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Bel Borba

Opening
25 de April de 2014

Schedule
19 às 22h

Exhibition
26 de April a 23 de May

A última exposição de Bel Borba em galeria foi no Escritório de Arte da Bahia, atual Paulo Darzé Galeria de Arte.  Neste tempo sua arte percorreu museus, instituições, e, principalmente, ganhou notoriedade no Brasil e no exterior, com obras públicas e em importantes coleções.

Agora Bel está de retorno a galerias e escolheu para esta volta, hoje com seu novo nome Paulo Darzé Galeria de Arte para apresentar pinturas em grandes dimensões e algumas esculturas, com inauguração dia 25 de abril, às 19 horas, e temporada até 23 de maio.

O livro da mostra tem textos do artista, de Vauluizo Bezerra e Claudius Portugal.Após a temporada em Salvador, Bel Borba seguirá com novas exposições para Recife, Bogotá, Shangai, e Vancouver.

BEL BORBA,

Esculturas, pinturas e desenhos, colagens, mosaicos, azulejos, uma criatividade inquieta e apaixonada na realização de sua arte.

Variadas técnicas para efetivar um trabalho que pode estar em tela ou sobre o papel, ou ainda em madeira, aço carbono, fibra de vidro, lona plástica, bronze, concreto e sucata, em instituições, museus, galerias, e nas ruas de uma cidade, seja Salvador, Berlim ou Nova Iorque.

Bel Borba tem na sua arte o seu jeito e o seu modo, e sua marca, uma arte intensamente urbana e contemporânea, criada com a emoção do prazer da vida.

Tudo começou cedo. A primeira gravura está assinada e datada com o ano de 1965. Isto é, aos oito anos de idade. E Bel explica: “Meus pais trabalhavam fora, eram advogados, e meu irmão tomava conta de mim. Ele, o nome de fera é Almir, mexia com artes plásticas, e, por isto, para me fazer ficar quieto ensinou-me a desenhar, pintar. Mas o mais importante é que cobrava trabalho. Quando da primeira xilogravura, ele me fez assinar. Depois meus pais emolduraram os trabalhos”.

Como uma bela brincadeira, junto com os outros moleques de rua, também interessados na coisa, veio a montar um ateliê. Os companheiros: Paulo Serra, este mesmo que todos nós conhecemos como cartunista e defensor do meio-ambiente, e Marco Aurélio, hoje morando em São Paulo e fotógrafo. O local: o galinheiro no fundo da casa de Paulo Serra. Quanto ao trabalho, aos domingos colocavam à venda numa feira de arte e artesanato no Terreiro de Jesus, “Não vendíamos nada, e a primeira gravura comercializada foi para um japonês. Passamos a tarde o convencendo de estar fazendo um bom negócio”.

Bel Borba nasceu em Salvador, 23/janeiro/1957, e cresceu no Vale do Canela. Era ainda um tempo de chácaras. Muito diferente de hoje, onde a especulação imobiliária não nos deixa mais nenhum espaço. O colégio? Onze anos de Antônio Vieira, apesar do certificado do segundo grau estar assinado pelo Colégio Ypiranga. Na universidade, Direito, esta é a sina de quem não sabe o que quer fazer. Foram quatro anos e o primeiro abandono. Paralelamente tentou arquitetura e não conseguiu entrar, e disto raciocina: “Foi ótimo ter acontecido. Se fosse por este caminho, sei, acabaria como muitos. Nem lá, nem cá. A arquitetura me levaria a pensar que estava sendo artista plástico e não estaria”.

Posteriormente chegou a vez de cursar Belas Artes. Mas foram apenas dois anos, até o dia em que ao voltar de uma exposição, Galeria Macunaíma, Rio de Janeiro, 1980, soube que fora reprovado por não estar assistindo as aulas. Não era piada. Enquanto profissionalmente viajava para outro estado como artista plástico, a sabedoria de um professor não compreendia esta sua prática. Já que o mais importante era ficar sentado numa sala de aula, optou pela arte e bateu em retirada. Como ficar ali, se enquanto exercia a sua função e profissão de pintor, a escola que deveria auxiliá-lo, ajudá-lo, e ficar contente com um dos seus alunos no mercado, indo à luta, apenas o castrava. Não era por aí, e entenda quem puder entender coisas como esta da educação oficial brasileira. Mas, pouco importa, o trabalho era mais importante. Caiu na vida.

Ir à luta significou traçar o caminho. Queria aprender a técnica. Assim, entrou para uma agência de publicidade. Era o seu caminho no mundo das artes gráficas, o que o levou a pegar o pique de produção, um universo visual, estético, comunicativo. E é lá, num trabalho dirigido, direto, que aprende. “A publicidade foi a minha escola de apresentação gráfica. Para se fazer uma arte final  é preciso trabalho e muito trabalho, e foi com isso que aperfeiçoei minha expressão visual”. Fora isto, com este ofício, passa a ficar como sempre quis, isto é, não mais dependia diretamente do mercado de arte. Uniu a liberdade técnica com a existencial, numa diária demonstração de habilidade. Chegou ao domínio do lápis, pincel, bico de pena, bastão, pistola, aerógrafo. Mas ele retruca. “O importante não é a técnica, mas o trabalho que se cria”.

Chega 1973 e com ele Bel segue para estudar arte na Califórnia. Lá depara com uma abertura do olho. Aulas práticas, uma convivência diária, muita coisa para ver, outra realidade. De volta em 1975 realiza a primeira exposição. Tinha dezoito anos e mostra sessenta trabalhos na Galeria Cañizares, em Salvador. Cinco anos depois volta a uma individual, no Rio de Janeiro. Desta época é bom ter a palavra de quem o acompanha desde o início e sempre lhe deu a maior força, o professor e crítico Ivo Vellame.

“Bel Borba é um jovem artista baiano que surgiu nos meados da década de 70 e que a partir da fase denominada ‘Avestração’, a dos geometrizados pássaros, vem contestando com energia crescente os inúmeros artistas, inseridos nos circuitos de consumo convencionais, demonstrando, portanto, uma absoluta liberdade nas artes plásticas baianas. Porque ele não admite esta estabilidade alienante, é dialético e reflexivo permitindo ao seu espírito criador trabalhar livremente diante do tema, pretexto que é para nos propor uma linguagem formal contemporânea e lúcida”.

