Abertura da exposição “Ritmo e Revolução”, do pintor J. Cunha.
A mostra será de 05 de dezembro quinta-feira, às 18h na Rua Dr. Chrysippo de Aguiar, 8, Corredor da Vitória.
José Antônio Cunha nasceu em Salvador em 1948, iniciou seus estudos aos dezoito anos no curso livre da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Artista plástico, designer gráfico, cenógrafo e figurinista, participou de importantes bienais de artes plásticas e de exposições individuais e coletivas, entre elas o evento “The Refugee Project”, no Museu de Arte Africana de Nova York, em 1997, e “Exposição de Arte Contemporânea: As Portas do Mundo” na Europa e na África, em 2006.
Seu trabalho se caracteriza pelo mergulho no imaginário das culturas afro-indígenas e popular nordestina brasileira, através da pesquisa, assimilação e transformação num universo próprio, mítico e mágico, simbólico e intuitivo. Autor de inúmeras marcas e logotipos, ilustrações para livros e discos, estamparias, ambientações de shows e eventos, J. Cunha tem ainda o seu nome definitivamente vinculado ao carnaval, por haver criado e assinado a concepção visual e estética do bloco Ilê Aiyê durante 25 anos, além de instigantes decorações temáticas para o carnaval de rua de Salvador.
J. Cunha participou de importantes bienais de artes plásticas e de exposições individuais e coletivas, entre elas o evento “The Refugee Project”, no Museu de Arte Africana de Nova York, em 1997, e “Exposição de Arte Contemporânea: As Portas do Mundo” na Europa e na África em 2006. Da Bienal Internacional de “Design de Saint Étienne” – França, e, também, da exposição “Design Brasileiro – Fronteiras 2009” no Museu de Arte Moderna de São Paulo-Brasil. Em sua trajetória internacional participa de exposições de arte negra em Los Angeles e Oakland, nos Estados Unidos.
O ritmo é o elemento responsável pela temporalidade musical, além de ser componente essencial para trazer cadência, compasso e regularidade, através da sucessão de tempos fortes ou fracos. Já o conceito de revolução está ligado a uma transformação radical de determinada estrutura, seja ela política, social, econômica ou tecnológica. A exposição J. Cunha: Ritmo e Revolução articula esses dois conceitos que norteiam a produção atual desse importante artista.
Neste conjunto de obras inéditas, somos imersos em uma experiência estética que evidencia ainda mais a presença do ritmo e da revolução, conceitos que permeiam todo o corpo da obra de J. Cunha. Na fortuna crítica das reflexões de Hans-Georg Gadamer, em A atualidade do belo: a arte como jogo, símbolo e festa, o trabalho de Cunha oferece uma leitura da arte como um fenômeno dinâmico e vivencial. Para ele, a arte, tal como o jogo para Gadamer, é uma forma de participação ativa, um campo em que se desdobram forças simbólicas, rituais e sociais.
A produção de J. Cunha insere-se nesse campo por meio da intersecção entre o ritmo do carnaval negro de Salvador e o ímpeto revolucionário que emerge das lutas históricas de resistência da diáspora africana. A experiência de Palmares, enquanto símbolo maior de resistência e formação de coletividade negra no Brasil, aqui reverbera como um núcleo irradiador de reflexões contemporâneas sobre os ajuntamentos urbanos e os desafios da moradia. A revolta, a busca por autonomia e a resistência física e simbólica de Palmares ecoam nas obras de Cunha, resgatando o sentido da arte como ato de insurgência contra o esquecimento e a marginalização.
Sua trajetória artística aprofunda-se nos símbolos afro-brasileiros, dialogando com a ancestralidade africana e reinterpretando-a no contexto da urbanidade contemporânea. Desse modo, sua paleta de cores se configura como uma cartografia da resistência coletiva. A revolução, em seu trabalho, não se manifesta apenas na forma, mas no âmago: suas criações, conectadas ao Ilê Aiyê e a outras agremiações, são afirmações de identidade em um espaço urbano muitas vezes negado às populações negras.
O carnaval, enquanto festa popular e política, é para Cunha o palco onde se inscrevem as tensões da contemporaneidade – as questões de pertencimento, moradia, o estatuto das cidades e os instrumentos das políticas urbanas que reconfiguram a paisagem social de Salvador e de outras cidades brasileiras. Sua produção simbólica e artística celebra a ancestralidade africana e, sobretudo, a atualiza, trazendo-a para o centro das discussões sobre espaço, identidade e coletividade nas metrópoles.
A exposição revela, ainda, como o ritmo – na música, na dança e nas artes visuais – se torna, para o artista, a principal linguagem de revolução. Assim como Palmares se erigiu como símbolo de resistência pela coletividade, a obra de J. Cunha reflete o poder do coletivo em moldar narrativas de contestação e de ocupação dos espaços. Através de formas, símbolos e cores, ele nos convida a refletir sobre o papel da arte como um espaço de luta e transformação.
Em seu vasto trabalho como cenógrafo, figurinista e artista plástico, Cunha participa ativamente desse jogo estético, onde o símbolo se faz ato político. Os estádios de futebol, tal como o carnaval, emergem em sua obra como territórios plásticos, onde a formação da identidade tropicalista brasileira encontra sua expressão visual. Assim como o jogo de futebol reúne multidões em uma coreografia coletiva, a arte de Cunha organiza elementos da cultura popular em uma sintonia rítmica que transita entre a festa e a revolução. Para ele, tanto o carnaval quanto os estádios tornam-se metáforas de ocupação: espaços de performance social, onde a resistência se manifesta no ritmo dos corpos e na plasticidade dos elementos visuais.
Em Ritmo e revolução, é apresentando um espaço onde a dimensão estética se confunde com a beleza da resistência, onde o jogo artístico se revela não como uma simples distração, mas como uma prática vital, capaz de questionar e reconfigurar as bases da convivência social. É, enfim, uma arte que faz ressoar o espírito de Palmares nas ruas do presente e se transforma em ato revolucionário, em uma celebração contínua da vida, da resistência e da memória coletiva afro-brasileira.
Danillo Barata e Thais Darzé, curadores