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Almandrade

Abertura
29 de março de 2023

Horário

Exposição
29 de março a 02 de abril

Jogos secretos

 

Esculturas que são objetos pintados, planos e formas articulados. Pinturas que desejam sair da parede e ocupar o espaço como as esculturas. Coisas diferentes das outras coisas que existem por si mesmas. Aceitar as suas provocações é participar de seu jogo secreto que faz o olhar pensar e brincar. Almandrade

 

Em julho de 1995, Almandrade teve a grata surpresa de receber uma correspondência de Décio Pignatari, enviando a ele um “enorme textinho”, que viria a ser publicado no Jornal A Tarde, no dia 2 de setembro do mesmo ano. No texto, quase um poema, reproduzido na íntegra neste catálogo, assim como a simpática carta do autor, o crítico define a obra do artista como “nudismo abstrato”. Mestre da poesia concreta no Brasil, ele aponta, com aguda precisão e instigante jogo de palavras, algumas características da produção de Almandrade, entre elas: “as criações e criaturas sígnicas, que hesitam entre a bi e a tridimensionalidade; a parcimônia franciscanamente contundente dos objetos; as graciosas construções-instalações não habitáveis, amostras quase-duchampescas, quase-vandoesburguesas de um ex-Éden artístico, onde a provável ironia embutida não passa de meio-sorriso.”

A fina ironia e a criação sígnica indicadas por Pignatari já estão presentes na escolha do acrônimo Almandrade, criado pelo artista a partir de seu nome de batismo, Antônio Luiz Morais de Andrade, cujas iniciais formam a palavra A.L.M.A. Artista plástico, arquiteto, mestre em desenho urbano, poeta e professor de teoria da arte, Almandrade nasceu em 1953, em São Felipe, BA, e iniciou seu trabalho em Salvador, na década de 1970, nos difíceis tempos da ditadura, revestindo sua obra de caráter político, mas conseguindo o delicado equilíbrio entre geometria, poesia e contundência. Segundo Alexandre Gomes Vilas Boas: “Almandrade é um pioneiro da Arte contemporânea na Bahia, causando grandes transtornos em Salvador, durante os anos 70, com sua ácida carga poética e sua atuação questionadora diante

das sisudas instituições locais”. O artista teve uma formação solitária, criando uma poética particular, fundamentada a partir dos seguinte eixos: a poesia tradicional e as experiências visuais da Poesia Concreta, as experimentações desenvolvidas pelo Poema Processo, a arte construtiva e a arte conceitual. Sua pesquisa desenvolvida à contracorrente da arte baiana do período, conversa de perto com a produção paulista e carioca, concreta e neoconcreta. Apesar da afinidade, e de encontros confortadores com Augusto de Campos, Decio Pignatari, Helio Oiticica e Lygia Clark, entre outros, nos quais viu seu mérito reconhecido, Almandrade nunca deixou de residir em sua terra de origem, sentindo na pele as consequências de não viver no eixo Rio-São Paulo. Nem todas negativas, pois sua independência propiciou ao artista desenvolver de modo original a síntese proposta pelas vanguardas.

 

Faço parte de uma geração espremida entre o AI-5 do final da década

de 1960 e a chamada abertura política, no início dos anos de 1980.

Quase sem possibilidade de expor ou publicar alguma coisa, vivendo

numa cidade provinciana, conservadora nas questões de ordem

estética, como Salvador, me concentrei na experimentação da linguagem,

como um fazer solitário de laboratório e na busca de suportes

conceituais em outras áreas do pensar, mas sem perder o foco.

Sem um embate direto, parti do princípio de que a política da arte é

transformação da linguagem, ampliação de repertório para driblar a

censura e buscar atritos com o meio cultural.

 

Apesar das dificuldades apontadas, Almandrade, na década de 1980, participa do circuito de arte nacional, expondo, entre outros, no Salão Nacional de Artes Plásticas, Rio de Janeiro, no Salão Paulista de Arte Contemporânea, São Paulo, na I Exposição Internacional de Esculturas Efêmeras, Fortaleza, na I Mostra Internacional de Poesia Visual de São Paulo, e, em 1987, é convidado a participar da exposição: Em Busca da Essência: elementos de redução na arte brasileira, realizada no contexto da emblemática 19ª Bienal Internacional de São Paulo. A mostra era parte integrante do projeto geral do evento, que discutia a fragmentação das artes naquele momento, mostrando a convivência das mais diversas tendências sob o conceito “Utopia versus Realidade”. Debruçando-se sobre questão da redução, da “arte pela arte”, a exposição propunha a imediata associação dessa vertente à Utopia.

