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AURELINO DOS SANTOS EM BRASÍLIA

Opening
07 de February de 2020

Schedule
18h30

Exhibition
08 de February a 29 de March

No dia 7 de fevereiro, com abertura às 18h 30m, no Museu Nacional da República, em Brasília, a Paulo Darzé, com apoio da Almeida e Dale, galeria paulista, promove a mostra Construção Obsessiva, do artista Aurelino dos Santos, com curadoria de Thais Darzé. A exposição fica em temporada até 29 de março, de terça a domingo.

A exposição Construção Obsessiva reúne mais de 100 obras produzidas entre os anos de 1980 e 2015 de Aurelino dos Santos. Para a curadora Thais Darzé, “sua incessante e descontrolada produção começou na década de 1960 por influência de seu vizinho, o escultor Agnaldo dos Santos, e por estímulo de Lina Bo Bardi, que morava em Salvador nesse período para criar o MAM Bahia. Foi dessa forma que as portas do mundo da arte se abriram para o artista. Aurelino possui uma obra geometrizada, refinada, delicada, minuciosamente rica em detalhes e com extrema organização em suas composições e proporções. Referencia a cidade, suas ruas e construções, na maioria das vezes indicando a sensação de serem vistas aéreas urbanas, como se o artista andarilho fosse capaz de levitar e mapear as rotas as quais percorre diariamente. A economia e ausência de recursos materiais na sua obra são paradoxalmente a razão da sua riqueza… Seu lugar e sua linguagem é a arte”.

A mostra em Brasília conta ainda com um texto do diretor do Museu Nacional da República, Charles Cosac. “Desde muito cedo, Aurelino conquistou voz própria e criou um léxico todo particular, que distingue e localiza seus trabalhos, como sendo dele. É dedutível que o artista tenha capacidade de observação excepcional e sinta especial prazer com o ato da pintura, o ato de colorir e fazer colagens. Sua atitude ante o espaço ansioso, o retângulo nu, a tela ou o papel a ser pintado segue a linguagem pós-guerra norte americana do all over. Suas telas são integralmente cobertas a ponto de camuflar seu próprio suporte. É raro o fato central, pois, em sua grande maioria, sua obra pode ser lida de trás para frente ou de cima para baixo. Um breve olhar pode ver uma série de áreas quadrangulares ocupando o quadrado maior, a tela. Um olhar mais atento, porém, percebe que não há tal fragmentação e que o conjunto de vários quadrados, em verdade, é uno. Equivocadamente classificado como pintor naïf, a obra de Aurelino é elementarmente construtivo-figurativa.  Em alguns momentos o artista flerta com a paisagem e chega a se permitir o horizonte, o céu, mesmo sem ponto de fuga. Todavia, o que predomina é o espaço repleto de sinais, símbolos e pequenas “formas” predominantes geométricas. Tais elementos, juntos, formam uma espécie de engenharia coerente, o mecanismo de uma caixinha de música, o motor de um automóvel, como se cada peça desce ou recebesse vida e movimento uma da outra. Uma construção perfeita onde também há espaço para dígitos, letras e mesmo frases oriundas de recortes de revistas e jornais – elementos que o artista se apropria, pois são necessários à sua composição. Essa é linguagem com a qual Aurelino se comunica”.

 

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A Construção Obsessiva de Aurelino dos Santos,

por Thais Darzé, curadora da Mostra

 

Escolhido pela pintura, Aurelino dos Santos nasceu e cresceu em um ambiente de extrema pobreza. É um andarilho das ruas de Salvador. Franzino, pele escura e possui diversas patologias mentais.

Sua obra nos conduz a diversos questionamentos e direções, com dois vértices primordiais o da “arte” e o da “loucura”. Por essa razão seus trabalhos nos posicionam a beira de um precipício, com dois mistérios, ainda impossíveis de serem desvendados.

Quanto mais nos aproximamos de sua obra, mais distante ficamos das respostas, e mais próximos de novas indagações. Qual o limiar entre arte e loucura? Sua obra reflete loucura ou lucidez? É possível ser interpretada e traduzida a partir dos cânones da razão?

Analisando a melancolia no decorrer da história ocidental, sabemos que até a Renascença a loucura não tinha status negativo. Estava mais relacionada à inteligência e genialidade criativa. É apenas a partir do século XVII, com as internações em hospitais gerais e casas de trabalho que os que perderam a razão são marginalizados e excluídos da sociedade.

Nesse momento no Ocidente se criaram a duas tradições opostas sobre a loucura. A primeira é que o louco deveria ser visto com a desconfiança de um sujeito perigoso, que não pode dizer a verdade, portanto não pensa e não é o sujeito. Foucault expressa claramente que a loucura, após o Renascimento, foi capturada por um discurso amplo que a desqualificava enquanto linguagem.

A segunda é uma tradição crítica e trágica, onde a loucura recupera a visão Renascentista da verdade. Nessa perspectiva trágica temos grandes representantes como os pintores Van Gogh e Goya, e o filosofo Nietszche.  Vivemos em constante tensão entre essas duas tradições, a versão psiquiátrica da loucura como doença e versão trágica da loucura artística, literária e poética.

A exposição Construção Obsessiva reúne mais de 100 obras produzidas entre os anos de 1980 e 2015 do artista-louco Aurelino dos Santos. Sua incessante e descontrolada produção começou na década de 1960 por influência de seu vizinho, o escultor Agnaldo dos Santos, e por estímulo de Lina Bo Bardi, que morava em Salvador nesse período para criar o MAM Bahia. Foi dessa forma que as portas do mundo da arte se abriram para o artista.

