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João Farkas

Abertura
14 de fevereiro de 2019

Horário
17h

Exposição
15 de fevereiro a 14 de março

Há mais de um século, durante os dias da folia, os moradores de Maragojipe se transformam nos “caretas”, figuras festeiras multicoloridas e sem identidade. Esses personagens seduziram imediatamente o fotógrafo João Farkas na construção de um ensaio fotográfico que demandou um registro, durante cinco anos, desde 2014, realizado através de retratos dos habitantes desta cidade do Recôncavo baiano, distante 140 km da capital da Bahia, Salvador, ao viverem esta tradição centenária de no Carnaval se vestir usando máscaras e fantasias. Máscaras que mantêm foliões anônimos, anonimato que se torna uma das coisas mais divertidas de um Carnaval ao poder se cruzar incógnita a cidade em festa, como é a sua tradição. A exposição e lançamento do livro Caretas de Maragojipe será apresentada a partir do dia 14 de fevereiro, a partir das 17 horas, na Paulo Darzé Galeria, com temporada até o dia 14 de março.

 

João Farkas nasceu em São Paulo, capital, em 1955. Começou seus estudos graduando-se em filosofia pela Universidade de São Paulo e, posteriormente, mudou-se para Nova York, onde estudou no International Center of Photography (ICP) e na School of Visual Arts (SVA). Seus trabalhos, já foi fotógrafo correspondente da Veja e da IstoÉ, onde foi também editor de fotografia, fazem parte de importantes acervos e museus brasileiros, além de estarem no acervo do ICP, no Maison Européenne de la Photographie, um dos mais respeitados acervos de fotografia do mundo, onde suas obras estão acompanhadas de outras 20 mil imagens representativas de nomes como Henri Cartier-Bresson, Robert Frank, Johan van der Keuken, Larry Clark, Sebastião Salgado e Rogério Reis.

 

Retratos

Em Caretas de Maragojipe, Farkas traz um registro da criatividade e resistência referente à cultura popular. Após diversas viagens feitas à cidade – “No primeiro ano tudo merecia ser descoberto e fotografado. As ruas, as fantasias, a dança, a bagunça, os grupos, o coreto decorado e a praça iluminada. Mas quando tudo nos atrai nada se fixa. Por contraditório, onde tudo é enfocado, falta-nos o foco”.

Posteriormente, colocando os foliões diante de uma parede, entre as duas principais praças da cidade, que a prefeitura pinta todos os anos de azul, daí o nome dado pelo autor de “série azul” a este ensaio, para assim fotografar os “caretas” que topassem exibir suas fantasias. E assim foi feito durante cinco carnavais, imprimindo a este trabalho um registro puro e, ao mesmo tempo, muito poderoso da história do povo brasileiro.

“No terceiro ano, hipnotizado por aquele espetáculo, no meio daquela invasão de emoção colorida, entendi que eram retratos. Eram os retratos daquelas fantasias que me interessavam. Eram essas máscaras falsas/verdadeiras/inventadas que queriam se mostrar. Eram os rostos de pano anônimos que substituíam rostos de carne, mas ainda assim expressivos e cheios de personalidade criativa, fantasiosa e real. Era esse grito de criatividade resistente que queriam me contar. Era o trabalho anônimo das costureiras, das esposas e das mães que dão corpo à alma imaginosa de um povo que parece viver mais disso do que de qualquer outra coisa”.

João Farkas, neste ensaio fotográfico, preferiu seguir a linha de uma tradição ligada à arte que as ruas do Brasil inventam e reinventam sua liberdade, em atividades culturais seculares. “Acredito que nenhum povo do mundo tem a intimidade e a liberdade cromática que o brasileiro tem. Não sei se vem da luz, das cores do céu, das árvores, das frutas ou da mistura de peles. Talvez do fato de termos esta inocência cultural esta aceitação pelo que é simplesmente belo e nos rodeia, e pelo que é outro, diferente e instigante. Acho que ninguém é tão íntimo e familiar na apropriação da palheta infinita que se nos oferece. Sou fascinado pela cor. A cor brasileira, brasileiramente. Eles criam as fantasias com uma inventividade absurda, uma enorme liberdade cromática. É um costume antigo que resistiu ali. Desde que conheci, vou pra lá todo carnaval. Foi assim que o povo de Maragojipe me ensinou a olhar suas máscaras”.