Durante este tempo concorre em salões. Prêmios nos Salões Nacionais Universitários de Artes Plásticas em 76, 77, 78, 79, e 80. Como desenhista faz parte da “Mostra do Desenho Brasileiro”, no Paraná, em 80. “Foi extremamente necessário. Não sei dizer se o salão é uma coisa fundamental para um artista novo. Não dá para generalizar. Mas que ele possibilita uma penetração decente junto às galerias, os críticos, o meio de arte, acho que sim. É claro que auxilia. Há sempre um descrédito para quem está começando, e isto gera não ter acesso e contatos. O salão possibilitou-me algumas destas coisas. Além do mais, mandava o trabalho e pessoas diferentes olhavam. Era gente fora do meu círculo, da amizade, da cidade, e do estado. Mas mesmo assim, com os outros prêmios, estes não ressoavam. Não há muita divulgação”.

Começa então a questionar sua participação e para. “Foi bom, extremamente gratificante, fiquei conhecido fora daqui, mas não tinha mais nenhum interesse em mandar os trabalhos. A Bahia é que sempre foi o mais difícil, e acho até que ao ganhar aqui foi a decisão para que deixasse de concorrer. Estava satisfeito”.

Nos meados dos anos 70 inicia suas intervenções urbanas. A pintura continuava e no período 83/85 passa, além de atuar nas artes gráficas, a participar da criação de cenários para filmes e desenhos animados, chega a vez de executar painéis de grandes dimensões em Salvador e a utilizar espaços alternativos como veículos para sua expressão artística.

“Já tive uma fase de pássaros geometrizados, compostos da síntese dos elementos das cabeças dos pássaros que se transformavam em módulos, peças, objetos flutuantes, que iam penetrando, procurando um lugar, um espaço no ambiente geométrico, e disto formando pelo agrupamento de outros pássaros geometrizados que se diluíam em segundo plano. Esta fase marcou o fim dos anos 70”.

Com o início dos 80 passa por uma época de transição. E aí estão os trabalhos onde o ambiente geométrico, que ele colocava em profundidade atrás dos geometrizados pássaros, começava a surgir e a sugerir um ambiente urbano desfocado. Além destes, outros que eram composições com volumes geométricos e estruturas que se amontoavam uns sobre os outros, se superpondo, misturando-se e confundindo-se tal como numa cidade. Também, desta época, as experiências com o hiper-realismo fotográfico, onde enquadrava detalhes que eram a síntese de um ambiente que sentia a presença da máquina, da tecnologia, do metal, do homem, do carro, do animal, do grafismo.

“Daí passei a viver um sentimento de liberdade e de ação com o meu trabalho. Esta sensação é o meu maior prazer. Ao lado, continuo com a tomada do espaço. Os muros, os cartões postais, a pintura da cidade. É o lado profissional e pessoal de visualizar o trabalho. É o meu informalismo para quem anda pelas ruas e não são considerados consumidores imediatos de arte”.

Nos anos 80 intensifica suas obras urbanas, começando com as instalações e esculturas a partir de 1986, sem jamais distanciar da pintura. Com esta postura e atitude aos olhos de todos, Bel Borba apresentou vinte e uma telas no Escritório de Arte da Bahia em 1986, quando expõe um universo de vida, refletindo a ansiedade de sua época, da sua geração, a inquietação urbana como síntese de um tempo em que todos nós estamos vivendo, a viagem de viver aqui e agora. Paralelamente passa a fazer pinturas murais. Vale exemplificar a contra o apartheid em Nova Iorque, na Segunda Avenida, entre a Quarta e a Quinta, em 1987; o mural no muro de Berlim, pela liberdade de ir e vir, em meados de 80.

“O primeiro mosaico foi na Chapada do Rio Vermelho. Teve uma grande repercussão na cidade e no país, com mídia nacional e internacional. Acredito que a grande repercussão destes murais em mosaico não foram apenas pela originalidade da iniciativa e técnica (grafismos em mosaicos), mas a somatória de diversas ações e uma produção voltada diretamente para uma cidade, me aproximando estreitamente do cidadão comum, o que acabou me nutrindo, uma coisa estimulando a outra, tornando a mim e minha cidade indissociáveis do nosso tempo. Desde este momento, venho realizando um trabalho de aproximação da minha arte com o grande público das ruas, montando uma coleção de murais de mosaico por toda Salvador”.

Hoje com a produção entre a escultura, a pintura e os murais, sem nunca se afastar do papel ou gravuras, Bel vem atuando nacional e internacionalmente, e  nesta sua forma de atuar tatuando a cidade do Salvador. Este é seu meio de conversar com todos que aqui moram ou que por aqui estão de passagem. Este sentimento de liberdade e de ação diante da arte e do espaço vem pontuando o seu trabalho através de mosaicos na Avenida do Contorno, no Morro da Sereia, em grande extensão de ruas e praças do bairro do Rio Vermelho, o gradil do Terreiro da Casa Branca na Avenida Vasco da Gama, as esculturas públicas como a Yemanjá grávida no Itaigara, o avião do Candeal, Zumbi dos Palmares no Largo do Retiro, Airton Senna no CAB, Irmã Dulce no Largo de Roma, ou intrevenções no Parque da Cidade. Becos, ruas, ladeiras, túneis, avenidas, muros, à vista, é a sua obra marcando a pele da cidade.

Vale agora conferir suas últimas mostras.

Cidade diante do mar.

Esta é uma cidade que se conhece pelo mar.

O mar da Bahia. A Baía de Todos os Santos.

Neste mar, velas ao vento, de certo tempo para cá descobre numa viagem pelas águas o saveiro, ou melhor, o que restava desta embarcação símbolo da navegação entre o Recôncavo, as ilhas, e a capital – disto apreende a importância deste barco originário da Índia, que pelas mãos portuguesas chegou ao Brasil, e de seu efetivo lugar na vida baiana, quando singrou suas velas sobre as águas, criando caminhos próprios não só na geografia baiana, mas na história, na economia, na cultura e no cotidiano do povo da Bahia.

