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Cristina Sá

Abertura
23 de agosto de 2012

Horário
19 às 22h

Exposição
24 de agosto a 22 de setembro

A artista plástica Cristina Sá inaugura, com a curadoria de Denise Mattar, a mostra Pulsações, reunindo cerca de 25 trabalhos em diferentes formatos – 15 telas, 4 tridimensionais, 4 trabalhos em papel sobre papel, 1 instalação em papel.

Para elaborar esta série, Cristina trabalhou com uma variedade de meios como pintura, colagem, desenho, costura e monotipia. Sua produção delicada e minuciosa traz uma clara influência do Oriente, tanto nos desenhos como no material utilizado. Nas telas, por exemplo, Cristina aplica tinta, nanquim, monotipias e variados tipos de papéis orientais, como o washi e o chiyogami, trazidos de suas viagens por países como China, Nepal, Tailândia e Japão.

A inspiração oriental tem explicação em suas próprias origens: o avô materno de Cristina era chinês. “A fusão Oriente-Ocidente é um dos eixos do meu trabalho. Tenho fascínio por forças opostas que convivem”, revela a artista. A artista rasga, coloca na água, seca, amassa, pinta e corta, cuidadosa ou aleatoriamente, os papéis transformando-os em mandalas e vestígios de paisagens, como bambus e folhas. Originalmente repletos de cor, ou pintados manualmente por Cristina, esses recortes são aplicados às telas e absorvidos aos demais materiais, oferecendo à obra um efeito visual homogêneo, quase orgânico, como diz Cristina.

Além das telas, Cristina irá mostrar três móbiles tridimensionais com inúmeras mandalas fixadas delicadamente em fios tensionados, presos numa placa lisa de acrílico transparente, mas flutuantes no ar. Adicionadas e costuradas uma a uma por Cristina, as figuras redondas formam uma cascata saturada de cor, vazada de luz. O componente de meditação zen, observado nas telas de Cristina, se inquieta nas peças tridimensionais, com seu movimento de cor e forma.

A artista completa a mostra com uma grande instalação feita com o milenar papel washi. Leve, porém, resistente, em sua versão original o material lembra um grande tecido branco. Depois das pinceladas de Cristina, porém, o papel absorve a tinta e ganha nova personalidade, desta vez colorida e, muitas vezes, até manchada. Depois de prontos, os washis de Cristina são estendidos como largas ondas e suspensos no ar, formando as grandes instalações. Para a mostra em Salvador, a instalação se compõe de três washis de tamanhos diferentes.

TEXTO PARA CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO
Por DENISE MATTAR

Cristina Sá inicia seu trabalho com largas pinceladas aguadas, como se acariciasse a tela. A tinta escorre em tramas leves sobre o plano, que se mantém luminoso e límpido, mas carregado de pulsações de transparências. Vestígios de bambus e folhas delineadas remetem à natureza, mas são apenas indicações de paisagens, como música ouvida ao longe. As amplas áreas brancas parecem aguardar que algo seja dito – em sussurros – sem romper o mistério. Um componente de meditação zen estabelece o campo de ação e de entrega. A conquista será silenciosa. A seguir, o milenar washi, maleável, translúcido, leve e resistente cola-se à tela como pele, acolhendo a cor, o traço e o rasgo. Há uma vibração de matéria nos rugosos acidentes do papel, no jogo de relações cálidas, mas contidas, que se estabelecem no plano, nas bordas das fibras que se tornam tintas.

Um cromatismo discreto insinua-se nessa construção diáfana, através da sutileza poética dos chiyogami. Esses papéis, com padrões delicados repletos de cor e significados, são algumas vezes cuidadosamente recortados por Cristina em mandalas, ou sensivelmente rasgados, transformando-se em gestos, em pinceladas.As camadas vão se sobrepondo: tinta, nanquim, papel, aguadas, monotipias. É impossível saber onde começa uma coisa e acaba a outra, tudo se dilui e se interpenetra no espaço, em contínua vibração e mutabilidade. O ouro velado brilha. A trama do linho aparece. É uma soma de desejos, ideias e gestos que produzem uma simplicidade conquistada e harmônica. Mas há rompimentos de equilíbrio nesses campos de paz, tensões que a artista estabelece em suas paisagens mentais, visões de um mundo confuso e complexo, marcas do tempo no fluxo da vida.