O livro e a exposição

A exposição na Paulo Darzé Galeria apresenta 26 imagens em 50x75cm; 4 trabalhos de110x160cm; três trípticos; e um painel com 72 imagens, de 220x165cm. Já o livro Caretas de Maragojipe (Instituto Olga Kos/2018) reúne 80 fotos, com concepção e design de Kiko Farkas. O livro e a exposição já tiveram lançamentos anteriores em Londres, durante a exposição Brazil – Land e Soul, na Embaixada Brasileira, e em seguida no evento Paris Photo, no Grand Palais, no mês de novembro de 2018. O livro Caretas de Maragojipe, além das suas 80 imagens, traz um texto do autor sobre a construção de seu ensaio, outro do mestre em Cultura e Sociedade Mateus Torres, e do curador e crítico de arte Agnaldo Faria sobre a questão da arte e criatividade fora dos círculos ‘cultos’.

“João Farkas quer conhecer esse imenso território humano e geográfico, e tem feito disto o nervo de sua produção poética. Seu desafio, contudo, tem uma complexidade singular, posto que no problema dos “caretas” é que não há alguém por detrás, uma pessoa de dotes extraordinários. Seus trajes são obra de muita gente. ‘Caretas’ não têm marca de autoria, de um indivíduo responsável. Tivessem, poderiam receber o beneplácito do cânone da ‘grande arte’, a arte oficial que frequenta os museus e galerias de arte, eficaz em situar casos como este sob a rubrica ‘arte popular’, concepção elástica apresentada com outras nomenclaturas pejorativas como ‘arte ingênua’, ‘arte naif’, e, ainda, a pior de todas, mas que ao menos tem a virtude de jogar às claras: ‘arte primitiva’. João, fascinado por esse outro mundo que se abre em Maragojipe na época do carnaval, depois de vivenciar alguns deles, entendeu que o melhor, o mais adequado à situação era fazer retratos. Ah, os retratos. O fundo azul, dotado da mesma força das cores das coisas submetidas a um sol forte, o baque do sol que as faz retinir enfatiza, por contraste, as cores dos retratos que trazem recortados cabeças e troncos ou, em alguns caos, o corpo inteiro”.

 

Museu do Carnaval Gringo Cardia, curator of Casa do Carnaval da BahiaA partir doA partir do

O ensaio fotográfico Caretas de Maragojipe serviu como base visual para a concepção do Museu do Carnaval, primeiro museu do país dedicado à memória da festa, inaugurado em Salvador, pela Prefeitura Municipal, em 2018, com projeto e curadoria de Gringo Cardia. “Quando vi Farkas abordando essa arte das Máscaras com um olhar contemporâneo, pensei: é disso que precisamos para mostrar que essas manifestações não são coisa do passado.It is a current and pulsating act. É um ato atual e pulsante.It is culture, and must be preserved in a lively and dignified way. É cultura e deve ser preservada de uma maneira viva e digna.The Masks were the inspiration for this museum, they are the soul of this museum, because the art that comes from Maragojipe is an art that cannot be lost in any way.As Máscaras foram a inspiração para este museu. Elas são a alma deste museu, porque a arte que vem de Maragojipe é uma arte que não pode ser perdida de forma alguma”.

“Em 2017 enviei o cartaz e convite para o Gringo Cardia.  Ele colocou aquilo no seu mural e ficou com aquilo na cabeça. Seis meses depois ele recebeu a incumbência de estruturar o Museu do Carnaval em Salvador e, segundo me conta, a aproximação que tive com o assunto ajudou-o a definir o jeitão do Museu: pelo reconhecimento do valor de uma cultura e criatividade verdadeiramente popular. Ele me pediu para utilizar as imagens e disse que eu teria uma surpresa quando visse. Não só criou dois painéis enormes com os caretas, como ainda mandou executar aquelas três caretas monumentais que são cópias de três das fotos e que viraram outro local de selfie de Salvador. Uma curiosidade: ao escolher as fotos para as esculturas, o Gringo ainda não tinha visto o livro porque ainda não existia.  Quando olhei as esculturas pela primeira vez levei um baita susto: ele tinha escolhido como principal exatamente a mesma foto que meu irmão escolheu para a capa do livro!  Estas coincidências interessantíssimas”.

