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Caetano Dias

Opening
20 de April de 2010

Schedule
19 às 22h

Exhibition
21 de April a 15 de May

Trabalhos em vídeo, fotografia digital, objetos e instalações multimídias estavam na exposição de Caetano Dias. Considerado pela crítica nacional como um dos mais importantes artistas surgidos nos últimos anos na Bahia, o catálogo da mostra trouxe textos assinados por Stella Carrozzo, André Parente, Eric Corne, Jacopo Crivelli, Josué Mattos.

Caetano Dias vem recolhendo apreciações críticas das mais importantes, onde se destaca, entre outras, a de Denise Mattar: Caetano opta pela tessitura da matéria que ele vai habilmente adensando até fazer dela um corpo. Algumas vezes esse corpo se torna tão presente que se abre em feridas, feridas dentro das quais entrevemos cores vivas, meio em segredo…. Sua obra é aparentemente contida, seus tons suaves, mas dentro dessa suavidade podemos ouvir um grito silencioso, um grito que nos desperta para nossa condição humana. A de Risoleta Cordula, Sua palheta sensível e elegante caracteriza-se por todas as gamas de cores quentes com uma predileção.

Fazem parte desta exposição, os vídeos: 1978 – Cidade Submersa, que mostra a relação de um pescador com as lembranças da sua antiga cidade. Trata-se de um documentário sobre alguém que navega e pesca sobre as próprias memórias e com sua saudade tenta encontrar o passado. É um documentário sobre o desaparecimento do real que migra em direção ao mítico.

No vídeo Águas, um homem nada continuamente em direção ao nada; encontra um barco e indo a bordo da pequena embarcação, começa a enchê-la com o mar, até ser tomado por toda a água. Tudo isso transcorre num clima quase irreal. O tempo e o homem no mar, em tempos antagônicos. O mar humano, desacelerado, lento. O tempo além mar, acelerado, vertiginoso. Esses dois tempos paralelos realçam a ideia da impermanência humana frente à atemporalidade da terra, do universo, uma relação metafísica entre tempos.

Na vídeoinstalação Passeio Neoconcreto, uma imagem filmada em 2005 apresenta um homem que permanece submerso dentro de uma poça d’água em uma calçada, quase fragmento de espaço urbano e que lida com o sentido de aprisionamento, latência, quase em suspensão.

O vídeo O Mundo de Janiele, começa por mostrar uma menina adolescente girando muito sutilmente tendo como fundo o azul do céu. Não sabemos o que faz o corpo da menina balançar até vermos que ela brinca de bambolê. O giro do bambolê é complementado pelo giro da câmera, que faz o mundo girar ao redor da menina. No início, trata-se de um movimento em contre-plongée, que pouco a pouco vai descortinando o mundo de Janiele: uma favela na periferia da cidade da Bahia (como se dizia antigamente quando nos referíamos a Salvador). A música é o som de uma caixinha de música, de forma a criar um contraste entre o sonho de criança e a dura realidade do mundo a qual ela pertence. Sobre este vídeo disse André Parente: “Poucos trabalhos nos sensibilizaram tanto ultimamente, pela sutileza como miséria e beleza se misturam em uma realidade que é a nossa, quando nós nos dispomos a vê-la como se a víssemos pela primeira vez.”

Nas series fotográficas ConstruçãoÁguasSubmersoPassagem e Instáveis, há uma tentativa de mapear a casa, o jardim, o passeio, lugares de memórias, onde, ainda quase se pode imaginar o latejo humano. Nestas series, o artista vai a busca da arquitetura residual de terra e mar, ou do que está entre eles. Em Água Invertida I e II, dois reservatórios de água no centro de um imenso lago aparecem vazios de água e de sentido e justamente por estarem tomados por tanta água ao seu redor, esses reservatórios são índices de uma topografia submersa.

