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Amilcar de Castro

Abertura
22 de setembro de 2005

Horário
19 às 22h

Exposição
23 de setembro a 15 de outubro

A exposição de Amilcar de Castro na Paulo Darzé Galeria pode ser considerada um panorama dos vários períodos da sua criação, a visão de seu trabalhar com os diversos materiais, o corte e a dobra na matéria, o fazer rigoroso da forma, o equilíbrio da composição, o despojamento do ritmo e da expressividade que o gestual imprime sobre a superfície, aí tanto fazendo ela ser bi ou tridimensional, grandes ou pequenos formatos, pois o que temos é a linguagem poética pessoal de quem criou uma obra singular, artista integrante do movimento neoconcreto, momento de radical mudança no cenário e na História da Arte Brasileira, se tendo assim a visão de um artista de múltiplas atividades ao ser escultor, gravador, desenhista, pintor, diagramador (destaque para a transformação gráfica efetivada no Jornal do Brasil), cenógrafo, professor de composição, escultura, desenho e teoria da forma na Faculdade de Belas Artes da UFMG.

Amilcar de Castro formou-se em direito, e exerceu a advocacia. Posteriormente inscreve-se na Escola de Arquitetura e Belas Artes, frequentando o curso livre de desenho e pintura de Guignard e escultura figurativa com Franz Weissmann. Em 1952 muda-se para o Rio de Janeiro, onde inicia uma carreira de diagramador trabalhando nas revistas A Cigarra e Manchete, vindo posteriormente a realizar o projeto gráfico do Jornal do Brasil, revolucionando a feitura dos periódicos brasileiros.

Como artista apresenta sua primeira escultura construtiva na II Bienal de São Paulo, e em 1955 recebe o Prêmio de Escultura do Salão de Arte Moderna da Bahia. Logo passa a participar das exposições do grupo concretista de São Paulo e Rio, e em 1959 assina o manifesto neoconcreto. Participa de exposições no Brasil e no exterior e em 1965 ganha uma bolsa da Fundação Guggenheim, e em 1967 o Prêmio Viagem ao Exterior do Salão Nacional de Arte Moderna. Em 1968 muda-se para os Estados Unidos, morando em Nova Iorque e Nova Jersey. Em 1971 retorna ao Brasil e passa a residir em Belo Horizonte. Durante as décadas de 70 e 80 leciona composição, escultura, desenho e teoria da forma na Faculdade de Belas Artes da UFMG.

Em 1977 recebe o prêmio do Panorama da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São Paulo, na categoria desenho. No ano seguinte o de escultura. Tem uma sala especial na Bienal de São Paulo de 1979. Em 1989 o Paço Imperial, no Rio, organiza retrospectiva de sua obra. Em 1992, nova retrospectiva é organizada pelo Museu de Arte de São Paulo. Em 1995 recebe o Prêmio Nacional outorgado pela Funarte e pelo Ministério da Cultura. Dois anos mais tarde é laureado na edição inaugural do Prêmio Johnnie Walker de Artes Plásticas. Em 2001 faz sua última exposição na Pinacoteca de São Paulo, onde apresenta esculturas gigantes e pinturas – bandeiras penduradas no espaço. A nova produção propicia uma escala, o que não havia ainda no seu trabalho após inaugurar um novo ateliê em Nova Lima, Minas Gerais. Nascido em Paraisópolis, Minas Gerais, em 8 de junho de 1920, faleceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 22 de novembro de 2002, vítima de insuficiência cardíaca, após complicações decorrentes de uma angioplastia coronária.

 

A experiência radical
Ferreira Gullar (2000)

Alguns aspectos da escultura moderna talvez ainda não tenham sido devidamente explicitados pela crítica, e um deles é a troca do volume pelo plano, da massa pela superfície. Não tenho o propósito de discutir essa questão, muito menos aqui, quando escrevo apenas uma rápida apreciação da obra de Amilcar de Castro. Não obstante, é precisamente porque retomo a reflexão sobre suas obras que esse problema se coloca.