Aos 34 anos, vivendo fora do eixo Rio São Paulo, Almandrade se reunia assim a um elenco de artistas muito reconhecidos, entre eles, Arcangelo Ianelli, Amílcar de Castro, Eduardo Sued, Franz Weissmann, Sérvulo Esmeraldo e Willys de Castro. Apresentando Almandrade, no catálogo da mostra, dizia a curadora Gabriela S. Wilder: “O espaço é o campo de trabalho de Almandrade. Articulado através do jogo de planos, cores, justaposição de objetos. O domínio do espaço é a sua busca. (…) Cerebral, com traços de ironia e ludicidade, cria objetos espaciais que articulam planos e tensões com surpreendentes desequilíbrios e constante relação com o espaço em que se apresentam”.

Uma visão similar da obra do artista seria adotada por Clarissa Diniz e Paulo Herkenhoff, curadores da exposição Zona tórrida – certa pintura do Nordeste, realizada no Recife Santander Cultural, em 2012. A precursora mostra escancarava o “etnocentrismo e a incapacidade da historiografia brasileira de dar conta da contribuição para o contexto construtivo e conceitual de nossa arte, de artistas do Nordeste, como Sérvulo Esmeraldo, José Tarcísio, Montez Magno, Paulo Bruscky e

Raul Córdula, dentre muitos outros”, e assim comentava a obra de Almandrade:

 

Oriundo da poesia visual e do poema processo, na Salvador de meados dos anos 1970, o artista dá início às suas incansáveis investigações, travando uma relação de ambiguidade semântica com o espaço. Em muitas de suas pinturas, esculturas, objetos ou diagramas, a espacialidade será a base sobre a qual Almandrade problematiza a relação entre significante e significado, constituindo experiências espaciais cujo instável equilíbrio físico de tantas vezes é o eixo sobre o qual se desequilibram os sentidos.

 

Ao longo dos 50 anos de sua carreira Almandrade se apropria das mais diferentes mídias: poemas, poesia visual, instalação, pintura e desenho, transitando com igual domínio entre elas, e usando com a mesma maestria, o espaço, a linha, a palavra, o preto e branco e a força da cor. Em sua obra estão presentes os trabalhos de cunho político e comportamental, realizados com extrema precisão e sutileza, desequilibrando verdades, objetos que desafiam o olhar do espectador com polida ironia, pinturas e objetos em madeira com mensagens secretas, peças rígidas de intenso cromatismo, exatas, mas calorosas, remetendo ao singelo concretismo das fachadas nordestinas.

Esse tipo de visão múltipla, lúcida e lúdica, rascante e fluida, rigorosa e sensível, que caracteriza a produção de Almandrade, só tem par na arte brasileira na obra de Willys de Castro. Teórico extremamente preciso de sua própria obra, como o é Almandrade, assim escreveu Willys sobre seus Objetos Ativos na apresentação do catálogo de exposição na Galeria Aremar, em 1960.

(…) A nova obra não é estanque, ela translada os seus significados para o espaço circundante, estabelecendo topicamente novas relações e concordâncias, pois, sem recorrer às referências exteriores, ela coleta de si mesma os dados necessários à sua comunicação, retirando-os parte do real e parte do virtual. Esse novo objeto, investido de tal atividade, torna-se um inteiro caracterizado pela sua autonomia e unicidade, e, por isso, altamente diferenciado das obras convencionais. Contendo eventos dentro de seu próprio tempo – iniciados, transcorridos, findados, reiniciados etc. – e ali demonstrados clara, fluente e indefinidamente, ele inaugura-se no mundo como um instrumento de contar a si próprio.

Não por acaso é imediata a conexão com a epígrafe de Almandrade: o instrumento de contar a si próprio, é o jogo secreto que nos provoca.

 

Denise Mattar

2023

A PERSISTÊNCIA  DO NUDISMO ABSTRATO

 

Pensei em elementarismo, despojamento, abecedarismo geométricos, mas acabei por optar pela ideia de nudismo abstrato, para tentar caracterizar a postura e a impostação de Almandrade ante suas criações  e criaturas sígnicas que hesitam entre a bi e a tridimensionalidade, em duas ou três cores, em duas ou três texturas.

A parcimônia desses objetos franciscanamente contundente, desenhados, designados (designed), compostos segundo uma grafia de cartilha, porém enganosamente simplificada e simplista, posto que metafísica.

