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Carlos Vergara

Abertura
08 de novembro de 2022

Horário
19h

Exposição
08 de novembro a 10 de dezembro

PINTURAS RECENTES DE CARLOS VERGARA

DIA 8 DE NOVEMBRO NA PAULO DARZÉ GALERIA 

 

Carlos Vergara, um dos maiores nomes da arte brasileira contemporânea, realiza exposição sob o título Pinturas Recentes,  a partir do dia 8 de novembro, às 19 horas, com temporada até o dia 10 de dezembro.

Para o crítico Felipe Scovino, na apresentação da mostra, Vergara “em suas pinturas e fotografias aqui expostas, mostra a representação da natureza e a sobreposição de camadas de distintos materiais, incluindo o pigmento que formalmente se assemelha à terra, fato que não ocorre por acaso, criando uma intersecção de imagens que estão perfeitamente associadas às formas orgânicas e livres das esculturas. Essa atmosfera quase “líquida” do seu trabalho – pela translucidez que ocorre nos vazados ou no nanquim que escorre pelo plano – é reflexo, suponho, da sua relação fértil e crítica com a natureza. Interessa a Vergara, refletindo sobre as suas monotipias e a inclusão de pigmentos na tela, coletar e fabricar histórias por meio da natureza. Não é só representação, mas a natureza em si que se apresenta. A natureza não é só tema, mas meio; é processo de construção de narrativas. O galho, a terra ou a folha que ocasionalmente surgem são indícios e testemunhos da história. Uma história que é escrita por imagens e objetos ao invés da escrita. Que guarda lembranças e sentidos de um território. São camadas de visualidade que se sobrepõem e se misturam continuamente. Especialmente suas pinturas mais recentes revelam uma associação peculiar entre pigmento – a origem da cor ou a ligação mais primária entre pintura e natureza – e terra.

Artista nascido no Rio Grande do Sul, em 1941, morando no Rio de Janeiro, Carlos Vergara integrou quatro edições da Bienal de São Paulo, em: 1963, 67 (Prêmio Itamaraty), 69 (ano em que participa também da Bienal de Medellín) e 89, e representou o Brasil na Bienal de Veneza, em 1980. Iniciando com exposição de joias em cobre e prata, em 1963, na VII Bienal Internacional de São Paulo, participa dois anos depois, além do XIV Salão Nacional de Arte Moderna (RJ), de mostras divisoras na história da arte brasileira: ‘Opinião 65’ no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e ‘Propostas 65’, na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo. Na sua trajetória, Vergara foi aluno e assistente de Iberê Camargo, e está na pintura o seu maior processo artístico, apesar dos projetos conjuntos com a arquitetura, a realização de cenários e figurinos, a criação de esculturas como resultado de experiências com papelão de embalagem, e obras realizadas com materiais industriais, fruto do seu interesse em investigar as relações entre arte e indústria, neste segmento estando desenhos e objetos moldados em poliestireno. Na década de 70, a sua pintura adere à figura, e nos anos 80, abandona a figuração e inicia um processo de criação anexando registros de vestígios naturais ou arquitetônicos, transferindo para as telas, em lona crua, pigmentos colocados sobre a superfície de um local, quando captura imagens, imprimindo-as como monotipias, para em seguida realizar intervenções com o acréscimo de outras cores, reinventando o real, num trabalho que considera livre, “que pode às vezes conter imagens compreensíveis que se reconheçam figuras, mas tem uma estrutura abstrata, onde o resultado almejado é encontrar sua própria razão de ser e de existir. Não precisando ser anedótico ou literário. Procuro uma nova beleza e um novo uso para ela”.

Natureza inventada[1]

Felipe Scovino

 

 