É que a obra de Amilcar, por sua exemplaridade, situa-se no centro mesmo da discussão da escultura moderna. Explico-me. O movimento de arte neoconcreta de que Amilcar foi um dos protagonistas, radicalizou as questões da arte contemporânea como nenhum outro movimento o fizera até aquela época no Brasil e, por isso mesmo, pôs sobre a mesa as questões essenciais com que ela lidava desde o neoplasticismo, o supremantismo, o construtivismo e, nos anos 50, a Escola de Ulm. Ou seja, que arte fazer depois da ruptura com a natureza? Essa ruptura implicava o abandono da figura e consequentemente de toda a linguagem pictórica e escultórica do passado. No plano da escultura, Amilcar é quem vai mais fundo nessa
indagação. A matéria da escultura tinha sido, até começos do século 20, o volume, a massa. Com Pevsner, Gabo, Max Bill, entre outros a massa se evapora deixando em seu luagr o espaço vazio. Amilcar entende que cabia ao escultor, então, reinventar a escultura a partir do plano, que é o contrário do volume. Na verdade, outros escultores lidaram com essa mesma questão, mas o específico da experiência amilcariana está na radicalidade com que assumiu o desafio: do plano (da superfície plana) nascerá a nova escultura sem nenhum artifício, sem apelo a nenhum recurso estranho à natureza do próprio plano. É um começar de novo, a partir do zero. Acompanhei, no começo dos anos 50, a busca que ele realizava, suas perplexidades e tentativas diante da superfície inerme e muda que era sua única herança. Até que um dia veio-lhe a resposta: cortou uma placa
retangular no meio e moveu uma das partes para baixo e a outra para cima; a placa bidimensional, com esse simples movimento, tornara-se tridimensional – volume!

Começa aí a escultura Amilcar de Castro. Um corte e um gesto. A placa, invencivelmente calada e imóvel, enfim se anima e fala. Uma fala que se refere à sua própria origem e retorna incessantemente a ela, porque, na
verdade, todas as obras que Amilcar produziu, desde aquele remoto momento (1958?/1959?) são variações daquela primeira obra. A placa muda de forma – quadrada, circular, paralelogrâmica – , muda de proporção, muda de espessura, mas como consequência do mesmo recurso expressivo: o corte e a dobra. É verdade que esse procedimento se enriquece ao longo dos anos com novos elementos que, no entanto, não alteram sua natureza, mas antes a acentuam, como o uso da placa de ferro espessa, de grande formato, que, por ser espessa e grande, valoriza tanto o corte quanto a dobra. Como se vê, é a superfície que fala conforme suas qualidades materiais, se menos ou maior, se mais espessa ou mais fina.

Houve, porém, um momento em que Amilcar buscou um novo modo de criar sua escultura. Foi quando produziu a série de obras em que utilizou o corte, mas não a dobra, ou seja, abdicou da criação do volume virtual. Nessa fase, a placa é tão espessa que já nem pode ser chamada de placa, mas de bloco. São blocos de ferro, de pequeno tamanho e forma retangular ou quadrada. O corte vale por si mesmo e não como um meio
para possibilitar a dobra: ele é feito para permitir a penetração do espaço no bloco compacto de ferro ou para permitir a inserção de um bloco no  outro. É uma experiência que lembra a “linha orgânica” de Lygia Clark,
mas que não é uma cópia, e sim uma redescoberta. Amilcar, assim, retomava a problemática da escultura enquanto massa, como a ajustar contas com o passado.

A fase atual é uma continuação da linguagem de cortes e dobras, só que agora explorando novas possibilidades desse procedimento. É que as obras atuais foram feitas com um tipo especial de aço que permite o uso de placas mais delgadas, o que, por sua vez, possibilita diferentes modos de dobrá-las.

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