A Fundação Pierre Verger e a Paulo Darzé Galeria apresentam dia 17 de julho, terça-feira, das 19 às 22 horas, a exposição Entre Bahia e África, com mostra de 55 fotos, e o lançamento de uma nova edição do livro Orixás, Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo, obras de Pierre Verger.
O livro
A nova edição do livro Orixás, Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo, de Pierre Verger retrata os cultos aos deuses Iorubás nos países de origem, como Nigéria, ex-Daomé – atual Benin, e Togo e no Novo Mundo (Brasil e Antilhas), para onde os rituais foram trazidos quando da diáspora negra, durante o tráfico de escravos. A publicação traz 250 fotos e textos destacando as cerimônias, as características de cada orixá, além do descritivo dos arquétipos da personalidade dos devotos dos respectivos orixás. Esta nova edição traz um prefácio assinado por Mãe Stella de Oxóssi, do Axé Opô Afonjá.
“Escrevi o oriki que segue abaixo em janeiro de 2018 e em fevereiro do mesmo ano recebi o convite para escrever o novo prefácio deste livro tão importante: Orixás. Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo”.
“Oportunidade única de louvar todos que se sacrificam em ter uma vida longeva, a fim de contribuir para o aprimoramento do conhecimento e do processo civilizatório, como é o caso de Pierre Verger, que só deixou o corpo físico aos 93 anos, após entregar à humanidade um legado de valor incalculável composto por suas fotografias, seus livros e suas pesquisas. Mas como dizem: os homens vão e as obras que importam ficam”.
“Então, diz o oriki em yorùbá: Àgbà rì bá gbà ìgbà; Àgbà rì kó. Àgbà rí gbà bá bà. Àgbà rí rí wà àgbá. Àgbà ààrín bá bá ögba. Àgbá rí kó. Àgbà rìn bàbà bà. Bà bà iwin ara agara, que significa o seguinte em português: A pessoa mais velha, que tem maturidade, nunca se esconde, ela aceita seu tempo de vida. A pessoa mais velha, que tem maturidade, nunca se precipita. A pessoa mais velha, que tem maturidade, nunca foge, ajuda em sua própria ascensão. A pessoa mais velha, que tem maturidade, nunca se encontra dividida em pequenas partes, ela é inteira. A pessoa mais velha deve ter maturidade suficiente para atingir seu centro e encontrar o equilíbrio. Ela deve ser inteira e nunca amadurecer em demasia, a ponto de se tornar rígida e apegada. A pessoa mais velha, que tem maturidade, inclina-se para viajar como um pássaro, ela inclina-se e ascende, pois seu corpo e seu espírito estão exaustos”.
“Desta forma, inclino-me em reverência ao sacrifício (hoje conhecido por mim) na vida vivida por Pierre Verger. Inclino-me também para pedir desculpas públicas pela implicância que tinha com a insistência dos que gostavam de conhecer e descobrir os segredos do candomblé e tornar público uma parte deles. Sinceramente, quando jovem não gostava de vê-lo conversando horas com minha Mãe Senhora. Pensava (como hoje pensam sobre mim) que ele se aproximava dela apenas para fazer uso de seus conhecimentos. Mas hoje sei que uma Iyalorixá nunca se permite ser usada e, muito menos, usar alguém. Ela apenas recebe e acolhe a orientação dos orixás para fazer alianças que possam vir a contribuir com o caminhar da humanidade”.
“Assim, fico feliz por ter tempo e oportunidade de rever opiniões e pedir desculpas a Pierre Verger pela minha impaciência e então ignorância, por não entendê-lo na época. Mas hoje sei que ele nos deixou através de seus livros uma inesgotável fonte de pesquisa, que muito me serviu também e deu para mim a oportunidade de inclinar-me perante a obra e a pessoa de Pierre Verger”.
“Gostaria até de poder escrever este texto por completo no idioma yorubá, pois, com o passar da idade a língua ancestral flui cada vez mais facilmente. Escrevê-lo em português, entretanto, é um desafio. Por favor, não se esqueçam de que já estou com 92 anos. Sim, sou velha, muito velha. Mas, mesmo velha, ainda estou no planeta Terra. Lembro que o autor do livro Orixás também teve a glória de ficar na Terra por 93 anos para poder cumprir sua missão com galhardia (palavra antiga!). Assim, o homem foi; mas a sua obra fica!”.