Navegar torna-se preciso. Mais uma vez a frase. Ao lado de amigos, todos se tornando navegantes, adquirem um saveiro, o ‘Sombra da Lua’, nele mantendo o Mestre Jorge e sua tripulação, com a condição de permanecerem a realizar a rota e os serviços tradicionais de trazer alimentos e objetos – farinha, frutas, azeite de dendê, potes e moringas -, fazer mudanças, de levar e trazer, o vai e vem de pessoas, para que novamente se pudesse ver e ter o saveiro trafegando uma Bahia.

Vivendo este momento, o andar de saveiro, vendo que este carregava uma Bahia, caminho de apogeu e de decadência, como meio de transporte para pessoas e cargas, chega a todos pergunta: o que fazer? Surge então uma Associação, a Viva Saveiro, e com ela a vontade de trazer à tona todo um lado social, humano, cultural, econômico que junto com o saveiro submergia nas águas da Baía de Todos os Santos. Nada de estranho na sua trajetória de artista e cidadão. Durante anos, vale acrescentar, Bel vem realizando trabalhos sociais com minorias e segmentos desfavorecidos (Instituto dos Cegos, Pestalozzi, escolas públicas e particulares, com palestras sobre arte, conscientização de cidadania e consciência ecológica, com crianças a partir de cinco anos).

A travessia deste mar, navegar é entrar por horizontes, chega ao Recôncavo. Neste, mais epecificamente, a Maragogipe, município do interior do estado da Bahia, território desmembrado de Jaguaripe por Carta Régia em 1693 e elevada à categoria de cidade por Lei Provincial em 1850, com a denominação de Patriótica Cidade de Maragogipe, palco que foi de lutas em 1823 pela Independência na Bahia, localizado ao fundo da Baía de Todos os Santos, à direita do estuário do Rio Paraguaçu, aonde vem a formar uma baía interna, a Baía do Iguape, ponto de encontro do Rio Paraguaçu com o Rio Guaí, região de lagamar, cercada de manguezais, onde ainda pode encontrar uma ponte de atracação para embarcações até de grande porte.

Estar em Maragogipe, agora por questões de destino, ou seria de acaso, se acaso existe, reencontra-se com a terra de nascimento de seu pai. Ao aportar chega ao estaleiro do Mestre Dego, remanescente construtor e restaurador. E neste local, muita, mas muita madeira de velhas embarcações, restos de saveiros. Perplexo e apaixonado pelo que vê decide naquele preciso momento em recolher muitas daquelas peças e com elas dar início por meio de sua arte buscar reviver uma história – só através da arte se pode efetivar alertas para que todos acreditem uma realidade -, e que ao mergulhar neste tema pudesse objetivar um novo sentido para tudo aquilo que enconrtara, chamando a imediata atenção para o fim que estavam destinados os saveiros – o de carvão.

Feita a Associação chega a hora de passar para as ações e as realizações. É então promovido em 2008 a 1ª Semana do Saveiro. Entre as suas atividades uma exposição, na Praça Municipal, o mar da Baía ao fundo, de esculturas em madeira, a madeira recolhida, deixada de tornarem-se cinzas, esculturas de grande e médio porte, realizadas através das técnicas de construção de um barco – sem pregos, apenas tarugos, toda de encaixes, montagens, inscrustações, pintadas com massa colorida proveniente da mistura de uma espécie de cal e de azeite de dendê, inteiramente criada por entalhes.

Ano seguinte, por ocasião da segunda semana do saveiro, volta novamente a expor sobre o mesmo tema. Desta vez com esculturas de grande porte, em aço carbono, oriundas de um dique seco, matéria vinda de plataformas marinhas, das oficinas que servem para construção, reparação e vistoria das embarcações, onde novamente a sua criação percorre o trajeto de reciclar e transformar o que antes estava abandonado ou sem serventia. Desta vez, no galpão 1 do Porto de Salvador.

Fechando um ciclo, os saveiros voltam com suas velas brancas no mar azul, correndo na paisagem da Baía, e devidamente tombado pelo IPHAN como patrimônio cultural, traz dentro da mesma temática, o barco e o mar da Bahia, uma nova exposição. E para vivermos mais esta viagem nos coloca como se estivessemos dentro, no mínimo diante, da carcaça de um animal, as suas espinhas, ou serias os seus ossos, um animal descarnado, ou o que dele restou como memória – para Oscar Wilde, a memória é um diário que andamos carregando conosco -, entendendo-se aqui também a memória como aquilo que não esquecemos, ou que queremos que não seja esquecida.

Esta exposição, uma mostra vencedora do edital do Centro Cultural dos Correios em Salvador, Bahia, apresenta esculturas de animais, desde o grande peixe que um dia foi um saveiro, peça de grande porte, e com os mais e muitos restos da madeira nova transformação, brilho lúdico, na feitura de pequenas esculturas em madeira, e em bronze, em formas de cachorros e jacarés, agregando ainda nesta sua criação inventiva, pinturas em tela, desenhos e gravuras sobre papel, mar e barco como ponto de partida, e de chegada. Cais e porto. Viagem.

Está mais uma vez efetivado o permanente diálogo que vem tendo, terra e mar, agora não só com o espaço, mas com o tempo, colocando diante de todos nós o seu sentimento de liberdade, a liberdade de criar uma cotidiana conversa de uma arte que tem como sua marca tatuar a pele desta cidade. O mar azul da Bahia é parte desta cidade. E ele nos convida velas ao vento a embarcar neste saveiro.

Expõe individualmente em São Paulo, Rio de Janeiro, várias cidades do Nordeste, Suíça, França, Itália e Estados Unidos. Neste realiza intervenções e instalações urbanas em 2013, Nova Iorque, sendo exibido os trabalhos no Times Square, e com uma divulgação e repercussão impressionante.

A última exposição de Bel Borba em galeria foi nos anos oitentas no Escritório de Arte da Bahia (ou, em outro nome, Paulo Darzé Escritório de Arte).  Neste tempo sua arte percorreu museus, instituições, espaços públicos e, principalmente, ganhou notoriedade no Brasil e no exterior, com obras em importantes coleções particulares e acervos em museus, e filmes sobre o seu trabalho.

Agora, de retorno a galerias, escolheu para esta volta, hoje com novo nome, Paulo Darzé Galeria de Arte, para apresentar pinturas em grandes dimensões. Cerca de vinte pinturas, e algumas esculturas, sob o título “Malha estrutural. Das sensações”.