Sua obra inscreve-se na esfera dos assuntos humanos, na esfera política, eixo fundamental de sua obra. Transverso é o corpo, a memória, o tempo e o espaço, que se apresentam sob um olhar crítico (mas não por isso menos delicado) e revelam-se em silencioso protesto, temas que se transformam, tornam-se duplos, apresentam-se constantemente imbricados, e nesse movimento traduzem a preocupação do artista e seu desejo de transformação do mundo. Política e poesia, afecto e percepto, razão e emoção: este jogo dialético nos atinge, conscientizando-nos do poder da obra, e nos transforma, conduzindo-nos a uma participação ativa, consciente, reflexiva, engajada.
Stella Carrozzo

Caetano Dias opera com uma grande multiplicidade de meios – pintura, escultura, fotografia, vídeo, instalações, intervenções urbanas e muitos outros objetos e ações indeterminados –, o que sem dúvida dificulta a tarefa da análise de sua obra. Na verdade, poderíamos expressar essa questão dizendo que se trata de um artista multimídia. Mas esse termo se desgastou enormemente, com o surgimento da arte digital e das novas tecnologias da imagem. Na verdade, Caetano é muito mais do que um artista multimídia, ou melhor, de um artista que faz do meio um fator determinante. O meio é a condição de possibilidade da obra, não seu fim, ao contrário de muitos artistas de hoje, que adotam, ainda que de forma inconsciente, o lema de McLuhan: “o meio é a mensagem”. Contra uma certa autorreferência tecnológica, Caetano prefere dispor dos meios em função dos problemas que trata. Caetano não faz vídeos porque não sabe pintar ou esculpir, nem tampouco porque acha que a multimídia é um meio mais evoluído (na arte, as mudanças de paradigma não implicam em uma evolução), mas porque o vídeo lhe serve muito bem como meio de expressão. Na falta de um meio mais adequado, Caetano é capaz de inventar seus próprios meios, dispositivos que ele mesmo inventa, a partir de convergências inusitadas.
André Parente

O primeiro e último planos do vídeo Fazendo Água (2010) se confundem propositalmente: em ambos os casos o que vemos é a imagem do mar. E da mesma forma que é incerto distingui-los, é improvável identificar o local onde foram capturadas as imagens. De fato, o que importa, antes de tudo, é perceber a maneira com a qual Caetano Dias conjugou a coexistência de tempos paralelos, cada um associado a espaços e existências diversas. Assim, ao avistar o céu vertiginoso acima do horizonte, o olhar do espectador se divide e é confundido pelos movimentos calmos e repetido das águas do mar. Um tempo décalé em relação ao calmo ritmo das águas e ao violento das nuvens marca as braçadas de um homem, que avança lentamente até encontrar um pequeno barco, sobre o qual ele parece controlar o que está ao seu redor.

Josué Mattos

Os olhares dos moradores, parados nas portas e janelas de suas casas para ver a inusitada cena, são atentos, divertidos e vagamente perplexos; uma velha desdentada ri. Os homens empurram a escultura ladeira acima, por entre as casas simples de tijolos aparentes, assentados numa argamassa pedrosa, pilares de concreto armado também à vista, e em frente à fachada a tal ladeira, de uma terra vermelha e aparentemente seca, mas fértil, porque nela cresce, aqui e acolá, uma grama verde e teimosa. E a escultura não destoa, no meio dessas casas simples e dessa terra: apesar de sua consistência ser outra (ela é feita, basicamente, de madeira e cimento), as cores se confundem, ou, melhor, se fundem, com o entorno, o que não é, certamente, por acaso. Segundo Caetano, de fato, as esculturas da sérieConstrução (2005-2006) são quase casas: são como pequenas favelas feitas para rolar, como barracos, arranjos de moradia. São esculturas sem posição, sem lugar e sem rumo. E os homens entenderam perfeitamente: o lance é empurrar a escultura ladeira acima, em um esforço sisifico que visa apenas deixá-la, depois, rolar ladeira abaixo, até o fim da descida. Se, ao longo do caminho, encontrar algum obstáculo, pular, quebrar, rebentar seu esqueleto cansado de material de demolição na fachada de uma das casas e parar por aí, tudo bem também: sempre foi uma escultura sem lugar e sem rumo, mesmo… (por sorte, ela acaba sobrevivendo: vai ver que seu jeito desengonçado, desequilibrado quase caindo, fazia-a parecer mais frágil do que ela realmente é).
Jacopo Crivelli

