêncios dos desvãos da nossa memória. Já nas superfícies polidas e metálicas, a imagem parece ser agregada, ato posterior à existência do suporte. Enquanto nas telas o tempo rege o espetáculo, no metal o espaço conduz o nosso olhar, provocando o espectador e, por vezes introduzindo-o no centro da ação através do espelhamento da sua própria imagem.

A inserção de comentários sobre a arte e a vida acentua a presença da História como elemento estruturador da ação artística. Tais comentários repetem a mesma estratégia de revelar e escamotear a imagem. Eles não informam; elas sugerem. Eles atuam como uma espécie de sonorização coadjuvante do teatro visual proposto pelo artista. Há neles, intrinsecamente, a noção do saber e da localização temporal, e eles convidam a todos, como uma Esfinge contemporânea, a criar seu próprio destino, o seu “Decifra-me ou te devoro”. Muito mais que afirmativas, elas são resíduos da informação, mapas da linguagem e da interpretação. “De tudo ficou um pouco/Do teu medo. Do teu asco./Dos gritos gagos. Da rosa/Ficou um pouco (…) Se de tudo fica um pouco,/mas por que não ficaria/um pouco de mim em Londres,/ um pouco de mim algures?/na consoante?no poço?”(2).

Em meio a tantas imagens, tantos rostos, quem eu realmente vejo, quem identifico, a quem direciono a palavra e o interesse e pergunto alguma coisa sobre mim, sobre você, sobre ele, sobre nós? Vivemos juntos nessa multidão anônima e seguimos nosso rumo sobre os gráficos e as estatísticas e sobre valores e poderes que refletem a miserabilidade da vida e a angústia do homem dos dias atuais. Gustavo Moreno processa informações, dialoga com Baldessari, circula com desenvoltura pela arte pop e pela arte conceitual sem renegar as relações primordiais entre o Eu consciente e o Eu inconsciente, tão caro aos surrealistas. As suas obras são um espelho real e misterioso da arte contemporânea, percorrendo espaços e tempos na velocidade da comunicação e do mundo globalizado, conectado numa grande rede de notícias, afetos e informações. Assim nasce e se justifica a trajetória artística de Gustavo Moreno, construtor de fábulas visuais, nas quais o tempo e o espaço, a ironia e a sutileza das imagens enfrentam a contundência da memória e da fantasia. “Eu gostaria que você parasse de aparecer e desaparecer tão de repente: você deixa a gente tonta!” “Tudo bem” – disse o gato – e desta vez desapareceu bem lentamente, começando pelo final do rabo e terminando pelo sorriso, que permaneceu por algum tempo depois do resto ter ido embora. “Bem! Eu tenho visto muitos gatos sem sorriso – pensou Alice. Mas um sorriso sem gato? É a coisa mais curiosa que já vi em toda a minha vida!” (3)

Texto de Marcus de Lontra Costa

 

 

1) Como foi efetivado o seu processo de criação para esta mostra? Uma imagem? A fotografia? Este é o melhor identificador como sendo o ponto de partida para estes trabalhos? E como foi a sua técnica ao desenvolvê-los?

Todo meu trabalho está associado à imagem. A fotografia antecede o que eu poderia identificar como o ponto de partida. Ao revisitar a fotografia no plano pictórico, encontrei o início do desdobramento. A técnica surgiu com a pintura. As coisas vão acontecendo, o gesto, o chapado, os textos. Utilizei tinta acrílica, óleo, esmalte sintético, e impressão digital.

2) Esta técnica possibilita ao público enxergar novas figuras nas figuras elaboradas por você sobre tela ou aço e tornar-se parte da obra? É esta uma intenção que a obra traz com ela?

Sim, através da técnica, consegui o espelhamento. Assim como aço, trago essa aproximação entre o espectador e a obra, há uma troca mútua de identidades.

3) Você diz num depoimento que nestes trabalhos há questões sobre a busca de uma identidade estável e fixa. E que nossas identificações estão se deslocando. Poderia explicar esta afirmação?

O mundo contemporâneo absorveu essa revolução virtual em que estamos vivendo, não há mais especializações. Por exemplo, eu não sei se sou pintor, fotógrafo, desenhista, se faço instalações, vídeos etc. Há uma hibridização, uma espécie de “desespecialização” no sentido que tudo pode, as identificações estão flutuando livremente. Não sei se isso é bom ou ruim, às vezes me sinto em cima do abismo, a dúvida sempre faz parte do processo.

4) O que há de confronto destes trabalhos diante da virtualização e a velocidade da vida contemporânea?

Estamos vivendo em rede, há uma velocidade de informação incessante. Ao me ver refletido dentro da imagem de outra pessoa, comecei a acreditar nesse confrontamento.

5) Esse trabalho, seguindo sua trajetória, refere-se às suas vivências? Qual é a narrativa que pode ser extraída deles?

