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Daniel Senise

Opening
02 de December de 2008

Schedule
19h

Exhibition
03 de December a 04 de January

Sorry, this entry is only available in Brazilian Portuguese.

Agnaldo Farias
“(…) O artista é aquele que opera na linguagem. Para tanto, pensando seu trabalho como fonte de proliferação de sentidos, Senise faz de suas telas a encruzilhada de signos e temporalidades. A superfície branca de tecido perde sua condição de território ideal, um quadrilátero de pureza e silêncio, para ser paulatinamente povoada por uma atmosfera nublada, com manchas e fragmentos da matéria, campo fértil para a floração de imagens isoladas, nítidas ou difusas; imagens xifópagas, que nascem da combinação com objetos encontrados – de uma vasilha de metal a uma maçaneta de porta ? ou que simplesmente convivem com eles. Imagens extraídas de uma tela antiga e cultuada, ou não, retiradas de um outro lugar qualquer, uma fonte ordinária, daquelas que, em princípio, vemos com indiferença. Imagens de significado unívoco ou que se ampliam em face do trabalho da imaginação daquele que as contempla. Como não há pureza possível, essas telas ao mesmo tempo em que são pintadas, procedimento que o artista pratica com freqüencia cada fez menor, podem ser igualmente decalcadas, raspadas, esfregadas, coladas de cara para o chão, deixando que nelas se grudem os detritos espalhados por ele.”

Tal como as cifras e siglas do seu título, o próprio trabalho evoca pequenos segredos, convoca decifrações, e se revela em camadas de remissões entre a representação fotográfica e os diversificados signos aí inseridos.

Recurso de questionamento da representação clássica da realidade introduzida no início do século 20, em variadas estratégias poéticas, a justaposição dos mais díspares elementos permitiu novos espaços plásticos como os planos suplementares do espaço cubista (que Greenberg assinala como “confusão e vai-e-vem entre superfície e profundidade”); ampliou o processo de construção de significações imagéticas, e aproximação da arte e vida. E permanece como um dos meios operatórios no atual trânsito entre diferente suportes e linguagens.

Daniel Senise, neste conjunto de trabalhos, iniciados em 2005, inverte de certa maneira as prerrogativas da colagem, fazendo da fotografia o depositário de coisas do mundo, criando aí também vai-e-vens entre pintura e fotografia, entre o fotografado e seu próprio referente, entre suas escalas. No seu processo de trabalho, a relação com o dispositivo fotográfico vem sendo, a meu ver, um dado imanente das suas pinturas, apropriando-se e operando eventos que acontecem no ateliê e outros espaços onde trabalha, como os atuais, no Rio e em Nova York, indicados no título. Abolindo a pincelada pessoal, a tela torna-se, como diz, “testemunha de um evento”, transpondo texturas e formas, em que margens são deixadas aos acasos. “O que se arranca e transpõe do ambiente do atelier como ‘fundo’ e ponto de partida da obra é a própria matéria do mundo impregnada num corpo, a pintura. A superfície será, então, o próprio abismo”, assinala Paulo Herkenhoff.
Impregnação da pintura com a matéria do mundo, fazendo uso das palavras do crítico, que estabelece variados laços com o dispositivo fotográfico e sua reação instantânea à informação luminosa: corte na duração e recorte do espaço.

Investindo na multiplicidade de significados conexos e complementares da relação entre a presença que “aconteceu”, como evento – e assim guardando analogias com o dispositivo da fotografia -, e o “acontecer” próprio ao mundo que a pintura convoca, o trabalho de Daniel Senise vem construindo grandes e intricados espaços virtuais em laboriosas justaposições e reorganizações de recortes de telas impregnadas em seus ateliês, nas quais a continuidade com o mundo é um horizonte poético – assegurando, porém, a simultaneidade enquanto temporalidade.
Mais recentemente o processo tem se dado em outros espaços distintos do ateliê, na Lapa ou em Nova York. Espaços precários, semi-abandonados. Espécies, contudo, de extensão do que em outra ocasião Senise definiu como “parte do problema” das situações de embate do seu trabalho com o mundo. Espaço sempre evocado e atualizado em sua reconstituição como pintura.