Caetano Dias trata também da cultura (chamada) popular, sua obra se apossa do sincretismo tanto artístico (não será a POP ART um sincretismo estético?) quanto religioso, como o candomblé (associando o animismo Yoruba do Benim ao catolicismo). O artista conserva assim o enigma de toda criação seja qual for o seu destino: estético, totêmico ou religioso. Por isso, em um grande número de suas obras, ele mescla a sensualidade e a espiritualidade, o paganismo e a religiosidade, a doçura e a violência, o arcaísmo e a modernidade. Pelas suas esculturas e seus vídeos ele encena a vulnerabilidade do corpo tornado simples clichê do mundo da mídia, da religião ou da tradição. Ele trabalha a partir da percepção, da natureza e da combinação do que ele percebe nas relações humanas. O corpo figurado ou corpo com seus entraves irônicos, como estes muros construídos em açúcar de cana que ele instala nas favelas; ele inscreve aí uma delimitação derrisória e comestível de um espaço sem realidade administrativa, como são as favelas. Caetano Dias sublinha os valores das verdades política, histórica, social, religiosa ou estética para contestá-los. Estas entidades que ele levanta, traduzem seu compromisso para revelar a passagem e os limiares de demarcação entre o público, o privado e o íntimo, a constituição do indivíduo e da comunidade.
Eric Corne

O início de sua carreira artística é marcado pela intervenção urbana, com realização de pinturas em espaços públicos em Salvador. Atualmente, sua obra não privilegia um suporte ou técnica; trabalha com vídeo, pintura, obras tridimensionais, instalação multimídia e fotografia digital, performance. Seu trabalho tem refletido as relações entre corpo e identidade, memória e pertencimento, tornando estes alguns dos principais eixos da sua pesquisa na arte. Caetano Dias reitera o caminho de Caetano Dias – o de uma pintura essencialmente da cor sobre a cor, além do gesto, agora bem marcado, incisivo, que vibra na busca de uma arte que vai retirando da própria cor a paisagem crua da sua superfície sem acessórios, sem enfeites, num fazer cada vez mais essencial, não só pelo pleno domínio de sua técnica, mas por uma beleza instigante extraída de sua própria realidade. É uma pintura corpórea, pintura que existe pelo seu próprio ato da criação, agora realizado conjuntamente com múltiplos meios, onde inserem ou integram marcas, e com isto expõem sua atitude criativa diante do fazer e refazer, deixando que ao espectador caiba a decisão do que visualizar, desde que o seu olhar saiba ver, ou entender, a construção desta linguagem. É considerado pela crítica nacional como um dos mais importantes artistas surgidos ultimamente na Bahia.

Nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 1959. Vive e mora em Salvador, Bahia. Começou a expor individualmente a partir de 1989. Tem participado de exposições importantes representando a Bahia e o Brasil, como XVIII Festival de La Peinture (França), The Brazilian Northeast Festival Contemporary Art (Portugal), Feira Internacional de Arte (Estados Unidos). Entre individuais e coletivas realizou mostras no Brasil – Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Olinda, João Pessoa, Belém, Brasília, Feira de Santana, Recife, Santos, São Félix, Curitiba –, e no exterior – Nova York (Neuhoff Galery), Paris (Galerie Vivendi), Havana (Casa das Américas). Sua obra foi premiada no 16º Festival de Arte Contemporânea Sesc/Videobrasil (2007) com residência no Le Fresnoy, em Tourcoing, França.