São trabalhos transbordando de cores, criadas pelo gesto sobre as telas, numa ação única do desenho instantâneo ao encontro das formas, onde sintetiza o  variado, o único, e a inconfundível pintura que está a realizar, distanciando-se do jogo de imagens e de ícones que sua obra vinha normalmente trazendo. Isto se pode perceber em todos os traços, gestos, desenhos, cores destas pinturas vislumbrando a essência plástica e estrutural de seu trabalho, recolhendo velozmente nestas sensações a representação das várias técnicas e modos de agir, e que passados quase trinta anos desta abertura escrita num catálogo, possa repetir: eu,/eterno vagabundo/da imaginação/videolho-me em tua cidade…

É a cidade que está nestas novas obras. Da cidade ele nunca se esquiva. Como não foge à luta do sentimento de liberdade e de ação com o seu trabalho. Tendo na matéria a sugestão da obra, como imagem de fundo a inquietação pessoal, uma marca registrada. Múltiplo, mostra-se de inúmeras formas e modos. Com esta postura provoca o diálogo com um aqui e agora.

Sua arte é urbana, e é contemporânea, não por ser feito agora, mas por mostrar um retrato de cada um e todos nós, aqui, 2014, Bahia, Brasil, esteja ela em esculturas, mosaicos, intervenções, instalações, apropriações, desenhos, gravura, e pinturas, ou no calendário/agenda-2014, quando após Salvador, seguirá para Recife, Bogotá, Shangai, e Vancouver, para novas mostras.

A sua arte, baiana e universal, tendo na pintura uma representação e na escultura uma construção, podemos dizer, já que esta é a sensação quando olhamos a sua malha estrutural, sendo simplesmente a arte, a arte de Bel Borba.

Claudius Portugal

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BEL BORBA – O FENÔMENO DA PRESENÇA

 

Meu primeiro contato com o artista e a obra de Bel Borba se deu em 1977, nos pátios da escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, quando já era um profissional com as mesmas características hiperativas como o conhecemos hoje. Bel era um profissional com agenda cheia, ou, ao menos, com uma demanda relacional maior de qualquer outro artista daquele grupo que se tornaria poucos anos depois conhecido como Geração 70 – termo cunhado por Ivo Vellame, professor, crítico e diretor da EBA na ocasião, e Reynivaldo Brito, crítico e redator do Caderno de Cultura, mais tarde Redator Chefe do Jornal A Tarde.

Esse grupo de jovens artistas, a despeito de suas diferenças, estabeleceu um interesse importante a partir de suas ações articuladas por inúmeras mostras e diversidades plásticas. Numa época em que imperava o vazio cultural promulgado pelas restrições das liberdades de expressão pelo regime militar, onde a memória da história recente regurgitava o brilhantismo dos anos 50 e 60, décadas que havia tornado o Estado da Bahia como o terceiro polo de cultura nacional, para onde convergiam todas as espécies de criadores, corroborando um projeto nascido nos anos 40 pelo Reitor Edgar Santos e o Educador Anísio Teixeira culminando com um tecido integral de cultura, abraçando todas as regiões de expressão, do modernismo catequista de Mario Cravo Jr, ao fomento e atualizações do teatro, dança, música, literatura, culminando por via de consequência, com o cinema novo nos anos 60, onde perscrutavam a construção de uma imagem baiana atualizadora e fomentadora de um princípio baiano de criação e cordialidade.

O contexto dos anos 70 na Bahia possuía algumas particularidades que represava a fluidez da geração daqueles anos. As dificuldades de fazer-se representar implicavam num obstáculo quase intransponível. O centro gravitacional da geração dos Modernistas com sua consolidação histórica, mais o ruído do aval exclusivista de Jorge Amado, criou uma espécie de impermeabilidade indissolúvel. Enquanto observávamos outros Estados como Minas Gerais, Pernambuco, para citar os mais próximos geograficamente, percebia-se que as tradições recentes destes lugares pareciam ser passadas aos novos artistas de forma harmônica, com certa naturalidade evolutiva, onde a comunhão entre a tradição e as aquisições léxicas recentes pareciam se amoldar por uma ordem de parentesco genético onde as rupturas eram aquiescidas pela generosidade mútua.

Ao contrário da Bahia, que para mim havia certa animosidade a respeito do que ficou caracterizado como Feudo Amadiano*. Entre os modernistas dos anos 40 e a nossa geração, existiam artistas dispersos geograficamente, como Rubem Valentim, que ajudara na construção do modernismo, mas parecia banido como muitas vezes afirmou. Emanoel Araújo, Agnaldo dos Santos, Sante Scaldaferri, Fernando Coelho, Jamison Pedra e Juarez Paraíso, estes dois últimos, como nossos professores, exerceram alguma influência a partir do convívio com suas experiências. Os demais cumpriam seus ritos pessoais de sobrevivência abrindo clareiras mais palatáveis para seus desenvolvimentos pessoais.

Talvez pela própria conjuntura política, mais o temperamento exclusivista da confraria moderna que dirimia algum interesse possível – e havia – a redoma moderna criou uma espécie de campo de força que nos forçava olhar outras direções, para além do que nos estava mais próximo. Talvez isso justifique em parte, a ausência em de um modelo mais próximo, as diferenças de cada um de nós que constituímos aquele grupo a partir de 1976, que mesmo com suas ideias fragmentadas construíram um sentido existencial para algo que era um vazio assistido pela indiferença de um meio de arte áspero.

Essa contextualização justifica dois aspectos a que se destina este texto: primeiro, a importância do legado que deixamos, por mais precário que tenha sido, ainda assim, me pareceu importante para as gerações subsequentes que em maior ou menor grau nos tornamos referentes. Segundo, justificar os movimentos da obra de Bel Borba que em seus desdobramentos recupera uma razão de conceitos locais que incide sobre sua trajetória restaurando as noções de identidade com a cultura baiana expandida por sua escrita eminentemente contemporânea, a contemplar seu temperamento aberto com o que aparenta seus diversos recursos de domínios sobre múltiplos meios que caracterizam sua obra.