“Posso me permitir dizer do prazer enorme que é ter a sua contribuição em alguma coisa importante e bem feita, que com certeza sobreviverá a mim mesmo e será vista e útil para tantos visitantes que ali virão conhecer a arte do povo de Maragojipe. Poderia dizer do prazer de ver minha obra assim perenizada, mas na verdade o prazer maior é ver o meu esforço em registrar e promover a arte anônima de Maragojipe ser bem sucedido, e encampado em projetos maiores do que eu mesmo seria capaz de realizar. É como ver um filho crescer, se desenvolver sozinho e criar seu próprio espaço no mundo. Saber que alguma coisa que ajudou a criar levou em seu destino um pouco de meu DNA, um pouco de minhas intenções e energias sutis”.

Quando da exposição “Trancoso”, na Paulo Darzé Galeria, João Farkas concedeu para Claudius Portugal, no Via e-mail, a seguinte entrevista.

A vila de Trancoso, o povo, a paisagem e a vida e arredores entre 1977 e 1993, compõem a exposição com 27 fotografias (sendo 4 impressas em alumínio de alta permanência, e as restantes em jato de tinta sobre papel de algodão, com qualidade museográfica,  nas dimensões de 60 x 90 cm).

A relação de João Farkas com Trancoso vem de longas datas, inteiramente verificado ao nos defrontarmos em suas imagens com a construção de casinhas de barro, a subsistência pela pesca, o lazer por meio da natureza, e um cenário da vida de um local pacato, através de seu povo, da sua paisagem e do seu cotidiano em imagens da vila de Trancoso e arredores entre 1977 e 1993.  Para o fotógrafo, a mostra, onde vemos um local pacato, tem o desejo que o hoje tenha orgulho deste ontem e reconheça a cultura local, além de alertar os turistas para a beleza e a magia, e que não se esqueçam de olhar o céu.

Quando da abertura será lançado nacionalmente o livro “Trancoso”, pela Editora Cobogó, com 128 páginas, projeto gráfico de Kiko Farkas, textos de Walter Firmo e Antônio Risério, e que contou com o apoio editorial da Paulo Darzé Galeria .

 

A poética. A construção de seu projeto poético. Como é o processo de sua criação?

Tendo a origem de minha trajetória mais ligada ao documental ou fotojornalismo não sei se podemos falar tão claramente em processo de criação. Nos casos da fotografia documental me parece que o peso maior está de um lado na escolha dos assuntos ou sujeitos e de outro lado na construção de um estilo, ou um “modo de ver” as coisas ou o tal “olhar do fotógrafo”. Ao contrário da fotografia mais intervencionista, onde se trabalha “construindo” imagens, no meu caso trata-se mais de “encontrar” as imagens.

A maneira como gosto de trabalhar é através de ensaios profundos que mergulham em um determinado assunto, na tradição do ensaio fotográfico, em que o conjunto das imagens tem que ser muito maior do que a soma das imagens individuais. Esta maneira de trabalhar é o inverso do encontro ocasional de imagens espetaculares. O que se procura, se cultiva, se invoca, são imagens que possam a um tempo dar conta daquilo que se vê e se vive e possa também ajudar na construção de uma percepção abrangente e profunda daquele mundo/assunto que se quer retratar.

 

Elaborar uma linha de pensamento para uma identidade visual é essencial para um fotógrafo?

Provavelmente há fotógrafos mais mentais, onde o pensamento ou a estratégia consciente seja mais presente. No meu caso o grande condutor é a sensibilidade e não a racionalidade. A maioria de minhas decisões estéticas tem a ver com uma aproximação plástica, sensível, lúdica até com o mundo, e também com uma troca essencialmente espiritual (no sentido de incluir porções não explícitas) com as pessoas, as situações, a natureza e o mundo em que circulo e fotografo.

Mas é obvio que ao longo dos anos vai se instalando uma maneira de olhar e capturar imagens. Através de sucessivas escolhas, seja de equipamento, materiais, enquadramentos, similaridades ou oposições com outros “olhares” de outros fotógrafos que nos influenciam. Mas no caso da fotografia, provavelmente mais do que em qualquer outra arte o estilo e a poética, como você chama, vai se instalando através de um processo quase infinito de descartes. De tentativas e erros. Dos milhares de fotos que fiz em Trancoso (cerca de 15000, calculo) apenas 40 ou 50 ganharam o “status” de obra acabada e exposta. Aqui também, novamente estamos falando em um processo mais de encontrar as imagens realmente significativas e poderosas do que propriamente do que produzi-las ou pensá-las.