Crio uma narrativa não de uma maneira linear, clara, e sim com cruzamentos. Todas as imagens do trabalho são registros das minhas vivências, e, ao cruzar isso com minhas memórias literais da história, senti o trabalho vivo, surgiu uma quase sonorização, um diálogo silencioso. O que pode ser extraído dessa narrativa é pensar que esses aglomerados de anônimos refletem o nosso próprio espelho

6) E esta volta à Bahia? O que espera dela?

Espero sentir minha aura!

7) Como é deflagrado o seu processo de criação? Uma imagem, um material, um gesto, uma palavra? Melhor dizendo, qual(is) o(s) estímulo(s) para o seu trabalho?

O processo criativo surge quando menos espero, deflagra através de uma ideia. Quando consigo promover a mediação entre a mente e a matéria, entre a realidade e o espírito das coisas que me cercam, concretizo com a representação e o registro de acontecimentos.

8) O que e como você identifica exatamente como sendo o ponto de partida para a criação de sua arte?

Em primeiro lugar, tenho que me sentir livre, liberto de rótulos, quando me vejo andando para trás e tomando impulso para mergulhar. Antes de criar algo, preciso fechar os olhos e sonhar que sou capaz de acordar.

9) Sua arte é fruto do que você vive e viveu ou é um meio de descoberta do mundo?

A arte foi descoberta. O primeiro artista que existiu precisou despertar, organizar suas memórias para, em um lapso, através de um objeto, extrair das rachaduras da caverna que habitava a imagem de um animal, associada a momentos vividos, como a caça, a emboscada e a luta pela sobrevivência. Com essa descoberta, esse homem pré-histórico inventou a história, antes da escrita. Minha arte é fruto das descobertas, através das minhas vivências.

10) Você acredita numa obra de invenção artística puramente imaginária? Ou o real como fato, notícia, acontecimento, é um dado imperioso nesta criação?

Acredito que tudo é possível. O objeto de arte pode ser concebido do imaginário, como pode ser desdobrado. Temos que desvendar mistérios, mas também temos que criar novos enigmas através da realidade. O fascínio da arte está nas suas infinitas possibilidades. Segundo Picasso, “a arte é uma mentira que nos conta a verdade”.

11) Sendo o real um dos pontos de partida de seu trabalho, o que há da cidade, sua gente, como campo de referência ou de investigação na sua arte?

A realidade da vida está intrinsecamente ligada ao meu trabalho. A cidade e o cidadão fazem parte disso. Atualmente tenho perambulado por ruas e suas vielas. Entendo a rua como espaço público que nos dá o direito de ir e vir. Isso é genial. É pura liberdade de ação. Na rua se conhece um grande amor; na rua se começa uma guerra e termina outra; a rua nos leva ao nosso endereço. Tenho investigado sobre esse espaço de passagem e de permanência, porém uma via deixa de ser rua quando se perde a presença da sua gente e da sua urbanidade. É nesse campo de referências sensoriais e terrenos específicos que tenho percorrido.

12) Como e qual é o seu processo de trabalho?

Por etapas. O processo vem no primeiro plano através da ideia, e, se ela me convence, contextualizo e a conceituo. Após essa etapa, vem o desdobramento material, técnico e estético da linguagem que decido explorar. Muitas vezes uma grande ideia não atinge essas expectativas, como uma simples ideia pode ter resultados surpreendentes. Estou sempre em busca dessa equação.

13) Há uma temática recorrente na sua pintura?

A minha motivação para trabalhar no plano pictórico e o caminho que escolhi foram descobrir técnicas aliadas a conceitos. A temática não é recorrente. Estou sempre em busca de algo novo que me instigue. Gosto de ser provocado. A minha pintura está em um plano corpóreo. É minha segunda pele. Sinto-a viva.

14) A linguagem urbana e o cotidiano são fatos exponenciais para sua criação? A cultura popular da Bahia está contemplada nestes trabalhos?

No atual momento, sim. As cidades concentram uma verdadeira mistura de diferentes referências culturais. A Bahia faz parte disso. Em 2010 estive em Moscou, São Petersburgo, Shangai, Beijing, Londres e Nova York em busca de novas possibilidades.

15) Repercutindo ainda as perguntas acima: colocar o real – imagem etc. – como um dos motivadores de sua arte, fato descrito por você em entrevistas, leva sua atenção para aspectos outros, além da arte em si, como meio ambiente, política, defesa de minorias? Se estes assuntos existem, eles são consequências naturais na sua arte ou repercutidas apenas quando cidadão?

As consequências naturais do meio se conectam ao meu espírito através da arte. É uma simbiose. Apenas me policio para que meu trabalho não seja panfletário. Isso fica para o cidadão.

16) O seu trabalho atravessa diversos caminhos – pintor, desenhista, escultor, criador de joias. Como é estabelecida a identificação de tornar-se desenho, pintura etc.? Qual o pensamento (ou tema, ou imagem) que ocorre para que se deflagre a escolha de um destes segmentos para a existência matérica de seu trabalho?

As ideias das abordagens a serem dissecadas escolhem seus próprios caminhos, muitas vezes sem eu mesmo perceber. A matéria entra depois que esse problema é resolvido.