A obra de Bel Borba, desde o início de sua carreira, que testemunhei a partir da segunda metade dos anos 70, já trazia em seus genes algumas disposições eminentemente urbanas. Suas ‘AVSTRAÇÕES’ eram pinturas e desenhos executados com o uso de aerógrafo, em sua grande maioria, eram pinturas ou desenhos em preto e branco, trazia iconograficamente uma figuração direcionada para um tema que já indicavam indícios de preocupações ecológicas que iriam corroborar suas ações futuras. As modulações de pássaros estilizados traziam uma aproximação com a fotografia, além de portar alusão à publicidade, e, em muitas ocasiões expandidas como graffitis explorando as possibilidades da cidade como suporte. Eram pássaros diversos, estilizados, e comprimidos como se acondicionados num invólucro apontando para uma crítica de cunho ecológico.

Nos anos 80 me mudei para São Paulo e me distanciei dos movimentos do grupo, embora sempre interessado nos acontecimentos que demarcavam cada um dos membros que, acima de tudo, eram meus amigos. Artistas como Zivé Giudice, o próprio Bel Borba, Guache Marques, Florival Oliveira, Ângela Cunha, Luís Tourinho, Decaconde, Murilo Ribeiro, Maazo Heck, Márcia Magno, Maria Adair, Juracy Dórea, Antônio Brasileiro, o conceitual Almandrade, calo inflamado, mas sempre junto, com seus contributos reflexivos importantíssimos, além de outros artistas não necessariamente ligados à EBA, mas que comungavam o mesmo desejo de pertencimento de uma geração perante um meio impermeável. Impossível citar todos, mas necessário grifar nomes de artistas como Eckhenberger, Ramiro Bernabó, Washington Santana, o controvertido Edson da Luz, Justino Marinho e Cezar Romero que além de artistas que atuavam com o grupo exerceram as funções de críticos de arte por mais de duas décadas no Jornal Correio da Bahia.

 

Assim, por meio de muito trabalho e insistência, o valor impresso nessa demanda de desejo potente em espraiar novas maneiras de expressão começa por fazer ceder à resistência que vivenciamos. Neste sentido as instituições como o Museu de Arte Moderna, na gestão de Chico Liberato, com as presenças estimuladoras Pasqualino Magnavita, mais as galerias nascentes que começavam a absorver estes artistas para o mercado de arte; dentre estas, Jacy Brito, nossa primeira incentivadora, seguidos do Escritório de Arte de Paulo Darzé, Prova do Artista de Denisson de Oliveira, todos concentrados no Salvador Praia Hotel onde se criou uma cultura de convívio que veio corroborar nosso ingresso nos reconhecimentos como artistas.

De retorno a Salvador, no final dos anos 80, pude reconhecer nas inserções pela cidade a presença de Bel Borba como um artista que já prefigurava nos anos que se passaram sua condição inequívoca de artista que necessitava expandir sua escritura tendo a cidade como suporte. Desde o final dos anos 70, experimentando a noção dos grafitis como expressão legítima, embora muitas vezes off law – fazendo par com o seminal Miguel Cordeiro, popularizado pelo seu alter ego Faustino -irradiava sua presença com trabalhos que misturavam o conceito dos grafitis  à noção de Belas Artes. Já eram incursões que traziam além de desenhos e pinturas nos muros da cidade, e que agora repercutia a novidade do emprego de esculturas expostas em encostas, a ‘Serpente do Candeal’ é uma delas: feita em aço, munida de monumentalidade, instigava a todos com a presença do réptil metálico. A partir daí, expande a noção escultórica, usando sucatas, atribuindo ao resto industrial uma função de fruição e extensão social, porque irradia seu trabalho de artista à participação do sujeito-artista unido ao cidadão a dividir sua experiência para comunidades pobres, fazendo workshops e mostras em locais onde seus moradores não conheciam um museu, nem os museus se destinavam aos seus logradouros.

A experiência da escultura e instalações em locais previamente negociados com autoridades locais, abrem espaços para os mosaicos. Aqui Bel parece fundir o conceito de graffiti com a técnica milenar dos mosaicos, um pouco mais ágil que as esculturas, mas demandando uma operacionalidade que difere radicalmente dos desenhos urbanos, embora mantenha iconograficamente a noção de simplicidade do traço, como se a repetir em escala um desenho com seu caráter imediatista, mas em alguns se preocupa em elaborações mais sofisticadas; os temas, sempre amparados em códigos facilmente reconhecíveis. O primeiro mosaico foi feito na Chapada do Rio Vermelho. A aceitação foi grande e repercutiu nacionalmente, o que lhe impele a repetir outras intervenções, uma delas a revoada de gaivotas numa das encostas da Avenida do Contorno, próximo do Museu de Arte Moderna da Bahia. Daí se repete outras e outras, buscando variações de formatos até chegar a murais mais elaborados, cujos temas passam a uma modalidade de crônica sobre a cidade, numa espécie de reconhecimento do povo que a habita, os resultados, a codificação aceita, o retorno imediato da fruição, uma espécie de troca de singelezas.

Esse reconhecimento imediato de seu trabalho lhe rende grande popularidade, e Bel afirma que esse é um prazer impagável – quer estar próximo ao público que lhe reconhece, e seu discurso é exclusivo para esse povo. Pergunto a ele afirmando que lidar com a popularidade traz uma implicação contrária, há pessoas que refutam sua linguagem, outras que se sentem invadidas pelo excesso de imagens, que não são obrigadas a ver o que não querem, como lida com isso? Ele ri da forma que lhe é mais peculiar, argumentando que quando se chega a certo patamar de popularidade são inteiramente naturais reações contrárias. Absolutamente relaxado e tranquilo afirma que acha natural todas as reações, para o bem ou para o mal. Ri mais uma vez. Reitera, a reação do povo é uma alternativa de verdade que prefiro conviver.