 

A criatividade e a subjetividade impõem esta marca? Mais: Poucos elementos permitem muitas possibilidades de significação numa foto?

Acho que sim. É a subjetividade (a soma dos elementos pessoais, seja psicológicos, seja culturais) que vai nos empurrando numa certa direção. A criatividade para mim nada mais é do que ser livre nos seus gestos artísticos. De agir dirigido por um “porque não?” ou de uma experimentação incessante e inquieta. Testando sempre os limites do que se fez e do que se poderia fazer. Indo um pouco além daquilo que já está consagrado ou visto, ou feito ou fotografado. Um dos meus mestres, George Love, me dizia: “Quando você achar que encontrou o enquadramento perfeito, dê mais um passo, abaixe-se ou erga a câmera”. Ou seja, a sugestão brilhante dele é testar sempre os limites da zona de conforto, porque muitas vezes você está simplesmente reencontrando imagens que já viu ou já fez, ao invés de testar novos limites, novas formas.

 

O domínio da técnica fotográfica mais o conhecimento do objeto fotografado e à abordagem estética estabelecida pelo fotógrafo é que definem a qualidade e a relevância do trabalho?

 

Não sei se estou aparelhado para discorrer sobre a relevância de um trabalho. No caso da fotografia, por seu caráter documental, muitas vezes é o tempo que lhe dá significado. Outro aspecto é que a fotografia, talvez seja a linguagem expressiva mais acessível e universal. Qualquer indivíduo com um celular pode produzir imagens “tecnicamente” perfeitas. Isto torna a questão da relevância bastante complexa, porque a qualidade técnica não qualifica uma imagem, embora não se possa descartá-la.

Para mim o que determina a relevância de um trabalho ou imagem é a sua capacidade de comunicação; ou seja, sua capacidade de despertar paixões (no sentido grego). Quer dizer, emoções, envolvimentos e mobilizações no outro. Levo muito em consideração o que os outros veem em minhas imagens. Às vezes agrego imagens a uma série (que não me eram particularmente relevantes) pelas reações que ela desperta. Às vezes também são os outros que me ajudam a ver que uma imagem que tem extrema relevância para mim não desperta o mesmo nível de interesse ou emoção e, portanto, é deixada de lado.

Isto é um jogo delicado especialmente no meu caso que não me incomodo de andar muito próximo de “clichês” ou imagens aparentemente simples e consagradas. Eu gosto de passar perto do que já é aceito porque eu gosto de ser entendido, de ser “democrático” de falar com qualquer público. Até hoje eu parti de uma fotografia aparentemente fácil e decifrável porque não quero ser hermético, quero ser “pop”. E por isso sou obrigado a andar neste fio da navalha porque preciso encontrar imagens extremamente relevantes e mobilizadoras dentro de uma aparente simplicidade.

 

A opção ou o trabalho conjunto em p/b e cor o que em si trazem como diferença?

Meu trabalho é essencialmente colorido. Provavelmente por dois motivos: primeiro porque como disse sou mais sensível e mais plástico e menos mental, e a fotografia P/B  cria exatamente este afastamento, este distanciamento, que a meu ver torna o percurso mais abstrato ou mais complexo (ou racional) entre o que se vê e a sua digestão pelo leitor (todos sabemos que o mundo não é P/B e portanto somos obrigados a entender que estamos diante de uma representação da coisa, o que já significa um percurso mental). O outro motivo da minha escolha pela cor é a minha paixão pela natureza, pela luz, pela cor, e pela visualidade brasileira que é tão rica e específica. Nós temos um universo de cor absolutamente fascinante, seja pelas condições naturais do país, seja pela resposta que damos a isto através de nossas roupas, da pintura de nossa casa, nossa comida, etc.

 

Um fotógrafo possui normalmente cenas externas ou internas Isto leva a uma diferença essencial no trabalho?  Há muita diferença entre o estúdio e a rua?

Neste caso a diferença é radical. Diria total. Talvez como comparar Jorge Amado e James Joyce! Isto não vem pela condição interna x externa, pois é possível fazer-se fotos naturais em interiores, mas sim pela atitude do estúdio, quando o fotógrafo cria uma realidade paralela ou própria e domina quase que inteiramente o ambiente, a luz, o fundo, etc.