Criam um campo significante que parece rechaçar instruções extratexto, mesmo quando inclui algum elemento metafórico in memoriam Dadá.

Meteoritos geométricos do pensamento, taquigrafia precisa de uma claríssima visão cuja totalidade se ofuscou, indício e impressão minimal de um evento artístico-mental ocorrido no panorama ecológico da arte do século XX,  como um  pássaro em extinção,  aparição de  ordem  inegavelmente metafísica, essência e forma divinas (diria Baudelaire) do pássaro nu da poesia e de seus amores descompostos.

Um nudismo Proun (El Lissitsky) nos trópicos, lembranças metonímicas do paraíso, graciosas construções-instalações não-habitáveis, amostras quase-duchampescas, quase-vandoesburguesas de um ex-Éden artístico, onde a provável ironia embutida não passa de meio-sorriso.

Esses seres correta e rigorosamente nus, o olho os colhe por inteiros, como objetos cabíveis num bolso. E há música neles, mas não é sequer de câmara – é de cela, nicho e escrínio: são microtonais, minideogramas sólidos à Scelsi.

O Almandrade capricha nas miniaturas de suas criaturas, cuja nudez implica mudez, límpido limpamento do olho artístico, já cansado da fantástica história da arte deste século interminável, deste milênio infinito.

 

Décio Pignatari (1995)

Publicado no Jornal A Tarde, Salvador (BA), em 02 de Setembro de 1995.

ALMANDRADE 50 anos de arte,

uma produção marcada por uma coerência e rigor.

p/ Claudius Portugal

 

 

Almandrade (Antonio Luiz Morais de Andrade) nasceu em São Felipe, 1953, município baiano, e vive em Salvador. É artista plástico, arquiteto, mestre em desenho urbano, poeta e professor de Teoria da Arte. Destes seus interesses múltiplos vem realizando, nestas cinco décadas, exposições de desenhos, de pinturas, de poemas visuais, de livros de artista, de instalações, de objetos, através de trabalhos que absorvem e sintetizam as suas influências diversas – o poema processo, o concretismo, as histórias em quadrinhos, efetivando em sua arte uma comunicação gráfico-visual que atravessa das linhas retas à abstração geométrica, da palavra à imagem, com um projeto poético que perpassa todo este período, entre o conceitual, o construtivo e a poesia visual. Artista extremamente técnico, de sólida expressão, desenvolvendo uma obra síntese de ideias, no dilaceramento entre a tensão e a forma, não perdeu jamais, nesta travessia, em nenhum momento, a coerência e o rigor.

 

 

1- Quem acompanha a sua trajetória, verifica nele um começo figurativo, quando ganhou Menção Honrosa no I Salão Estudantil, em 1972, e em seguida, como um processo natural, passa para o construtivismo, a poesia visual, e o conceitual, e a sua pesquisa plástica leva-o ao abstracionismo geométrico e a arte conceitual. Já o poeta, mantém identidades com a poesia concreta e o poema/processo, na sua série de poemas visuais. Há na sua obra como projeto e processo um estudo rigoroso do construtivismo e da arte conceitual? Ela pode ser vista sendo desenvolvida entre a geometria e o conceito? Como e qual foi a sua formação intelectual para este caminho e o que a arquitetura veio a incentivar estes passos? Descreva esta caminhada.

 

– A figura era o exercício do aprendizado na pintura, mas que logo foi se encaminhando naturalmente para a abstração. O processo de geometrização da figura surgiu principalmente do meu contato com a poesia concreta e logo em seguida o poema/processo. Cheguei em Salvador em 1970 para estudar o colegial e fazer vestibular. No colégio da Bahia (o Central) começou meu desvio para a literatura e arte e vontade de descobrir e acompanhar o que acontecia na metrópole, acabei por uma iniciativa pessoal descobrindo a poesia Concreta, o Poema/Processo, o Concretismo, Neoconcretismo e a Arte Conceitual. Entrei na escola de arquitetura em 73. Acompanhei a passagem da vanguarda para o contemporâneo. No meio desse campo minado como um atirador solitário visualizei uma trajetória mergulhado em teorias e leituras, mas sem deixar que o fazer teórico dominasse o fazer prático. A materialidade do trabalhado fala por si.