Mas há mais que isso. Não só de aceitação parece recair suas preocupações. Sua obra também fala de perda, de memória, da história que teceu a Bahia que ele se inscreve como artista preocupado no resgate de seus tomos. Assim foi o Projeto Saveiros de Maragogipe. Levado a conhecer um saveiro, chega a uma espécie de cemitérios dessa embarcação emblemática na história baiana. Parece ter sido tocado a ponto de se associar a amigos e comprar um saveiro, “Sombra da Lua”  ameaçado de extinção “mantendo o mestre original do saveiro”, Mestre Jorge, conferindo a manutenção de suas atribuições como “Ponte”, com ele mesmo diz. Desta experiência surge uma Associação de Saveiros, que busca cumprir um programa de cunho social, auferindo uma consciência às pessoas do meio, lhes informando seus valores históricos e noções de conhecimento técnico como princípio ativo de manutenção e repasse de conhecimentos da construção destas embarcações. Daí surge o projeto que se desdobra em algumas mostras nominadas Semana de Saveiros I, II e III para cada ano que se sucederam respectivamente, mostras a partir da utilização das sucatas encontradas. Além da poetização plástica e social que o conduziram a trabalhar os saveiros, desta mesma origem surge uma série de esculturas de animais não classificados por alguma taxonomia, algo próximo de um bestiário entre o fantástico e o divertido. Um humor classifica tais peças que são belas em sua natureza de construção sensível, e manutenção das cores das embarcações.

Outras mostras se derivam com a experiência dos saveiros. As esculturas em aço carbono a partir de uma sucata de um velho estaleiro lhe rendem uma mostra com peças monumentais, depois endereçadas a espaços públicos. Algumas peças são irrefutavelmente magníficas, com seu caráter denso, recortes que resultam em figuras humanas ou exobiológicas, criando com vazados desdobramentos de espaço que lhe rendem inesperadas soluções plásticas com o aproveitamento de cores desgastadas pela oxidação. Muitas destas peças a presença rediviva da escrita da street art que logo em seguida desembocam em sua experiência Nova-iorquina.

Bel Borba é uma artista que possui um raro poder de negociação. Há muitos anos atrás estávamos eu, ele, e outros artistas baianos fazendo uma mostra no Rio de Janeiro. Saímos para tomar uns drinks e comentei por algum motivo sobre sua capacidade de vender suas ideias. Na época não havia expressão midiático ou coisa parecida, mas usei a palavra lobby para definir sua facilidade, sem nenhuma malícia ou juízo de valor irônico, me reportava mesmo a uma qualidade que eu próprio gostaria de possuir, e, há muito o distinguia de todos nós. Ele não ficou muito satisfeito com esse comentário e prosseguimos com o mais importante que era encontrar um bom bar. Na esteira dessas veleidades, quando recebi o convite para escrever este texto, tive a preocupação de mapear o que ele andou fazendo nestes últimos tempos. Uma busca no Google me tomou de surpresa com as mais de 600.000 referencias com o moço. Ora, isso é número próximo de artistas roqueiros estelares. O único artista visual que encontrei com tal cifra foi o Vik Muniz que é baseado em Nova Iorque e com todo o aparato estelar das grandes galerias e Museus.

Para um artista que cifra sua obra a partir de noções eminentemente baianas, embora sua linguagem circunscreva um léxico contemporâneo universal é algo digno de admiração. Surpresa maior quando me inteirei de suas intervenções nos últimos meses de 2013 na cidade de Nova Iorque. Uma verdadeira invasão de esculturas monumentais distribuídas pela cidade, feitas de lixo industrial, como garrafas pet, plásticos, borrachas e uma variedade de materiais que endereçavam estas instalações a céu aberto na Big Apple. Esculturas com claros apelos ecologistas e argumentações iconográficas mais do que pertinentes sob o título de “Street Art”. Monumentais e estimulantes, com suas referencias de humor passando uma alegria perceptível às pessoas que transitam nos nichos onde foram montadas, entre estes, o Times Square por onde transitam 400.000 pessoas por dia. A repercussão foi tão grande que lhe rendeu reportagem no New York Times definindo-o como “figura amada pelo povo baiano”. A CNN exibiu suas treze monumentais esculturas instaladas em diversos locais da cidade.

Agora, de volta à Bahia, Bel Borba nos surpreende com mais uma reviravolta. Embora sempre tenha deixado claro que nunca se distanciou da pintura, nos surge com esta mostra na Paulo Darzé Galeria de Arte com um conjunto de trabalhos de grandes dimensões, onde, parecendo descansado de seus labores por vários países do mundo em 2013, se volta para o que parece uma celebração.

Neste conjunto de grandes telas, vemos o artista Bel Borba no exercício pleno da pintura. São trabalhos que clarificam uma intencionalidade pela vibração cromática, espécie celebração do prazer pelos cromatismos vibrantes conduzidos pelo gesto calculado, notações que se abrem à abstração, mas não nos furtam em perceber aqui, e ali, vestígios de signos que delatam a presença forte do urbano. Em algumas destas pinturas, percebemos claramente cidades sugeridas por uma visão suspensa, aérea, e codifica com suas dinâmicas de gestos em velocidade, a percepção do movimento, do ruído, da expansão que se dá como um leit motifnum espaço que é o urbano onde as ocorrências se repetem de formas diferentes. Pinturas que parecem renovadas para quem conhece a obra deste artista, que além da alegria que parece gritar, grifa a hegemonia sobre uma técnica que parece conferir ao artista a condição de estar presente na pintura, tanto quanto presente como artista nas cidades que reconhecem sua obra expandida, por suas variáveis expressivas que lhe conferem o reconhecimento mútuo de afetos entre presentes.

Vauluizo Bezerra

*Expressão criada pelo crítico de arte mineiro, colunista do Jornal O Globo, Frederico de Morais, em entrevista ao Caderno de Cultura do Jornal A Tarde. 1983.

1) Vamos começar com uma frase bem direta. Você é o artista visual com mais reconhecimento de sua cidade. Como isto reflete em sua obra?

Para mim, ser “o mais”, “o maior” ou “o melhor” é a coisa menos necessária na vida de uma pessoa. Mas acredito que quanto maior é a aceitação, o que aumenta mesmo são o peso e a responsabilidade. Qualquer que seja o nível de aceitação que eu tenha alcançado, tenha certeza de que foi conquistado, lenta e gradualmente durante praticamente 50 anos de uma vida de luta e alvo de muita gelosia.

2) Isto posto, credita a sua opção por uma arte urbana, desde o aerógrafo com figurações, passando pelos mosaicos, chegando às esculturas em variados materiais esta identificação da cidade com sua arte?

Bom, eu tive uma trajetória bastante diversificada. Eu vejo nas experiências, um aprendizado. Procuro estar atento e suscetível aos sinais que me rodeiam, sem falar que vivemos uma era de sobrecarga de informações. Enquanto você olha para tela de um monitor, surge a todo instante, em todas as direções, informações que se renovam a todo tempo, isso quando você não está com outras telas também abertas, como um smartphone, por exemplo. E isso não faz da gente mais inteligente, possivelmente um pouco mais ansioso e confuso.