O fotógrafo capta o momento, ou revela este? Com a foto se tem uma experiência subjetiva ou um momento de reflexão? A fotografia revela a realidade, é um documento, um registro, ou capta o instante?

Acho que falamos bastante sobre isto nas respostas anteriores. Há fotógrafos que são intervencionistas; outros são mais caçadores de imagens. Mas é importante lembrar que mesmo um caçador precisa saber o que procura, precisa saber os hábitos e percursos da caça. Portanto mesmo a caça não é propriamente aleatória

 

Como é escolhido o tema que você passa a desenvolver? Há um projeto? Uma conceituação? Como constrói a sua temática? Há um tema principal na sua fotografia, ou apenas esta é feita para realização de séries?

Também aqui não há uma decisão muito estratégica ou racional. Por exemplo, agora estou trabalhando em três outros projetos. Um deles parece que vai dar muitos frutos, já encontrou uma abordagem que parece muito boa e vai andando rápido. Outro que estou desenvolvendo no Mato Grosso está empacado. Não sei se vai frutificar. O da Amazônia (Amazônia Ocupada, Edições SESC, São Paulo, com curadoria de Paulo Herkenhoff) nasceu de um simples convite de alguns garimpeiros para visitar garimpos da Amazônia em 1986 e daí surgiu um projeto que me ocupou por cerca de oito anos e nove expedições e que veio a público somente em 2015. De qualquer forma meus temas estão sempre ligados ao homem, sua cultura e sua relação com seu ambiente. Esta tem sido a linha mestra do trabalho como você pode ver também no trabalho de Trancoso.

 

A arte fotográfica é para você um trabalho, uma forma de expressão, as duas ou mais outras coisas objetivas e subjetivas?

A fotografia para mim funcionou como profissão (fui fotógrafo e editor na Revista Isto É, por exemplo), mas mesmo quando estávamos fotografando para a imprensa buscávamos sempre uma linguagem pessoal, ou o Ensaio Pessoal, portanto dentro de uma perspectiva de expressão. Naquela época praticamente não havia o mercado de arte para a fotografia. Agora, sim. Depois de tantos anos é que há uma procura maior pela compra de imagens o que abre todo um novo horizonte.

 

Qual o momento que você considera o seu início como fotógrafo, ou artista, profissional?

Recomecei a fotografar seriamente, depois das aventuras de infância e adolescência quando me deparei com os novos filmes coloridos da Kodak. Era o Ektacrhome E-6 que finalmente apresentava uma reprodução de cores espetacular. Com saturação e fidelidade. Naquele instante posso dizer que minha paixão pela imagem expressiva se instalou de forma aguda. Isto foi por volta de 78, 79. Foi nesta época justamente que comecei a fotografar o ensaio que dá origem a esta exposição de Trancoso. Um trabalho que se estendeu até 1990/92 aproximadamente.

 

Que influências você considera fundamental para vir a ser o fotógrafo que você é? Acrescentando: Seu pai, Thomaz Farkas, é um pioneiro na fotografia de arte no Brasil. Muita influência dele na escolha da profissão e em seu direcionamento poético?

 

É claro que ter um pai que fotografava o tempo todo, e que também trabalhava com o comércio de fotografia foi um grande facilitador. Mas o Thomaz influenciava também de outra forma. Ele era um ser cultural. Ele estava muito atento a tudo que acontecia em artes plásticas, fotografia, design, arquitetura, música. E nossa casa era repleta de revistas, livros e amigos que traziam muita informação.

A outra sorte que tive foi que meu irmão mais velho o Pedro Farkas (um grande fotógrafo de cinema como você sabe), que já fotografava e tinha um laboratório em casa que eu podia fuçar a vontade. Isto era sensacional. Eu tinha a escola em casa.

Mas o Thomaz nunca dirigiu as escolhas dos filhos. Tanto que eu fui estudar Filosofia e flertei com a carreira intelectual-acadêmica antes de me decidir pela fotografia como profissão. Talvez seja importante falar que obviamente existem aspectos da fotografia e do cinema do Thomaz dos quais sou caudatário. Sua paixão pelo humano e pelo Brasil, obviamente foram transmitidas não apenas a mim mas a todos os filhos.

 

O que o faz escolher a fotografia como a sua forma de expressão na arte? Qual o momento que você considera o seu início como fotógrafo profissional?