Nestas séries, os próprios lugares são trazidos nas imagens dos fotógrafos Thiago Barros e Fernando Laszlo, com angulações que se querem reveladoras do espaço – algo próximo às fotografias dos grande planos arquitetônicos apresentando chãos e tetos.
Nessa conformação espacial, o lugar de atuação, em princípio invisível, é redefinido em local de experiência, como algo que está aqui e agora pela coexistência de detritos do chão, de fatias de telas impregnadas, de madeiras e outros elementos no próprio corpo das imagens fotográficas. Ora reforçando seus planos fictícios, ora rompendo a lógica da profundidade pela criação de relevos, criam variadas situações a partir, por vezes, da mesma série.

Trazendo diversificadas relações estruturais com sua pintura, particularmente no diz respeito ao ambiente de registro dos fragmentos do chão de onde as matérias e formas são descoladas, essa série remete à presença do ateliê ao longo da história da arte, com suas significações e importância nas transformações de linguagem. Entre outros, são exemplares o célebre L’atelier du peintre de Courbert, em que o meio de arte de seu tempo é representado revelando as novas concepções da arte que então se operavam; os ateliês de Mondrian que se figuravam como prenúncio de uma arte futura; ou ainda o ateliê de Brancusi no qual a mobilidade dos elementos fixados por ele em surpreendentes clichês, visava afirmar a relação entre obra e seu contexto de inscrição.

Mesmo relegado ao papel de depositário de arquivos diante da supremacia acordada ao projeto pela arte conceitual, a singularidade desse local de trabalho se inscreve nas estratégias poéticas. No caso de Daniel Senise, seja partilhando com outros artistas, mantendo dois ateliês como no período em que residiu em Nova York, esse espaço sempre se configurou “parte do problema”, como referido acima: “o modo como trabalho é resultado de uma imersão no ateliê, uma saturação” , diz o artista.

34-01 38 AVE, LIC / S.R. 34, RJ / W.L. 140, RJ ao revelar o espaço de configuração do seu processo pictórico, ao mesmo tempo, constituindo o seu próprio universo, talvez inaugure uma nova relação do artista com a imagem, reiteradas vezes por ele indicada, desde sempre, de grande atração – mediada, porém, na sua trajetória, pela pintura. Ao se inscrever em uma nova imagem como reprodução, as marcas e relevos dos objetos anexados transformados eles mesmos em imagens, indicam a resistência do trabalho à perda de sua corporalidade, mas também uma certa alforria de e enquanto imagem.

Sua trajetória começou nos anos 80, sua primeira individual foi em 84, na Escola de Artes Visuais do Parque Laje, no Rio de Janeiro. Este momento é colocado como da retomada pintura. Disto surge a primeira pergunta: deste marco inicial onde há ainda tinta e pincel, o que há dele no seu desenvolvimento como pintor na sua pintura hoje?

Em 1986 eu resolvi não mais deixar a marca da pincelada na tela. Achei que a marca da pincelada atrapalhava o que eu começava a definir no meu interesse em pintura. Considero que todo o desenvolvimento do que faço é relacionado à pintura.

A sua trajetória levou-o a outras significações, a experimentações de técnicas e processos. O que o motivou a percorrer este caminho e quais, se for possível, as modificações mais importantes ou significativas que você veio a realizar ou está realizando?

A experimentação de outras formas de tratar a superfície veio vinculada ao desejo de fazer uma pintura que ainda tivesse alguma relevância nos dias atuais. Eu usei como base uma das principais conquistas do modernismo: a presentificação da tela como um objeto, e não mais como uma superfície neutra, passiva. Isso decorreu em experimentações com materiais. Junto a isso, tentei reforçar uma característica da pintura, embora de pouco relevo em certos momentos do modernismo. Acredito que seja a sua base mais irredutível, que é a tematização de questões perenes, o mistério da existência etc.