Aurelino possui uma obra geometrizada, refinada, delicada, minuciosamente rica em detalhes e com extrema organização em suas composições e proporções. Referencia a cidade, suas ruas e construções, na maioria das vezes indicando a sensação de serem vistas aéreas urbanas, como se o artista andarilho fosse capaz de levitar e mapear as rotas as quais percorre diariamente. A economia e ausência de recursos materiais na sua obra são paradoxalmente a razão da sua riqueza.

Sua obra e vida nos transportam para antes da Renascença quando a loucura tinha uma linguagem aceita socialmente, mesmo com suas particularidades, pois aos loucos cabiam discurso e lugar específico.

Seu lugar e sua linguagem é a arte.

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Uma obra construtivo-figurativa,

por Charles Cosac, Diretor do Museu Nacional da República

 

Desde que a loucura foi estabelecida enquanto doença pela psiquiatria e posteriormente mais desenvolvida pela psicanálise discute-se certa afinidade entre essa e as artes visuais.

De fato, embora uma não dependa da outra, loucura e arte andam lado-a-lado e muitos paralelos e elucubrações inteligentes e relevantes podem ser traçadas acerca desse tema.

Efeitos negativos também podem ser detectados. Em um momento da história onde a maioria se une e luta por um mundo igualitário, sem preconceitos, diferenças socioculturais, raciais, classificar um ser humano como louco pode ser um ato excludente. Afora isso, grande parte desses ensaios, justificadamente, é escrito por psicanalistas ou historiadores de arte, e nunca por um artista ou um louco.

Se crianças especiais figuram entre telenovelas e anúncios comerciais, portadores de síndrome de Down trabalham em companhias aéreas, qual seria então a importância da loucura de Aurelino em sua obra? Por que a obra dele é somente cotejada à de outros artistas tidos como loucos?

Em verdade, apesar de a loucura ser algo extremamente relativo, o louco não se vê e não tem ciência da própria loucura. Quem os classifica como loucos é a ciência e a sociedade. A isso, eu adicionaria que a despeito da autoria, não existe arte louca, nem tampouco arte de louco. Acreditar nisso é sinal de intolerância e preconceito.

Aurelino tem um corpo de obra, construído nessas cinco últimas décadas, brilhante. Digno de um Mestre e comparável a qualquer outro artista renomado de sua geração.

Embora o exórdio de sua obra não esteja presente nesta exposição, o artista seguiu trajetória consistente e coesa. Por isso, refiro-me ao corpo de sua obra e não a uma específica. Desde muito cedo, Aurelino conquistou voz própria e criou um léxico todo particular, que distingue e localiza seus trabalhos, como sendo dele.

É dedutível que o artista tenha capacidade de observação excepcional e sinta especial prazer com o ato da pintura, o ato de colorir e fazer colagens. Sua atitude ante o espaço ansioso, o retângulo nu, a tela ou o papel a ser pintado segue a linguagem pós-guerra norte americana do all over. Suas telas são integralmente cobertas a ponto de camuflar seu próprio suporte. É raro o fato central, pois, em sua grande maioria, sua obra pode ser lida de trás para frente ou de cima para baixo.

Um breve olhar pode ver uma série de áreas quadrangulares ocupando o quadrado maior, a tela. Um olhar mais atento, porém, percebe que não há tal fragmentação e que o conjunto de vários quadrados, em verdade, é uno.

Equivocadamente classificado como pintor naïf, a obra de Aurelino é elementarmente construtivo-figurativa.  Em alguns momentos o artista flerta com a paisagem e chega a se permitir o horizonte, o céu, mesmo sem ponto de fuga. Todavia, o que predomina é o espaço repleto de sinais, símbolos e pequenas “formas” predominantes geométricas. Tais elementos, juntos, formam uma espécie de engenharia coerente, o mecanismo de uma caixinha de música, o motor de um automóvel, como se cada peça desce ou recebesse vida e movimento uma da outra. Uma construção perfeita onde também há espaço para dígitos, letras e mesmo frases oriundas de reco rtes de revistas e jornais – elementos que o artista se apropria, pois são necessários à sua composição. Essa é a linguagem, com a qual Aurelino se comunica.

Autor de uma obra intricada, sofisticada e inteligente, a partir de artigos, sabe-se que o artista tem problemas com a comunicação oral, a letra, a palavra e o verbo. Sua semântica é igualmente particular repleta de analogias visuais que as tornam lúdica graças à sua simplicidade. Quando diz que “ônibus é capa de gente” refere-se a um ônibus cheio, uma lotação. Se o “avião tem coqueiro embaixo” é porque a folhas do coqueiro se assemelham às hélices do avião e, por fim, se o “navio é peixe” é porque o navio transita no mar, como um peixe.

Se compararmos Aurelino ao presidente dos Estados Unidos, da Coreia do Norte ou mesmo com o ex-secretário especial da cultura do Brasil, notamos que um homem que fala sozinho, possui seus medos e prazeres, fica mal ao beber e, como todo mundo, desgosta de ver sua imagem refletida no espelho e tem medo da própria sombra – não é tão louco.

Não tive a oportunidade de entrevistar Aurelino. Esse é um texto livre de pensamentos espontâneos onde tento expressar meu entusiasmo pela sua obra, e relativizar sua “loucura”, como elemento fundamental à mesma.

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