Eu me tornei fotógrafo profissional ao ir para nova York já pensando em voltar e trabalhar na imprensa. Lá eu fui correspondente e fiz trabalhos para Veja e Isto É. E na volta de NY em 1982 fui contratado pela Isto é como Editor Assistente de fotografia. Quanto a escolha pela fotografia, ela não é absoluta. Eu tenho uma relação forte com a escrita e perpetro meus textos esporádicos, seja como ensaio, seja como poesia.

 

A fotografia agora. Nos últimos anos, as mudanças ocorridas depois no formato analógico-digital e nos meios de comunicação contribuíram para o enriquecimento ou empobrecimento de conteúdo da fotografia? O que acarretou ou acarreta isto para a fotografia?

 

A fotografia digital facilitou muito nossa tarefa. As possibilidades são muito maiores. Para citar um exemplo hoje se pode fazer fotografia em condições de luz muito baixas. A câmera hoje é mais sensível do que o olho. Isto abriu muitas possibilidades. Também, a qualidade das cópias e sua durabilidade ficaram extremamente favorecidas. Com relação à popularização existe uma diluição óbvia e uma massificação enorme. Mas eu vejo isto como positivo. O fato de todos nós escrevermos não acabou com a poesia e como diz Antonio Risério são necessários mil peladas para um Pelé.

 

A fotografia agora. Seu conhecimento e ação permitem fazer a uma avalição do momento. O que acha da fotografia agora? Como vê a cena nacional e internacional hoje para a fotografia de arte?

É curioso em dois aspectos. Primeiro porque a fotografia se inseriu no chamado “mercado” das artes e passa a ser estimulada ou até mesmo de certa forma dirigida por ele. E por outro lado, fenômeno interessantíssimo, a fotografia passou a ser a base do trabalho de muitos artistas plásticos. Existe assim uma interpenetração destes dois mundos. Menos para nós que poderíamos ser considerados os puristas dentro da tradição do fotojornalismo, como Pedro Martinelli, Edu Simões, Cristiano Mascaro, Sebastião Salgado, que estamos muito mais interessados em registrar o que vemos do que em criar mundos imaginários, sem fazer aqui julgamento hierárquico ou de valor.

 

A fotografia revela a realidade, é um documento, um registro, ou capta o instante? Um instrumento de conhecimento?

Como disse acima, para muitos ela é apenas uma técnica de produção de imagens. Para mim ela é simultaneamente um registro objetivo e subjetivo e uma proposta de reflexão através da mobilização do sensível e do poético.

 

A exposição. Você possui uma ligação estreita com a Bahia. Das melhores fotos que temos sobre a cidade do Salvador são de seu pai. E Trancoso em sua vida? Antes já tivemos o livro Nativos e Biribandos, ilustrado por mais de 200 fotografias, na maioria suas. Agora sendo reeditado. Inclusive foi fruto de uma doação oficial no uso irrestrito de algumas de suas obras para uso cultural do distrito baiano. Dá para traçar esta trajetória? O menino e o adulto que vinha de férias, o olho diante desta cidade?

Tem aí uma história boa também, um parentesco indireto com Jorge Amado porque meu tio Joelson, muito próximo a nós (casado com a irmã de minha mãe Fanny) era irmão de Jorge e James. E a Bahia sempre foi uma coisa muito presente em nossa família. Meu pai tinha um fascínio brutal pela Bahia. Perguntado certa vez quem ele gostaria de ser se não fosse o Thomaz, respondeu: Batatinha. Vim muitas vezes a Salvador com ele. Me hospedei algumas vezes na casa do Rio Vermelho e tinha sempre a riqueza cultural baiana muito presente.

Com Trancoso a coisa aconteceu na época da contracultura, após a ressaca da militância política. Foi uma descoberta do paraíso. E minha ligação foi imediata. Pensei em morar lá, comprei terreno, fiz casa e inúmeros amigos. Mas percebi que se morasse lá não faria o registro daquilo tudo que me parecia tão frágil e tão precioso. Aquele equilíbrio de séculos entre o homem e seu ambiente que nós mesmos os forasteiros acabaríamos alterando. Os fotógrafos que estavam por lá tinham as lentes mofadas e os filmes derretidos pelo calor. Era impossível trabalhar morando lá.