Essa inquietude se revela mais intensamente nos trabalhos tridimensionais nos quais mandalas, delicadamente fixadas em fios tensionados, flutuam no ar. Uma se sobrepõe à outra, uma deixa entrever a outra, e juntas formam um só corpo, saturado de cor, vazado de luz – um móbile stabile. Paradoxalmente, esses objetos de impermanência acalmam, como a visão do movimento de peixes em águas calmas. Por fim, seduzida pelo washi, Cristina Sá estende a seus pés um longo monocromo branco. Abre contrastes na alvura do papel e aguarda suas respostas. E ele espraia manchas, absorve rastros, engole cores, e no embate silencioso com a artista, se transforma em rio. E suas águas descem em cascata, em largas ondas suspensas, escorregando murmúrios. Maciez translúcida que levita – invadida de cor.

 

Na sua formação temos o estudo de várias técnicas do desenho e da pintura. Pode descrever esta trajetória? E nela, dedique um pouco a falar de como chegou ao ateliê de pintura em seda, o início, creio, profissional.

Eu estudo, ou melhor, pratico desenho e pintura desde a minha adolescência, e tive o privilégio de ter como professor o grande artista Maciej Babinski. Com ele aprendi a fazer xilogravura, desenhos de observação com ponta seca, carvão, aquarelas, e a manusear tintas e pincéis. O local onde praticávamos a “arte da arte” era um galpão grande, com vários tipos de materiais à disposição para serem usados. Acho que isso me instigou desde então a experimentar fórmulas diferentes, combinações novas, e, ao mesmo tempo, me dedicar ao estudo mais técnico, mais apurado do desenho, da linha. Junto com isso, vieram a cor e também seus matizes. O tecido é um material do qual gosto muito, e a pintura em seda foi uma pesquisa que me revelou novos caminhos. Por sua maleabilidade, transparência e leveza, a seda traz uma resposta diferente do papel ao uso das linhas e cores.

Esta formação é fundamental para que sua obra percorra hoje trabalhos em gravuras, pinturas, colagens, ou é a própria criação, o tempo de ateliê, neste momento, que faz esta diversidade?

As duas coisas. O tempo no ateliê, rodeada dos materiais que trago de viagens ao redor do mundo, principalmente do Oriente, me proporcionam momentos de entrega e intensos processos criativos, e esses têm a sua base na minha formação. O conhecimento das técnicas dá liberdade para voar, mas traz também um certo rigor, e é nessa conjunção que está a identidade do meu trabalho. Mas a arte também acontece na vida, nas ruas, em qualquer momento e em qualquer lugar do mundo ao nosso redor.

Ainda vindo da formação, é dela que vem ou surge a sua pesquisa artística? Pesquisa que vemos no uso dos papéis, na busca de uma opacidade versus uma transparência, nos tons de dourado, entre outros.

A boa formação dá a base para buscar caminhos próprios, linguagem própria. Penso que a partir de um certo domínio das técnicas, principalmente do desenho, o artista tem a consistência necessária para ir em busca de sua linguagem pessoal. Existe a necessidade de treino no olhar. Enxergar “bem” nos ajuda a desfrutar melhor a obra de arte, senti-la mais, aprofundar-se mais. Pesquiso os materiais, e, quando sinto uma identificação, vou aos poucos me apossando deles até que se tornem uma extensão de mim mesma. Vem de alguns anos atrás a imagem do bambu, delicada e forte ao mesmo tempo; vêm os papéis orientais, também frágeis e densos; e em quase tudo existem forças opostas, como a opacidade e a transparência. Sinto o mundo de hoje através da fusão Oriente-Ocidente, e isso é sempre presente no meu trabalho.

Vindo da última pergunta: como vê ou sente as cores e tons no seu trabalho?

É bastante variada a minha paleta. As cores usadas em maior ou menor escala dão vibrações diferentes aos trabalhos. Cada trabalho e cada cor têm sua identidade; uso cores bem fortes, vermelhos, verdes, púrpuras, ou então tons terra, enfumaçados, e naturalmente a escolha das cores provoca sensações diferentes para quem se relaciona com a obra. O dourado, por exemplo, que você citou acima, pode ter o brilho de uma pupila, um tom questionador e por vezes inquietante.

A crítica sempre se refere à sua obra como sendo paisagens. Paisagens construídas pela harmonia de dois mundos, o oriental e o ocidental, a gravura chinesa e o barroco. O que pode dizer sobre esta opinião, concorda ou não, e no que ela tem de verdadeira ou falsa enquanto criadora dela?

Não existe verdadeiro ou falso na interpretação da obra de arte. Cada indivíduo sente e expressa isso de uma maneira própria, única e com liberdade. Quando olho meu trabalho, o resultado da obra pronta, e aqui menciono um detalhe, eu não faço rascunhos nem estudos de nada, lanço os materiais na tela, nos papéis, ou qualquer outra base, de forma instintiva. Depois do trabalho pronto, e esse é um momento importante do processo, olhar e dizer: está pronto. Aí eu vejo que poderiam ser chamados de paisagens, não necessariamente ligadas à natureza, podem ser paisagens da alma, da vida, dos sonhos, dos encontros e desencontros. E sim, sempre o Oriente-Ocidente. Isso corre até com certa naturalidade em minhas veias, porque tenho ascendência chinesa. E esse encontro, essa fusão, gera essas paisagens que provocam essas visões de um mundo em convulsão, às vezes lufadas de ar puro, momentos de harmonia que em seguida se rompem, se distanciam como teclados brancos e pretos separados, e que, por vezes, se unem e fazem belos acordes.