 

2 – Sua produção se solidifica na materialidade do trabalho como um elemento fundamental para transmissão do conceitual. Para tal, seus trabalhos transitam em várias técnicas e suportes. Este trânsito é que o leva a de um conceitual experimental para uma estética construtivista e conceitual, indo tanto do pictórico ao linguístico em trabalhos entre a bi e a tridimensionalidade, duas ou três cores, e texturas que efetivam o estímulo necessário para estimular o pensamento e provocar a reflexão, como está dito num texto seu? Sua obra segue critérios fundamentados na racionalidade, na materialidade e, não por acaso, na economia de dados, sem deixar que conceitos sobreponham ao fazer artístico, o que sempre o diferenciou do cotidiano da arte contemporânea? Qual o peso de sua arte numa divisão entre o que objetiva as sensações e o pensamento?

 

–  A meu ver, o trabalho de arte é uma tensão entre objetividade e subjetividade, ora você é mais racional, ora é mais emocional. As sensações são filtradas pelo cerimonial da razão. Eu comecei na década 70, era o auge da Arte Conceitual, exigia do artista um domínio intelectual, as informações eram poucas, tudo era mais difícil e vivendo na província, tinha tudo contra mim para desistir, mas sobrevivi. Entre a literatura (poesia) e as linguagens visuais me utilizei de vários suportes sem perder um projeto de fazer arte, a passagem de um suporte para outro não se trata de um corte, mas de um desdobramento. A saída da parede para o espaço não significa uma outra opção estética, seja desenho, poema visual, pintura, escultura, instalação e até mesmo a poesia verbal, eles conversam entre si. É um fazer mais lento e mais reflexivo como um saber específico talvez um pouco distante do cotidiano contemporâneo mais apressado.

 

3 – Na década de 70 temos na sua arte os desenhos em preto-e-branco, objetos e projetos de instalações, essencialmente cerebrais, calcados num procedimento primoroso de tratar questões práticas e conceituais, em sua produção. Nos anos 80 a cor e o espaço. Sem perder seu processo e coerência são criadas suas pinturas, desenhos, objetos e esculturas. Como são propostas nesta linha do tempo, a cada momento, estas suas novas leituras? Há um texto sobre sua obra que fala sobre isto, dizendo que elas ganham uma dimensão lúdica, sem perder a coerência e a capacidade de divertir com inteligência.

 

– A década de 70, situada entre o Ato Institucional nº 5 e a abertura nos anos 80, o fazer artístico era mais conceitual, mais frio, cerebral, exigia muito do espectador, que dizia ser um trabalho hermético e, ao mesmo tempo, de uma ironia sutil. Eu cheguei até em 76 a fazer uma exposição com o título: “O prazer do hermético ou o hermético do prazer”. Anos 80, um novo contexto político, acontece o retorno da pintura, eu mantenho meu projeto, apena faço uso da cor na busca de uma coisa mais lúdica, dissimular um pouco a ideia do hermetismo, a frieza com relação a emoção, com muita sutileza sem deixar de flertar com a razão.

 

4 – Outro texto:  Um poeta da arte, um artista da poesia. Um escultor que trabalha com a cor e com o espaço e um pintor que medita sobre a forma, o traço e a cor no plano da tela. Uma arte que dialoga com certas referências, reinventando novas leituras. Trabalha com o mínimo de elementos pictóricos, duas ou três cores, dois planos, duas ou três texturas, um traço, etc. e vemos uma pintura, um objeto e uma escultura. Algo criativo que menosprezamos ao primeiro olhar, mas logo que somos mergulhados no clima que eles nos impõem, descobrimos alguma coisa de novo. A simplicidade é o ponto de partida que predomina nas suas criações para que o espectador se relacione com sua arte? E o que mais sente predominar neste seu fazer artístico?

 

– Simplificar não é fácil. Diante de uma tela em branco, por exemplo, existe inconscientemente o desejo de preencher aquele lugar, é preciso pensar e olhar o que já habita aquele espaço, marcado com muitas inscrições. A simplicidade é uma opção estética para deixar o espectador lançar nele suas inquietações. A arte sempre depende de quem a olha. Experimentar a linguagem e levar a um limite, somos dominados por ela, vemos o mundo através dela, a artista deve ter um compromisso de propor um outro olhar, um outro relacionamento com o mundo.