Então eu virei um cigano que vinha sempre que possível e fotografava sistematicamente tudo: o trabalho, as festas, as casas, as pessoas. Fui aceito como uma pessoa local. Fotografava livremente. Então quando começaram a sugerir que eu fizesse exposição deste material e livro eu pensei que os primeiros que deveriam ver este material e poder usufruir dele seria a própria comunidade. Daí nasceu o projeto de um Memorial do Povo, da Cultura e da Paisagem de Trancoso. Um pequeno museu que inauguramos agora em Março de 2016. Foram trinta obras doadas que estão expostas provisoriamente no espaço da comunidade no centro de Trancoso. Esta foi minha doação a eles. Doei também o uso de minhas imagens da vila para usos culturais.  Uma das sensações mais gratificantes de minha vida foi ver o pessoal de Trancoso curtindo a exposição, reconhecendo amigos e parentes, discutindo as fotografias e a forma de vida de então. Maravilhoso.

Trazer isto a Salvador é outra missão que o Paulo Darzé me ajuda a cumprir. A gente tem a sensação que a Bahia tem tantas coisas maravilhosas: a Chapada, Itacaré, a costa do coco, do dendê, o Recôncavo, a baia de Camamu. É tanta coisa, tanta riqueza, que a região de Trancoso é mais usufruída pelos “sudestinos”, como diz Risério, ou pelos franceses, italianos, holandeses e americanos do que pelos próprios baianos. É preciso incluir Trancoso na geografia dos soteropolitanos.

 

Lembro que antes de Trancoso teve a Amazônia. Ao ter a natureza, sua paisagem, o homem como tema, como é realizada a sua captação de imagens? E o que esta busca reproduzir quando captada? E a incorporação de outros elementos conjuntamente? Que leitura você faz destas suas fotos?

Vamos lá. Já falei um pouco deste meu fascínio pela relação homem-natureza. No caso da Amazônia o que fiz foi um registro da ocupação. Da saga dos imigrantes, da destruição, do choque humano e geográfico e da criação de um novo universo na Amazônia. Eu escrevi em um depoimento no livro que eu tinha o tempo todo compulsão de fotografar, de registrar, mesmo que fosse para a história, aquilo que estava vivendo. Uma sensação avassaladora de estar sendo testemunha privilegiada de um determinado momento da história daquela região. Não era uma decisão muito consciente do tipo: preciso registrar tal coisa ou preciso ter fotos de desmatamento.

Era simplesmente entender da melhor maneira possível àquela realidade e ser seu intérprete sem julgamentos morais. Sem discutir o que estava certo ou errado. Sem condenar um menino de 12 anos que ateia fogo à mata derrubada por seu pai para plantar mandioca. Simplesmente olhar em seus olhos, ouvir sua história, e tentar da melhor maneira possível transformar aquele ocorrido e momento em uma imagem o mais interessante possível. Aliás, eu entendo que a arte do retrato, que não é simplesmente a foto de alguém, mas sim uma proposta de coautoria, deve ser um ato muito aberto por parte do fotógrafo. É preciso permitir ao outro que ele se revele como deseja. É um jogo em que se os dois não querem não existe. É preciso que o fotografado esteja aberto, disponível, se colocando na imagem, permitindo que olhemos no fundo de sua alma/personalidade. É fundamental o respeito e a compaixão, em suma trata-se de empatia (de novo no sentido grego). Os fotografados são sujeitos e não objetos em minha imagem. Isto se vê claramente também no trabalho de Trancoso.

No caso de Trancoso o que se passava era de certa forma o inverso do que ocorria na Amazônia. Não me interessava à mudança, mas o que era original, intocado. Era o registro quase arqueológico de uma forma de vida passada, em extinção. Que ali estava como esteve ao longo de três séculos. As relações entre as pessoas. Uma sociedade de troca, quase comunitária, semi-indígena. Onde não havia trabalho remunerado. E principalmente a relação deles com a fotografia e o fotógrafo: o olhar aberto e sincero com que me olhavam, sem malícia de parte a parte, sem reservas. A disponibilidade diante da câmera. Tudo isto era único! Incrível. Eles nunca haviam sido fotografados. Não faziam parte da sociedade da imagem. Não tinham TV, nem luz elétrica quando cheguei lá. E tudo isto dentro de um universo de beleza e poesia praticamente inigualável. Aquela é uma das regiões mais belas do mundo! E aquele povo, dentro de todas as carências do que é moderno e conforto, vivia num nível de satisfação muito superior à nossa sociedade “vencedora”. Tudo isto nos fazia pensar, e espero faça pensar também aqueles que olham estas imagens hoje.