Em nossa visualização há uma harmonia em seus trabalhos. Vindo das formas, que nos parecem vegetais, de sua verticalidade, que podemos chamar figuras, a uma gestualidade e um ritmo que se deixam perceber no equilíbrio da composição de planos – fusão Oriente-Ocidente. Dá para nos dizer algo sobre sua poética visual? De como é feita a sua poética pessoal?

Minha poética visual é alimentada principalmente por meu espírito, somada aos exercícios e pesquisas, inquietações das linhas, cores, formas, materiais diversos. Trabalho com meus papéis quase o tempo todo os rasgando, o que dá a sensação de pinceladas soltas, gestuais. Os papéis orientais são bastante fibrosos e se unem entre si ou com o linho da tela formando um corpo só, os planos do trabalho vão se sobrepondo, tinta, nanquim, papel, aguadas, monotipias… Não dá para saber mais onde começa uma coisa e acaba a outra, tudo se funde, se une. Não gosto de exaurir o plano de fundo do trabalho; tudo se torna uma coisa só, a composição como um todo, mas tento sempre deixar um “espaço” para o olhar descansar, penetrar em densas e espessas composições, delicadas e condensadas formas, que, em seguida, se diluem, repousam ou vão à busca de mais um encontro.

Quais as referências ou influências importantes na sua trajetória de artista? E o que sente de algum deles como citação dentro dos trabalhos? São muitas as influências diretas e indiretas.

Ao longo da história das artes, vários artistas me fascinam: Gustav Klimt, Matisse, Egon Schiele, Qing Qing, Mira Schendel, Lygia Clark, Regina Silveira, Cildo Meireles, entre muitos outros. Mas são influências sutis, não faço “citações” em meus trabalhos. Há uma linha tênue que separa meu trabalho dessas influências.

Para quem contempla seu trabalho, o tempo é da sedução. Elas seduzem o nosso olhar. Mas para a artista, existe um tempo de criação. Como é feito este tempo por você? E seguindo no tempo, como sente a sua obra no tempo presente da arte brasileira?

Faço meu trabalho sem pressa. O processo criativo acontece nas horas menos esperadas ou às vezes como consequência de estarem conectados no espaço solitário do meu ateliê, com minhas músicas, meus pensamentos. As técnicas usadas muitas vezes são bastante elaboradas e lentas, porém, em algumas fases do trabalho, o ritmo é acelerado e feito com muita energia, entrega e vibração. Tenho para mim uma frase muito simples, porém extremamente complexa: “Arte é companhia”. Parto do princípio de que, quando estamos em contato com uma obra de arte, nunca estamos sozinhos. Esse papel de companhia que a arte pode assumir para cada um de nós pode se desdobrar em milhões de aspectos, como imagens de um caleidoscópio. Uma boa companhia pode ser a que nos acalma, instiga, perturba, questiona, provoca, estimula ou seduz! Pode nos virar do avesso, empurrar, puxar ou soltar! Acho que a arte deve cumprir esse papel com cada indivíduo que de alguma forma entre em contato com ela. Isso diz um pouco de como gostaria que minha obra se encaixasse no tempo presente.

Um desdobramento da pergunta oito: Como vê a arte brasileira na atualidade?

Em primeiro lugar vejo a arte brasileira totalmente inserida, bem colocada no cenário internacional. Visito sempre que posso galerias e feiras de arte aqui e no exterior, e sinto muito orgulho de vários de nossos artistas. Existem em minha opinião, porém, alguns sérios equívocos com o que é chamado de arte hoje em dia. Mas isso é um assunto à parte, totalmente polêmico, e é uma questão internacional.

Na sua trajetória temos uma exposição na Bahia, em 1998. Agora, há novamente sua vinda. Como sente este contato de seu trabalho hoje com a Bahia?

Posso dizer com toda certeza que não existe para mim lugar mais sedutor, envolvente do que a Bahia. A Bahia tem poesia, literatura, arte, música, ritmo, batuque, aromas, paladares, mistério, história e “estórias”, magia e sedução. Sinto uma grande alegria em poder trazer novamente meu trabalho para um lugar com tanta sensibilidade no ar!

(Entrevista/ ver página de datas)

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