 

5 – Sobre as esculturas e objetos: “vontade de interrogar e desafiar o olhar histórico, construídas de planos de madeira pintados, vidro, borracha e encaixados ou articulados através de outros elementos como: elástico, dobradiça, fio de nylon, haste de alumínio, esponja, etc. Se apoiam na parede ou no chão, se relacionam com a arquitetura, uma noção de espaço, construído ou se debruçam sobre seu formalismo como discurso frio que interroga o sensível, a razão, o problema do trabalho de arte. São peças meio tensas, estáticas, sujeitas a movimentos invisíveis ou apresentando um suspeito equilíbrio”. A cor, com seu sentido de sensualidade, é um complemento da sua obra para quebrar a frieza e o depurado? As superfícies monocromáticas, sutilezas de gestos e materiais, aparentemente submetidas a um cálculo, são soluções formais, espaciais e cromáticas? Há um raciocínio lógico na construção de suas peças? E o que há de subjetividade ao lidar com os materiais, as cores e o vazio? Como é feita a escolha de materiais para uma obra? Cada peça resulta de uma solução específica e individual? Há o que de emoção ou sonho ou fantasia neste criar? Muitas destas obras apresentam variações no seu sistema construtivo, mas estão relacionadas entre si, pela concepção e execução. Foram pensadas para interrogar a si mesmo, ao artista e ao espectador?

 

– A obra de arte é uma fantasia e o artista é um sujeito que usa a fantasia para criar problemas que acionam emoção e raciocínio. Quando eu imagino uma escultura penso na escala, na maioria são quase maquetes que podem ser reproduzidas em escalas diferentes para espaços diferentes para o urbano ou para a arquitetura. Trabalho normalmente com planos que se encaixam através de cortes, pinturas que se acoplam e ocupam o espaço. Na tensão entre o plano e o espaço, o poético e o racional. O material pode depender do lugar, madeira ou ferro etc. Outros materiais também são utilizados mais na escala do objeto ou em obras que se localizam entre a escultura e a instalação. Explorar as contradições dos materiais: Mole, dura, resistência, fragilidade ou mesmo apropriação de objetos pré-fabricados.

 

 

6 – O desenho. Repercutido de um texto seu. “Preencher a superfície do papel até tangenciar a profundidade da desordem, inscrever e ressignificar o vazio. Diagramar o espaço e perseguir um sentido à distância. A história do desenho e a emoção. Tratado de semiótica que gira em torno de si mesmo, objetivando um estado de tensão. O olho ri, religiosamente, da sensualidade matemática. Escrituras do silêncio, não falam, mostram, não, nada. Espelhos paralelos a repetir imagens diferentes. Enigmas além da perspectiva. Mapas de regiões geograficamente instáveis. Miragem, abismo, abstração da ausência”. Já pintar, é dito desta forma: “Enfrentar os fantasmas da pintura é escavar a densidade de uma superfície que se apresenta branca, na procura de referências para construir um lugar, mesmo que seja um lugar inacabado, para estimular as reflexões do olhar. A pintura renasce de si, deixando aparecer seus sonhos e rugas, revelando dúvidas e imperfeições, dando forma ao invisível. A cor e o traço vibram e se interrogam como atributos de um suporte que abriga a encenação de uma pintura”. E quanto à escultura, objeto e instalação, diz: “As imagens da leveza e do equilíbrio se inventam, dialeticamente, no processo do fazer e no desafio da mão e da mente em lidar com a matéria, o espaço e os conceitos”. Estes pensamentos sobre seu fazer direcionam que seja artista ou espectador não podemos abrir mão da nossa capacidade crítica e de reflexão? Conceitos descritos sobre a própria obra, você acredita, vão sendo acrescentados ao longo do tempo, como se o ato de olhar e pensar projetasse no objeto de arte novos saberes e novas dúvidas? E qual é a função da arte? Sempre em transformação?

 

– A arte é sempre um problema, não sabemos de fato sua função, para que serve, e se estamos sempre a falar dela, ela existe e basta existir para enriquecer a existência do ser humano. A obra de arte pode ser tudo que você diz e mais alguma coisa. O olhar muda e à medida de novos conhecimentos projetamos novas ideias na obra de arte. O objeto de arte é uma superfície conceitualmente inacabada sempre receptiva a novos enfrentamentos, é uma espécie de tela de projeção e cada geração projeto seus filmes.

 

 

7 – Nas suas investigações para a construtividade as formas geram um saber de signos e de experimentação”. A apreensão do espaço, na sua obra, é uma instância e uma educação? Demonstram uma intencionalidade e fundamenta no encontro linha/espaço determinações lógicas, geométricas, representações e imagéticas?

 

– Linha, plano constroem espaços, abrigos poéticos imaginários apoiados em um saber, uma construção de signos. O olhar é uma forma de saber, de interrogar e de educar. O espaço muitas vezes se forma no olhar e na intenção de quem contempla.