É claro que as imagens podem ser consumidas simplesmente no nível do mero prazer estético. Da curiosidade história etc. Mas quem sabe ao menos alguns se perguntarão ser estamos no melhor caminho como sociedade e se não é possível adotar outras relações humanas e com a natureza. E sem dúvida, aquela paisagem belíssima e aquela gente simpática e sincera eram um exemplo privilegiado para discorrer sobre este assunto. Sem proselitismo e sem demagogia, sem manipulação, simplesmente reconhecendo a beleza, a poesia e alguns valores humanos tão escassos entre nós, que pudessem comover ao mesmo tempo em que nos dão prazer e nos fazem raciocinar um pouquinho.

 

E as técnicas utilizadas?

Você vai observar nas imagens o uso exaustivo das lentes grande-angulares. Mesmo nos retratos, onde os manuais recomendam o uso de semi-tele objetivas, eu trabalhei com grande angular e muitas vezes com grande-angular extrema (24mm) isto porque quando se usa a grande angular o fotógrafo está muito próximo ao modelo, praticamente respeitando o mesmo ar, e, além disso, com as grande-angulares você consegue incluir no retrato uma boa porção do fundo, além da figura. Isto está presente tanto no Amazônia quanto no Trancoso.

Apesar das possibilidades hoje disponíveis eu praticamente não interfiro nas imagens captadas. Não exagero saturação, não aumento contraste, não manipulo, porque no jogo que proponho é importante que o espectador se sinta diante de uma imagem crível e não diante de uma imagem criada. Neste sentido, nestes dois trabalhos, estou definitivamente nas fileiras dos documentaristas.

Trancoso é um registro da região? Sabemos que foram feitas mais de 15.000 imagens, em sua maioria coloridas, em diapositivo (slides 35 mm), fotografando roças, festas, pescaria, paisagens e principalmente as pessoas. São fotos para preservar a memória de um lugar?

Acho que está respondido anteriormente. Mas vale acrescentar o meu prazer quando ao mostrar estas fotos aos moradores de lá perceber o valor que isto tem pra eles. Reconhecer parentes e amigos que já se foram, redescobrir hábitos, entender contrastes da transformação da paisagem e valorizando hábitos e cultura própria e, às vezes, esquecidas. Muito comovente quando adultos dizem que nunca tinha visto antes fotos suas como crianças, ou crianças conhecendo seus avós e visitando lugares que não existem mais.

A exposição “Trancoso: Espelho da Maravilha” mostra 26 ou 27 fotografias impressas sobre alumínio de alta permanência, nas dimensões de 60 x 90 cm, retratam o povo, a paisagem e a vida na vila de Trancoso e arredores entre 1977 e 1993. Qual a mudança mais significativa em Trancoso das fotografias quando foram feitos aos dias de hoje? E a impressão das fotos? O que traz esta técnica sobre alumínio?

Apenas para esclarecer: no caso das imagens doadas à Vila, sim, são todas imagens impressas em alumínio pelo processo UV em máquinas chamadas “flat bed”, e o motivo é que estas imagens são resistentes à umidade e variação de calor. Como não teremos ar-condicionado no Memorial, escolhemos esta técnica, onde não há prejuízo da imagem.

No caso da exposição em Paulo Darzé, a maioria das imagens está impressa em papel de algodão com pigmentos estáveis. São cópias de qualidade museográfica, de alta permanência, mas mesmo fizemos também a impressão de quatro imagens em alumínio, para mostrar esta técnica que é particularmente para quem quiser ter estas imagens em ambientes críticos como se estiver a beira-mar etc.

Quando da exposição na Paulo Darzé Galeria será lançado pela editora Cobogó, um livro com imagens dessa série de Trancoso. Vão ser umas 80. Fale sobre este livro. É o lançamento nacional dele?

Sim, trata-se do lançamento nacional. O livro é um resumo desta série. Tem 128 páginas. Impresso na Grafica IPSIS pelo sistema + color que permite fidelidade maior às cores. A direção de arte é de Kiko Farkas e conta com textos de Walter Firmo e Antonio Risério. O livro foi impresso com apoio da Galeria Paulo Darzé.

 

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