3) Concluindo esta pergunta: a cidade é o suporte que você mais gosta de expor seus trabalhos?

Sim, a cidade é o suporte onde eu mais gosto de expor os meus trabalhos. Imagino que você deva estar se referindo às vias públicas e aos espaços externos. Quando eu penso em cidade, eu penso em um todo, os espaços indoors que também fazem parte da cidade e suas ruas. Como dizia um amigo meu, Felipe Ehrenberg, artista plástico: “Toda arte é pública, não somente as obras feitas em vias públicas”.

Eu tenho uma relação muito íntima com o cidadão comum e com o ambiente urbano, faço das cidades o meu playground e uma característica marcante da minha relação com o público. É que eu travo um diálogo com a cidade e seus cidadãos. Eu preciso sentir prazer no “fazer arte”, isso me estimula, é fundamental, tem de ser quase divertido.

Minha opção por uma arte urbana tem pelo menos dois caminhos. A narrativa, onde o urbano é uma espécie de sotaque e o outro da cidade como suporte. A minha narrativa é uma projeção inevitável de uma criação, de uma formação, de uma existência urbana. Qualquer movimento que eu faça, de gesto ou pensamento é urbano, sou um produto urbano. Cresci no Canela, bairro ao lado do centro. Na minha movimentação pela cidade, surgem novas ideias para intervenções, umas eu realizo, outras eu simplesmente arquivo. Tenho sempre, pelo menos, uma carta na manga.

Quanto à aceitação, mercado ou permeabilidade dentro da minha cidade, não se pode simplesmente atribuir a uma questão de visibilidade fortuita conquistada por conta das minhas intervenções urbanas, e sim à somatória de inúmeros fatores. Eu não consigo imaginar nenhuma conquista na vida de um artista que lhe garanta uma posição blindada, confortável. A vida é luta, e na carreira artística, isso é ainda mais acirrado. Quanto mais as pessoas cobiçam o seu trabalho, quanto mais oportunidades você tem, isso não faz da sua carreira mais fácil, isso aumenta, principalmente a sua responsabilidade. A maneira que os artistas ou qualquer outro profissional conduz a sua carreira é que lhe garante mais ou menos oportunidades.

4) Busquemos agora a trajetória: sua primeira exposição foi em 1975, na galeria Cañizares, na Escola de Belas Artes, onde ainda era aluno, com sessenta trabalhos. 30 deles eram em spray e outros 30 em assemblagem com peças de automóveis, mas também com spray. Você tinha dezoito anos. Este período leva as seguintes indagações:

– Logo depois abandona e Escola. Qual o motivo?

Eu era muito jovem e, à essa altura, já bastante atribulado. O meu amigo Ivo Velame, diretor da Escola de Belas Artes, me aconselhou que eu fizesse o curso de Licenciatura em Desenho, porque esse curso me facilitaria bolsas de estudo fora do Brasil. Se eu estivesse feito o curso de Belas Artes, eu acredito que não teria abandonado, porque o curso é bom e não é do meu feitio abandonar as coisas pelo meio.

– Havia muita discrepância entre o ensino da arte e a prática do artista? Aliás, arte se ensina?

Não, a discrepância não foi o problema. Nenhum ensino de artes vai lhe fazer o artista que você não tem dentro de você. Mas o ensino pode lhe ajudar a extrair o melhor de você mesmo e te apontar atalhos. Para mim, arte é a prática do compartilhamento, é você ter uma reflexão, uma questão, um pensamento, um ponto de vista, uma ideia, um feeling, uma sacada; e você vai usar técnicas para compartilhar aquilo que você atinou.

– A exposição é de pinturas. A partir de que momento decide que não é pintura somente, e decide escolher e trabalhar com outras vertentes e novos meios, e chega ao grafite utilizando o aerógrafo e a figuração? É uma fase denominada “avestrações”. Fale dela.

Já na minha primeira exposição, eu apresentei duas coleções: uma coleção de pintura com spray e outra de assemblagens com peças de automóveis, onde também usei spray. Parece que a ambiguidade no meu caso não é um demérito, é um traço da minha personalidade. Avestração foi um nome que eu dei a uma fase de transição entre a figuração e a abstração. A passagem de híbridos de pássaros com humanos para minimalização e geometrização. E isso tudo representado com técnica e tratamento gráfico de realismo fotográfico em preto e branco.

5) Depois disto é ampliado para esculturas, instalações. Mas a cidade, seus muros passam a ser revestidos por mosaicos. Como foi feita esta transição? Como é esta relação com estes novos meios que sua arte se encaminhou.

Na realidade, o mosaico surgiu com a intenção de garantir mais durabilidade às minhas intervenções bidimensionais externas, nas ruas e encostas. Fui me entusiasmando com a reação das pessoas na cidade e segui construindo uma das coleções com melhor retorno do cidadão comum da minha cidade. As pessoas agradeciam o que eu fazia, como se a rua fosse uma extensão do seu próprio lar; e isso para mim é um flagrante sentimento de cidadania, fruto de uma intervenção artística. São por estes outros motivos que eu sigo fazendo arte. Este tipo de intervenção atravessou fronteiras e inspirou pessoas em diversos lugares do mundo, como: Índia, África, até em São Paulo com o projeto Aprendiz (segundo Gilberto Dimenstein) e outros lugares. Enquanto isso, a pintura, a escultura e outros meios seguiam em paralelo.

6) Depois, temos na cidade as esculturas em variados materiais. Uma notória deflagração nelas de uma consciência ecológica, com os bichos, culminando com as mostras sobre saveiros, em praça pública e instituições, onde estava patente esta luta. Aqui temos dois caminhos na pergunta: sua arte identificada com a ecologia e uma opção, não de toda, mas pela escultura em seu trabalho, apesar de na sua volta à galeria em 2014 ter exposto grandes pinturas. O que diz sobre estes dois pontos?

