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Hildebrando de Castro

Opening
30 de April de 2024

Schedule
19h

Exhibition
02 de May a 01 de June

Sorry, this entry is only available in Brazilian Portuguese.

Encontrar o mundo pelas frestas e relevos
Texto de Bianca Coutinho Dias

 

Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego.
(Chico Buarque de Holanda)

A trajetória múltipla de Hildebrando de Castro encontra solo no desenho e na pintura realista, mas segue em decantação por retratos e cenas cotidianas, chegando na arquitetura e na geometria como um exercício de redução máxima. O fino diálogo do artista – um processo de transformação contínua entre luz e sombra – culmina na exposição Construção. O que se apresenta agora são estruturas que abordam proporção, composição e simetria, mas o sentido conferido às obras é de desmontagem de imagens prontas, em que diferentes experiências do olhar podem ser inscritas.

O olhar do artista se abriu às paisagens arquitetônicas urbanas em uma viagem feita em 1998. Assim ele descreve: “Quando olhei Brasília pela primeira vez, tudo era fascinante e grandioso. Parecia uma cidade futurística perdida no meio do Brasil. Fui hipnotizado pela luz que batia na fachada do prédio do anexo da Câmara dos Deputados, um prédio do Lúcio Costa, todo em tom de ocre que se multiplicava com a luz que batia sobre as persianas de brise-soleil que cobriam toda a fachada do prédio”.

Em Brasília, Hildebrando capturou um enigma que, por anos, atravessou seu trabalho. Agora, os encontros no espaço são revirados e decantados. Esse ponto de partida – e de assombro – é fulcral para o que se revela em Construção: não há encontro no espaço que não seja revirado pelo olhar. Não há luz ou reta que não diga também de um lugar hiperbólico ou de perplexidade. Não há luz sem sombra, e é sobre e sob esta premissa que, na série de pinturas e relevos expostos, o artista utiliza composições geométricas extraídas de recortes da arquitetura e constrói uma obra que, além da representação, cria uma espécie de vertigem entre o bidimensional e o tridimensional.

No encontro com a cidade, as persianas foram fundamentais. Utilizadas nas janelas para regular a luz e a ventilação, eram os elementos de abertura do campo do olhar para os desenhos que se formavam na fachada e refletiam sombras, tons e nuances. O simples movimento de abrir e fechar persianas despertava a dimensão do alumbramento diante de diferentes composições cromáticas. Os tons de ocre e outras variações de cor revelam o que os urbanistas indicam como usos possíveis para o espaço projetado, mas aqueles que o experimentam no dia-a-dia é que os atualizam.

Paola Berenstein, arquiteta e ensaísta que estuda espaços urbanos e corpografias, assinala: “São as apropriações e improvisações dos espaços que legitimam ou não aquilo que foi projetado, ou seja, são essas experiências do espaço pelos habitantes, passantes ou errantes que reinventam esses espaços no seu cotidiano”. Hildebrando de Castro reverbera a tese de Paola, que ensina que, no momento em que a cidade é experimentada, é que esta também se inscreve como ação perceptiva e, desta forma, sobrevive e resiste. Com suas pinturas, ele revela uma geografia afetiva e subjetiva inspirada nas cores dos prédios modernistas de Brasília: ocre, vermelho, amarelo, verde-água, cinzas-azulados e a junção de cores, atravessadas pela luz e por seus recortes e variações.

No livro “A invenção do cotidiano”, Michel de Certeau diz daqueles que experimentam a cidade e fazem resistência ao processo de espetacularização e ao empobrecimento da experiência na contemporaneidade. Os artistas seriam aglutinadores desse exercício radical e errante, necessário para a subversão do olhar, experiência que convoca um caráter corporal e sensorial como bem nos revela Hildebrando em uma fina criação que insiste na particularidade sensível da experiência, à maneira de outros grandes artistas – e aqui podemos citar Helio Oiticica, Cildo Meireles, Gordon Matta-Clark e Michael Wesely,  outros – que olharam, pensaram o espaço, trabalharam com intensidades diversas e criaram, cada um à sua maneira, relevos, texturas, espessuras, presenças e corporeidades múltiplas.

O espaço ressurge pelos olhos e pelo gesto do grande artista, como uma reinvenção da ideia de sujeito e do estatuto da imagem que se presentifica em composição e sinfonia, paisagem e subjetividade, burburinho e silêncio, que pode acontecer pelas frestas, pelo abrir e fechar de uma janela. Hildebrando depura o inefável e faz surgir daí parte da constatação poética de que é a luz quem desenha a sombra. Não há sombra sem luz e, a partir dessa ambiguidade e mistério, o artista nos oferta seu alumbramento e assombro, a cada tela e a cada aparição.

As criações, em estado de decantação máxima e abrigado na poesia das cores, trazem a fineza do registro de uma experiência vívida da cidade, uma espécie de grafia urbana inscrita no próprio corpo do artista e no de quem, através de um trabalho primoroso, também a experimenta. Sua pintura abriga desvios, linhas de fuga, uma micropolítica do olhar que nos convoca a desafiar o imediatismo do excesso de imagens, como propõe Evgen Bavcar ao lembrar que devemos superar a ditadura do visível e, com isso, oferecer a possibilidade do invisível. Segundo Bavcar – um fotógrafo que, mesmo cego, ao capturar as sutilezas da luz, da sombra, dos sons e do silêncio – “há que se dispor a vigiar a noite para que a aurora nos apresente o batismo do inédito, a possibilidade de reinvenção de uma visibilidade outra”.

Justamente aí reside a complexidade da construção de Hildebrando: um chamado ao que dá vida, e do cotidiano quase nos escapa, mas que pode se dar como acontecimento epifânico, na medida em que nos abrirmos a encontrar o mundo pelas frestas e relevos.

 

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