Neste caminho da sua pintura, você vem realizando um vocabulário próprio e bem definido nas cores e no tratamento da superfície da pintura, como a de uma definição monocromática. O que o leva a esta escolha das cores?

A cor é em geral decorrente dessas superfícies que imprimo. Embora meus trabalhos sejam sempre figurativos, a representação é sempre feita através de materiais, e não tinta. Isso impede uma representação naturalista. Ao mesmo tempo, eu prefiro representar o fragmento, o resíduo, ou o espaço não ocupado, as superfícies. Isso em geral usa uma paleta reduzida.

 Na sua pintura há um repertório temático, tais como o interior de espaços arquitetônicos, motivos religiosos, os ateliês, mas, mesmo se reconhecendo temas, como você sente a sua pintura sendo vista como uma pintura que discute em primeiro plano os aspectos intrínsecos da própria pintura?

Os motivos religiosos e alguns espaços arquitetônicos que usei, na verdade, foram composições apropriadas de outras pinturas. Eu acredito que um autor ao escolher uma linguagem para se expressar, ao mesmo tempo em que conta a sua história através dessa linguagem, deve usá-la criticamente, discuti-la, ampliar suas possibilidades.

Ainda continuando na temática, apesar de ser vista como uma pintura que discute a pintura, sua obra pode ser considerada narrativa. Através dela você conta histórias, registra espaços, extrai impressões. Como você vê que, mesmo sendo uma pintura de contexto próprio, sua obra, longe da sociologia ou arqueologia ou da psicanálise, apenas por suas imagens, ser tão plena de significações?

Como disse anteriormente não pretendo falar da pintura. Meu desejo é recuperar uma de suas funções mais claras até o modernismo, que é tratar de questões humanas. Mas de uma forma que somente possa ser feita através da pintura. Posso dizer que tento pintar uma paisagem contemporânea

Ainda continuando no tema, há no seu trabalho as figuras e objetos como representação. Um quadro, para você, é um objeto em si mesmo? Pintura é imagem?

Pintura é um objeto, pode ser mesmo um espelho, e, ao mesmo tempo, é uma janela.

 Suas telas nos passam uma composição e um equilíbrio de proporções, uma simetria, mas na sua realização sabemos que há uma ordenação de materiais, um jogo que você estabelece com os materiais, a transformação destes, os seus resíduos, a impressão na pintura. Pode-se considerar o deflagrar inicial do trabalho, nesta delimitação espacial, algo que você age diretamente, e na escolha de quais materiais para os seus vestígios?

A definição das composições está sempre em algum nível relacionada ao material que está sendo usado. A ideia é que esse material, mais ao que é representado, seja o fundamento para a leitura da obra.

 Sua obra nos deixa ver uma produção de signos visuais, uma abstração e uma representação, uma tensão do fundo versus imagem, experimentação e tradição, passado e presente. Neste contraste, é que temos uma poética, linguagem visual e visualidade de Daniel Senise?

Uma obra se constitui plenamente na cabeça do espectador. Considero importante que, enquanto falo de outras coisas não necessariamente relacionadas à estrutura da arte, estar também discutindo a linguagem, no caso, a pintura.

Para a realização desta poética, o seu processo de criação traz uma apropriação, uma representação e um imaginário, e já foi dito como uma pintura que evita a “pintura”. Como é realizado este seu trabalhar de uma poética com a tela, o campo espacial desta, as incorporações, as texturas advindas disto?

O trabalho se desenvolve em um território onde a pintura é o filtro de aproximação para se tratar das coisas da vida. Não há um processo definido. Em muitos casos, o material indica o que deverá ser feito.

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