Trajetória
Pierre Verger nasceu em Paris, França, no dia 4 de novembro de 1902. Em 11 de fevereiro de 1996 faleceu em Salvador, Bahia. Aos 30 anos inicia na fotografia e nas viagens. Com o falecimento de sua mãe, sua última parenta viva, Verger decidiu se tornar naturalmente um viajante solitário e levar uma vida livre e não conformista.
De dezembro de 1932 até agosto de 1946, foram quase 14 anos consecutivos de viagens ao redor do mundo, sobrevivendo exclusivamente da fotografia. Negociava suas fotos com jornais, agências e centros de pesquisa. Fotografou para empresas e até trocou seus serviços por transporte. Paris, então, tornou-se uma base, um lugar onde revia amigos e fazia contatos para novas viagens.
Trabalhou para as melhores publicações da época, mas como nunca almejou a fama, estava sempre de partida: “A sensação de que existia um vasto mundo não me saía da cabeça e o desejo de ir vê-lo me levava em direção a outros horizontes”, afirmou ele.
As coisas começaram a mudar no dia em que Verger desembarcou na Bahia. Em 1946, enquanto a Europa vivia o pós-guerra. Foi logo seduzido pela hospitalidade e riqueza cultural que encontrou na cidade e acabou ficando. Como fazia em todos os lugares onde esteve, preferia a companhia do povo e dos lugares mais simples.
Os negros, em imensa maioria na cidade, monopolizavam a sua atenção. Além de personagens das suas fotos, tornaram-se seus amigos, cujas vidas e história procurou conhecer com detalhes. Quando descobriu o candomblé, acreditou ter encontrado a fonte da vitalidade do povo baiano e se tornou um estudioso do culto aos orixás. Esse interesse pela religiosidade de origem africana lhe rendeu uma bolsa para estudar rituais na África, para onde partiu em 1948.
Foi na África que Verger viveu o seu renascimento, recebendo o nome de Fatumbi, “nascido de novo graças ao Ifá”, em 1953. A intimidade com a religião, que tinha começado na Bahia, facilitou o seu contato com sacerdotes e autoridades e ele acabou sendo iniciado como babalaô – um adivinho através do jogo do Ifá, com acesso às tradições orais dos Iorubás.
Além da iniciação religiosa, Verger começou nessa mesma época um novo ofício, o de pesquisador. O Instituto Francês da África Negra (IFAN) não se contentou com os dois mil negativos apresentados como resultado da sua pesquisa fotográfica e solicitou que ele escrevesse sobre o que tinha visto. Começa a escrever artigos junto com as fotos devido ao seu interesse pela cultura afro-baiana e a origem desta nos países africanos do Golfo do Benim. Acabou se encantando com o universo da escrita como fruto de suas pesquisas e não parou nunca mais.
Apesar de ter se fixado na Bahia, Verger nunca perdeu seu espírito nômade. A história, os costumes e, principalmente, a religião praticada pelos povos Iorubás e seus descendentes, na África Ocidental e na Bahia, passaram a ser os temas centrais de suas pesquisas e sua obra.
Passa a viver como um mensageiro entre esses dois lugares: transportando informações, mensagens, objetos e presentes. Como colaborador e pesquisador visitante de várias universidades, conseguiu ir transformando suas pesquisas em artigos, comunicações e livros. Em 1960, comprou a casa da Vila América.
No final dos anos 70, ele parou de fotografar e fez suas últimas viagens de pesquisa à África. Em seus últimos anos de vida, a grande preocupação de Verger passou a ser o de disponibilizar o seu estudo e pesquisas a um número maior de pessoas e garantir a sobrevivência do seu acervo. Na década de 1980, a Editora Corrupio cuidou das primeiras publicações no Brasil. Em 1988, Verger criou a Fundação Pierre Verger (FPV), da qual era doador, mantenedor e presidente, assumindo assim a transformação da sua própria casa na sede da Fundação e num centro de pesquisa com a tarefa de prosseguir com o seu trabalho.