Como já disse antes, ambiguidade não é um demérito e é um traço da minha personalidade. Ao longo de praticamente toda minha carreira, as guinadas, súbitas ou não, fizeram parte da minha caminhada. Todo mundo é o resultado do que fez de bom ou de ruim. Se você pudesse subtrair um único episódio do seu passado, você não seria mais o mesmo. Eu convivo com os conflitos e o público com a inquietação, as pessoas precisam aprender a viver com o que não concordam ou com o que não gostam. A gente tem de se permitir. A vida não faz sentido. Eu não tenho explicação para todas as coisas que faço, para todas as guinadas que dou, mas eu acho que ao longo da carreira da gente, desenvolvemos uma espécie de DNA para que todo e qualquer tipo de abordagem possa ser feita sempre a nossa maneira. Com a nossa cara.

7) Posteriormente temos sua intervenção no Times Square em Nova YorK, realizada com grande variedade de materiais.

Bom, foi um projeto muito complexo, porque foram feitos 30 vídeos sobre performances e artes efêmeras por toda Nova York, que eram gravados, editados e colocados on-line a cada noite. Foram o lançamento de um longa-metragem sobre a minha relação com a cidade de Salvador (Bel Borba Aqui – Um Homem e uma Cidade, de Burt Sun e André Costantine), uma exposição individual de esculturas na Praça Central da Times Square com reaproveitamento de barreiras plásticas de trânsito, uma animação de quatro minutos, inspirada em fotos quadro a quadro P&B ao redor de Manhattan que foram apresentados durante 30 dias, todas as noites, nos 25 maiores painéis de LED ao redor da Times Square, em agosto de 2012, em parceria com Burt Sun e André Costantine para o Festival Cross The Line da Aliança Francesa e Times Square Aliance.

8) Anteriormente, você já havia feito intervenção em Berlim. O que representa na sua obra esta expansão por novos espaços urbanos?

Berlim foi uma experiência fantástica. Eu tinha 29 anos, em uma Berlim completamente diferente da de hoje, prédios invadidos por jovens ativistas que viviam em comunidade, ambientalistas, uma cidade efervescente, irreverente, punks, darks e artistas do mundo inteiro pintando os muros de Berlim. Em 1986, era o mural de artistas e muralistas internacionais do mundo inteiro, principalmente, no bairro de Kreuzberg. No meu mural, a pintura representava o grito de um homem, rompendo uma cerca, chamando a atenção para a falta de liberdade de ir e vir do cidadão.

As exposições que vêm acontecendo fora do Brasil de 2000 para cá são resultado de um trabalho permanente que eu toco com muita responsabilidade e que acabam atraindo convites, propostas e oportunidades. Uma coisa puxa a outra. Na sua imensa maioria, as exposições não são frutos da minha iniciativa. Um artista como eu, com quase 50 anos de carreira, atropelando desafios contínuos que me surgem a todo instante, é natural que eu seja indicado para vários eventos. Hoje mais que nunca, os olhos do mundo estão voltados para todos os artistas do planeta com muita agilidade, as propostas surgem e acredite, eu estudo caso a caso com muita cautela.

9) Há na arte de rua um lado efêmero. Como lida com isso?

Fora as obras de muita durabilidade e que, claro, por mais resistente que seja tem que ter uma manutenção e limpeza. Obra efêmera ou não, tudo é uma questão apenas de estar documentado adequadamente, o conceito e a imagem da obra.

10) Como é o seu processo de criação? Temas? Materiais? Meios? Aliás, dá para exemplificar o seu processo de criação, ou criação não se explica?

Meu processo de criação fica à mercê de inúmeros fatores, muitas vezes a própria matéria-prima é que dá a inspiração. É normal as pessoas me ligarem dizendo que têm em um depósito ou em casa, os mais diversos materiais. A depender da possibilidade de armazená-los, eu vou buscar. Eu alimento a autossugestão de que a matéria tem memória e mensagens. Depois de mais de 40 anos de reutilização de material, constatei que a maioria esmagadora de minhas esculturas estava sempre às voltas com o reaproveitamento do material. Isso ficou muito claro na exposição O Olhar Material.

Uma causa, um pensamento, uma questão, tudo pode ser abordado em uma obra de arte, eu não tenho métodos preestabelecidos, eu acho que métodos e rotinas, com o tempo, vão reduzindo a seiva de nossa criatividade. Acredito mais no desenvolvimento da natureza criativa do que na exploração racional da criação profissional. Cultivo três componentes não muito alardeados pelos tradicionais artistas contemporâneos: instinto, intuição e espontaneidade, a serviço do pensamento. Conceito não é uma prerrogativa das obras de arte conceitual, toda obra tem conceito, por mais despretensiosa que ela pareça, há vida inteligente e conceito onde menos se espera. Me tranquiliza o fato de poder fazer trabalhos que não me obrigam a chegar com respostas e me dá uma satisfação imensa provocar pensamentos que de preferência, estabeleçam um enigma, uma espécie de mistério.

Claro, existem ideias que quando eu decido enveredar por elas, acarretam em pesquisas, entrevistas, consultas e visitas a campo, tudo depende do assunto, no meu dia a dia. Eu estou sempre atento, com o olhar experiente de um artista maduro, aberto a coisas que podem se transformar em um assunto para construção de uma nova obra, é um eterno desafio. Por mais bem estruturado que um artista seja, temos de criar e administrar saúde, contas a pagar, tocar relacionamento comercial, afetivo e familiar e tantas outras coisas que fazem parte da vida do homem contemporâneo que a vida apresenta e são coisas que demandam muito tempo e lida. Claro que esse olho do furacão que nos encontramos ocasionalmente tanto pode botar a perder como pode também empurrar na direção de ações criativas com êxito. Não tema, a luta e as dificuldades nos fortalecem.

11) Sua arte é fruto de seu olhar e de sua vivência? Sua biografia está na sua arte? Ou a arte apenas reelabora ou recria o real?

A minha arte é um testemunho do meu tempo e o meu trabalho é a prova do meu pensamento. Tem um ponto dentro da minha cabeça, um ângulo, uma perspectiva que só meu espírito vê. Eu cultivo susceptibilidade as coisas que acontecem na nossa era. Em quase todo artista, vida e obra se misturam, por menos visível que pareça. Eu acredito que as coisas são sempre um reflexo umas das outras. Na arte, a gente aprende a destruir para fazer e descontrói para montar. Tudo por nada, em um vale-tudo que não tem fim. Viva a sublime transgressão! Ela é prima carnal da arte de vanguarda.

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