Com 23 pinturas em formatos diversos, esta mostra realizou uma aproximação temática com o popular e o cotidiano. Renova-se a encáustica, dentro de seu estilo e de suas técnicas; o que vem a ser muito bem registrado no poema inédito de Fernando da Rocha Peres feito especialmente para a mostra: “O gesto do artista/cristaliza cores e formas,/na lúdica sedução/que a técnica renova./Scaldaferri e seus achados;/ex-votos virtuais/pairam no horizonte das gentes./Eis o maduro artesão das belas artes!”
Nasceu em 1928 em Salvador, Bahia. Fez o curso de pintura na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Tem uma participação atuante no desenvolvimento cultural da Bahia, começando a sua atuação no após-guerra entre os jovens que editavam a revista “MAPA” e continuando até hoje.
Participou do “Cinema Novo” com pequenas cenografias e como ator em filmes de Glauber Rocha. É considerado um dos mais importantes e representativos entre os pintores brasileiros contemporâneos.
Sua pintura alia uma arte erudita sobre raiz popular e reflete o drama e a tragédia do povo da região dos sertões nordestinos do Brasil. Sem ser um regionalista provinciano, mas unindo uma linguagem contemporânea a uma temática brasileira de religiosidade e cultura popular, consegue atingir uma leitura universal e realizando trabalhos de grande força, ao mesmo tempo em que cria com a sua linguagem um trabalho muito pessoal, criativo e inconfundível. Seu universo é fruto de um grande acúmulo de conhecimentos teóricos e de muita vivência pessoal nas fontes da região Nordeste do Brasil. Desde 1957 usa em sua pintura o ex-voto como signo-símbolo, numa transfiguração estética, dando assim uma contribuição à identidade cultural brasileira e ao mesmo tempo consegue expressar o seu próprio universo. Em sua última fase, que começa em 1980, os ex-votos assumem a condição humana para expressarem as fraquezas do caráter, os pecados, assim como suas alegrias e tristezas, amores e ódios. Numa forma mais ampla, o interesse maior de sua pintura é o homem.
Em 1977 foi editado o catálogo “A Cultura Popular na Arte de Sante Scaldaferri” e em 1988 foi editado outro catálogo contendo toda a sua obra, em comemoração aos seus trinta anos como profissional de artes plásticas.
Ambos contêm textos dos mais importantes críticos e intelectuais. Desde 1980 usa a técnica de encáustica e também usa ex-votos originais ou outros materiais acoplados à pintura. Participou e participa de Bienais, Salões, Feiras de Arte, Exposições Individuais e Coletivas no Brasil e no exterior.
Possui inúmeros prêmios e extensa bibliografia a respeito de seu trabalho. Além de pintura de cavalete em várias técnicas, faz tapeçarias, cenários, cartazes, capas de disco, catálogos para teatro, painéis e ilustrações para livros e revistas. Seus quadros constam do acervo de museus e coleções brasileiras e de diversos países. Vive em Salvador, Bahia.
Frederico Morais
“Scaldaferri evoluiu do ex-voto para o homem-porco, criando gente com cara de ex-votos e encarando-os como atores de uma farsa naqual critica a vaidade, a luxúria e a corrosão do poder do homem(…)”
Carlos Von Schmidt
Sante poderia, se quisesse, pintar sua Bahia com olhos de ´vendilhão do Templo´. Seria fácil e lucrativo. Não há, em nosso país, nada mais ´turístico e folclórico´ e pintável do que Salvador. Mas, Sante vai fundo. Ignora o decorativo dassituações, o colorido da paisagem. Mergulha no âmago do incons-ciente coletivo, buscando na baiani-dade do cotidiano motivação para suas coloridas fábulas. Sim, fábulas! À maneira de Esopo, de La Fontainne, Scaldaferri pinta as mazelas humanas. Ao contrário dos fabu-listas mencionados, Sante não atribui aos animais falhas humanas.Ao homem, ao gênero humano, confere características animais. Não foi por acaso que tomou o ex-voto como protótipo. O ex-voto não passa de uma representação. Ao acrescentar à forma humana do ex-voto o rabicó, Scaldaferri mais uma vez disse não às esópicas e fontenescas alegorias. O caráter porcino de suas criaturas é evidenciado com clareza. A visão do homem/animal da fábula que exige uma lição moral encontra no título das obras sua justificativa. Atento à história de seu povo, às raízes mais profundas do Nordeste,Sante é dos raros artistas do Brasil a expressar-se através de linguagem pictórica que hoje encontramos na Itália, na Alemanha, nosEstados Unidos e em outros países.Quando a transvanguarda chegou a nosso país, no inicío dos anos 80, a pintura de Scaldaferri já manifestava-se com a força e a liberdade de um Clemente, de um Salomé e de um Schnabel.
Mostra “O gesto do artista/cristaliza cores e formas,/na lúdica sedução/que a técnica renova./Scaldaferri e seus achados;/ex-votos virtuais/pairam no horizonte das gentes./Eis o maduro artesão das belas artes!”
Além do poeta Fernando da Rocha Peres, o catálogo traz mais dois textos, um do museólogo Heitor Reis, com o título Coerência, “Sante é extremamente coerente na sua obra com o seu pensamento. Seus gordos horrendos e belos, sua gente com cara de ex-voto assume a condição humana para expressar com riqueza de detalhes, suas fraquezas e seus pecados, pautando sua interpretação e transfiguração em cima de fatos reais e verdadeiros. Seu trabalho é a universalização da arte baiana, e ninguém fica indiferente a ele… A iconografia de suas referências populares, agora contextualizada na contemporaneidade do século XXI, está cada vez mais presente no seu trabalho, e sua estranheza estética dos anos 80 está hoje completamente incorporada ao nosso olhar cotidiano. Com este novo conjunto de obras, Sante Scaldaferri mais uma vez diferencia e reforça a nossa convicção de que ele é um artista definitivo”.
E um outro texto do poeta e jornalista Florisvaldo Mattos. “Não tenho dúvidas de que é nesta saga estética de ousadias figurativas que se encaixa confortavelmente Sante Scaldaferri. A refinada afetação (roçando o excessivo e o vulgar), o gosto por efeitos espaciais desconcertantes, a intensidade emocional derivada das formas distorcidas, as desproporções, a maestria no manejo das técnicas da pintura, as excitantes e eróticas alusões, a tendência à exuberância e ao monumental, a marca de desespero e manifesto horror, a secreta irracionalidade – enfim, toda uma arqueologia visual da transvanguarda”.
Esta exposição na Paulo Darzé Galeria de Arte é uma homenagem do artista aos companheiros da “Geração MAPA”, como comemoração aos 50 anos que um grupo de jovens veio revolucionar as artes e a cultura em Salvador, posteriormente extrapolando para o nacional e internacional, através das criações em cinema, artes plásticas, literatura, como Glauber Rocha, Calasans Neto, Paulo Gil de Andrade Soares, Carlos Anísio Melhor, Fernando da Rocha Peres, Frederico de Souza Castro, Florisvaldo Mattos, João Eurico Mata, João Carlos Teixeira Gomes, Ângelo Roberto.