Os recortes no aço corten das esculturas de Carlos Vergara produzem uma conexão quase que instantânea com a imagem de caules. Suas estruturas vazadas criam um convívio harmônico entre obra, espectador e paisagem. São obras abertas, tanto no sentido formal da sua aparição ao mundo quanto na participação que estabelecem com o público, pois a sua revelação se dá na medida em que ocorre o deslocamento do espectador. A escultura, que não possui frontalidade definida, promove contínuas formações ou visões que se tornam aparentes a partir do desejo do espectador de criar múltiplas perspectivas do objeto. Essa leitura me faz pensar que escultura e desenho em Vergara se aproximam também pela qualidade de projeção ou propulsão, no sentido de ampliarem investigações, aumentarem a capacidade de significação e experimentação do objeto. Essa crítica se aproxima do que Hélio Oiticica descreve sobre um sintoma muito próprio a respeito da obra do amigo: “vergara leva esse impulso de decorar às consequências últimas, no momento, aqui; recortar, como cenários para uma ambientação caligariana – recortar paisagens-folhagens – recortar-aparar-juntar – papel-pardo, papelão – criar o módulo”[2]. Chamo a atenção para os verbos de ação (recortar, aparar, juntar e criar) que Oiticica elaborou. A ideia de módulo é muito bem-vinda para compreendermos, num primeiro momento, a construção de suas obras e a forma como essa escolha se apresenta frequentemente em sua trajetória. A ideia modular está nas esculturas que são originadas pelo desenho, como uma projeção para o tridimensional. Eis a experiência do recortar-aparar-juntar, pois depois se tornam recortes em aço, como unidades separadas. Finalmente, essas peças são reunidas, aproximadas e encaixadas.

 

A existência de módulos, nessa perspectiva tão original de Oiticica, também pode ser pensada na maneira em como as pinturas de Vergara são construídas. Camadas que se sobrepõem de forma a chegar a um estado de “paisagem-folhagem”[3], para citar outro conceito de Hélio. Nas pinturas da série Bodoquena (2018), uma referência a serra que dá título à série, um dos ecossistemas de maior riqueza do país, situado no Pantanal (MS), somos conduzidos para esse momento absolutamente original de encontro e conversão a uma multiplicação de afetos e potências visuais. As pinturas, seccionadas por imagens de troncos, galhos e caules em tons amarelados, parecem revelar uma mata fechada. Contudo, antes de qualquer descrição que possa ser feita sobre esse emaranhado pulsante e orgânico, a pintura possui uma potência em direção a fenômenos da natureza que é bem particular. É uma pintura que enquanto operação fenomenológica, possui cheiro, cor, pele e som do Pantanal. Daí o fato de Vergara lançar mão simultaneamente de vários meios e técnicas combinando pintura, fotografia, monotipia, pigmentos naturais entrelaçando formas distintas de experienciar o visível.

 

Em suas pinturas e fotografias aqui expostas, a representação da natureza e a sobreposição de camadas de distintos materiais, incluindo o pigmento que formalmente se assemelha à terra, fato que não ocorre por acaso, criam uma intersecção de imagens que estão perfeitamente associadas às formas orgânicas e livres das esculturas. Essa atmosfera quase “líquida” do seu trabalho – pela translucidez que ocorre nos vazados ou no nanquim que escorre pelo plano – é reflexo, suponho, da sua relação fértil e crítica com a natureza. Interessa a Vergara, refletindo sobre as suas monotipias e a inclusão de pigmentos na tela, coletar e fabricar histórias por meio da natureza. Não é só representação mas a natureza em si que se apresenta. A natureza não é só tema mas meio; é processo de construção de narrativas. O galho, a terra ou a folha que ocasionalmente surgem são indícios e testemunhos da história. Uma história que é escrita por imagens e objetos ao invés da escrita. Que guarda lembranças e sentidos de um território. São camadas de visualidade que se sobrepõem e se misturam continuamente. Especialmente suas pinturas mais recentes revelam uma associação peculiar entre pigmento – a origem da cor ou a ligação mais primária entre pintura e natureza – e terra. A densidade própria do pigmento ou do pó de mármore trazem uma memória da natureza. Não se trata de ilustração de algo mas uma “liberdade de improviso, movida pelo desejo de explorar acontecimentos poéticos inesperados” [4]. É peculiar esse balanço que Vergara constrói entre o que chamaria de uma magia do imprevisto e a objetividade de um pensamento de pintor. Eis a força dessas obras: sua capacidade de se mover por entre esses limites e permanentemente questionar as adversidades do mundo.

[1] Esse texto é uma edição do ensaio publicado no folder da exposição “Natureza Inventada”, realizada na Galeria Referência e no CCBB-Brasília entre abril e junho de 2019.

[2] OITICICA, Hélio [sem título]. In: VERGARA, Carlos. Carlos Vergara. Rio de Janeiro: Funarte, 1978, p. 16.

[3] Idem, ibidem.

[4] OSORIO, Luiz Camillo. Hüzün. In: VERGARA, Carlos. Hüzün. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria/Automática, 2008, s/p.

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