17) É dito na sua técnica, no seu processo, de sua captação de imagens como fotógrafo, e um trabalhar destas fotos posteriormente tornando-as pintura. Como é escolhida esta captação de imagens? São elas de rua ou de estúdio? E o que esta busca quer reproduzir quando captada num meio e depois efetivada por outro?

Eu tenho um fascínio pela imagem. O papel da fotografia em construir e expor realidades alternativas tem me intrigado, a fotografia está mais voltada ao plano mental do que ao visual. Fiz uma série de imagens desprovidas de expressão estética, enquanto o objeto retratado pareceu valer-se de outra figura. Essas imagens se revelaram de uma teatralidade absurda ao escolher o ângulo da câmera, preconcebeu um trabalho extremamente espontâneo, sempre à espera de algo. Apesar das diferenças, em relação aos seus processos, a pintura e a fotografia se aproximam. Ao analisar uma imagem fotográfica, penso nas revelações que a pintura me traz. Tenho feito experimentos entre ambas dentro do mesmo território.

18) A sua obra contempla desenhos, esculturas, instalações, performances, fotos, e disto uma relação com o mundo, para criação e visualização. Como é escolhido algum destes caminhos para sua realização/execução? Há um projeto?

Defino qual conceito se aproxima da linguagem. Por exemplo: a escultura é uma abordagem tridimensional e multidirecional do objeto; quando sinto que posso enfrentá-la, eu sigo em frente. O fato é que eu trabalho com o que guardo em meu cérebro. O ciclo se completa com realização e execução da obra. Crio projetos para exposições.

19) O seu iniciar passou pelo retrato. Retratos de personalidades. Isto foi uma etapa ou você ainda o faz?

Nos anos 60, surgiu a pop art, dirigida a um público de massa. O objeto de consumo entrou em cena, nascia da cultura juvenil, chamava a atenção para a vida cotidiana americana. E chamou também a minha atenção. Andy Warhol repetiu séries contínuas em seus temas e a fotografia de rostos conhecidos foram algumas delas. Isso me influenciou. Caravaggio se inspirou em Michelangelo. Por que não me inspirar em Warhol? Saíram daí pinturas de rostos conhecidos para uma individual no Museu de Arte Moderna da Bahia. Foi uma passagem.

20) Atualmente vemos seu trabalho em várias coletivas e em intervenções urbanas. Que momento é este?

Quero compensar minha ausência em corpo físico em Salvador com a minha obra. Tenho participado desses eventos, através dos convites que recebo.

21) Hoje você se divide entre Rio e Bahia. Com está sendo ter dois ateliês? E já vê alguma consequência nesta divisão ou união?

Tenho me dividido entre Salvador, Rio e Londres. As consequências são as melhores possíveis.

22) Está preparando alguma nova exposição individual?

Tenho projeto em andamento para o Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro, e outros que ainda não posso divulgar.

23) Sendo um pintor essencialmente, como está vendo a pintura hoje?

A pintura sempre teve seu espaço, os artistas se reinventaram na forma de fazê-la, trocaram o suporte. O próprio sistema da arte conceitual criou isso. Duchamp, em 1957, condenou a pintura, desde o impressionismo até o abstracionismo, afirmando que a arte foi reduzida a matéria, cor, desenho, textura e sentimento – como se a ideia estivesse reduzida ao tubo de tinta. Nesse contexto, a pintura passou pela maior crise da sua história, nos anos 70. Sua morte foi proclamada por vários artistas conceituais. Apesar desse complexo caleidoscópio que chamamos de arte, a pintura retomou seu espaço nos anos 80. Mas na verdade ela nunca perdeu seu espaço, seu poder está acima de questões ideológicas. O radicalismo não é saudável. Vejo a pintura atual, digamos assim, de uma forma neoconceitual.

24) Como vê o mercado para artistas contemporâneos como você? Aliás, há mercado?

O mundo da arte é mais amplo que o mercado da arte, que diz respeito a pessoas que vendem e compram, ou seja, marchands, colecionadores e leiloeiros. A arte é puramente mercadológica, vivemos em um mercado de excelência e exclusão. O artista precisa de um diálogo honesto com o seu representante. Há mercado para quem está antenado, embasado, e fazendo um bom trabalho. Essa é a leitura que eu tenho. Ao longo dos últimos dez anos, o número de pessoas que colecionam arte passou de centenas para milhares. A Christie’s, em Nova York, vendeu, em 2007, 793 obras de arte por mais de um milhão de dólares cada. Certamente a arte contemporânea é um bom investimento, e com liquidez.

25) Como vê a arte agora no Brasil e, mais especificamente, na Bahia? Tem vigor? É atual? Responde aos anseios de nosso tempo?

A arte brasileira vive um bom momento. A Europa e os Estados Unidos tinham preconceito com a arte da América Latina. Hoje eles reconhecem que temos artistas sensacionais. A Bahia tem alguns artistas de representatividade, com muito vigor, porém não tenho visto uma renovação com o mesmo vigor.

 (Entrevista / Janeiro de 2011)

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