 

8 – “A independência da obra de arte com relação ao repertório de um público, principalmente a partir da modernidade, criou uma expectativa em torno de sua leitura. Hoje em dia, o artista é solicitado a prestar esclarecimentos sobre o significado de sua obra, como se fosse possível alguma tradução verbal. Acredito que isto acontece quando o observador não tem informações que lhes assegurem a compreensão da obra de arte. O homem se protege na linguagem, mas na arte a linguagem é o caminho que leva ao desconhecido, onde o artista pensa imagens para habitar a intimidade do mundo”. Estas palavras são de um texto seu. Creio que não há ninguém melhor para descrever sua arte que você mesmo. Agora vamos a perguntas a partir deste texto: Contemplar uma obra de arte é compartilhar de um conhecimento? É apropriar-se de um conjunto de ideias que pertence a um código secreto, desvelado pelo pensamento do olhar? Cabe a cada espectador fazer a leitura que lhe convém, conforme suas experiências, seu repertório e seus interesses culturais, resultando em definições que se aproximam mais ou menos da natureza da obra? Para finalizar este tema: Uma obra nunca está definitivamente concluída, mas sempre reivindicando novas leituras, em decorrência das mudanças do pensamento? Uma obra não exclui a possibilidade de novos significados que possam ser acrescentados à obra, é sempre um exercício da imaginação dentro de um sistema cultural? Uma obra não encerra nenhuma leitura definitiva? Acredita que uma obra se constitui da relação desses elementos com o espaço e o observador?

 

– O discurso sobre o trabalho serve apenas para fazer uma apresentação com o espectador. Quando a arte tinha como referência o que entendemos como “real”, antes da modernidade, aparentemente era mais fácil sua apreensão. A arte coloca o espectador diante do que mais apavora o desconhecido. É um pensamento visual, do silêncio, um saber secreto compartilhado entre conspiradores. Não sabemos. Especulamos, imaginamos conceitos, com uma única certeza: Não sabemos do que se trata. Conceitos, ideias, verdades pousam e decolam como aviões em aeroportos.

 

9 – “Os esquemas gráficos e conceituais impressionam e propõem diversas leituras ou modelos de apropriação que exigem do espectador uma atenção cuidadosa, para se aproximar do eixo de significações possíveis”. Sua poética atravessa as circunstâncias do meio onde é produzida e dialoga com outros contextos e experimentações. Sua poesia traduz esse princípio de uma poética do mínimo e da leveza. Poucas palavras, versos curtos e soltos, sintéticos, muitos sem títulos e sem floreios. Sua arte e sua poesia representam um outro lado da Bahia e tem como palco a reflexão sobre a própria arte e sobre o estar no mundo? Neste espaço baiano barroco, simplificar as formas e geometrizar a vida, representa qual das Bahias?  De pronto, posso dizer, não é a Bahia, do “sorria”, do “vamos tirar o pé do chão”? Como se efetiva neste seu caminhar no que poderíamos chamar de contramão a um fazer artístico, feito na sua maioria da reprodução do real que da reflexão desta realidade?

 

– O começo, anos 70, era mesmo caminhar na contramão, talvez hoje ainda. Como dizia Oscar Wilde: “Meu lugar é o mundo”. Estamos na Bahia, mas também no mundo. Uma cidade tem seus guetos isolados com suas produções e pensamentos que segue paralelo à cultura dominante, me sentia assim dialogando com a metrópole, acabei conhecendo personalidades de outros centros e ficando amigo de muitos, o que me ajudou a construir uma outra Bahia. Tudo bem hoje. Paguei caro por sair na frente e enfrentar o que era dominante na cultura.

 

 

10 – A palavra mais lida em textos sobre seu trabalho são integridade, personalidade, íntegro e coerente.  Como se sente tendo estas palavras como basilares para compreensão nestes 50 anos de artista visual, escultor, arquiteto, mestre em desenho urbano, poeta? E nesta exposição qual foi o critério de escolha como representação para estes 50 anos?

 

– Bem, são palavras de críticos, curadores etc. que observam o percurso do meu trabalho. Sinto que não foi em vão a dedicação ou o desvio para me ocupar com o fazer artístico. Para esta exposição optamos por apresentar trabalhos dessas 5 décadas em diferentes suportes possíveis para mostrar o conjunto sem seguir uma ordem cronológica e sim associações conceituais.

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