1) Sua pintura sempre corporificou a cor, através da inserção de ranhuras e entranhas sobre o espaço da tela, formando com isto sugestão de imagens fósseis, plantas etc. Permanece a sua pintura percorrendo este caminho?

Não somente a pintura, mas em tudo mais que eu tenho produzido. O vídeo e a fotografia, de certa forma, passam por estas mesmas questões da cor e de imagens residuais; o que chama de fósseis prefiro chamar de imagens residuais, são fósseis do presente. Continuam a aparecer, sim, na pintura, mas principalmente têm aparecido em fotos, vídeos e instalações, como no caso da “Casa de Cupim”, em que transformo um cupinzeiro em um fóssil de casa humana, ou fóssil de arquitetura. Ou mesmo entregar livros importantes para a humanidade para que os cupins os reescrevam.

2) Outro dado da sua pintura é que ela sempre colocou a cor sobre a cor, uma superfície sem enfeites, com textura da matéria. Continua este processo?

Meu processo é absolutamente dinâmico e processual, não posso afirmar se mantenho o mesmo processo de criação. Pelo fato de ser dinâmico e de estar sempre trocando informações, meu processo sofre mudanças continuamente, numa espécie de instabilidade, que potencializa a criação. Sempre pensei, e continuo pensando, que é importante chegar ao osso das coisas para que a poesia aconteça – no osso da ideia, do tema, da cor etc. Enfim, chegar aos pontos essenciais, para que a poética possa se dar de forma mais clara, mais transparente, já que os trabalhos que tenho feito não se preocupam tanto com as questões formais, e sim questões ligadas ao conceito, mesmo que aparentemente esteja tratando da forma. É a forma através do conceito. O que faço é uma espécie de prospecção, no caso da pintura, a prospecção é da cor, criando uma espécie de pele, ou seja, um corpo sensível, onde a cor aparece como algo orgânico ou uma simulação disto. Na superposição de camadas, quando faço as ranhuras – como rasgos na pele –, estou propondo este possível corpo pictórico, que de uma certa forma sangra continuamente. Neste sentido, o que tento é chegar a uma pintura que, de certa maneira, está viva, pulsa, como se esse sangue fluísse continuamente. Então, a superexposição cromática ocorre como uma tentativa de uma pintura orgânica e pulsante.

3) Ainda na cor, sua pintura possui tons suaves, ocres, beges, até os vermelhos. Segue este procedimento? O que o levou a ter uma identificação com estes tons e estas cores?

Não sei dizer exatamente por que, mas, no início, a pintura era bastante colorida e pode ser que um dia volte a ser. Sempre tive interesse pelas obras monocrômicas – ou quase. Por outro lado, me recordo da minha vivência de infância no Lapão, nas plantações de milho e de algodão, campos imensos e monocrômicos. Ou nos depósitos onde ficam guardadas as colheitas, aquelas “piscinas” enormes. Eu subia no último fardo e observava este imenso acúmulo de material orgânico como se fosse pintura, no caso do algodão, e de vez em quando eu mergulhava nele, literalmente. Também, em lembranças mais recentes, de quando eu trabalhei em uma fábrica de cobre, os tons e cores que vi se fazem presentes até hoje. Lembro-me agora das caldeiras de cobre derretido jorrando e sendo jogado nas formas, como se fosse um rio de fogo. Acho que o artista é uma espécie de colecionador de imagens e sentidos, de coisas que vão sendo acumuladas ao longo da vida, criando uma espécie de vocabulário, e em última instância serve para construir a gramática que é a obra, enquanto composição de um ideário, ou mesmo a tentativa de construir uma nova forma de ver, sentir e falar das coisas do mundo. Em um recorte pessoal, onde eu apresento minhas coisas com este vocabulário, através de uma possível língua, é uma tentativa de falar das coisas do mundo de forma diferente. Nesta medida, a obra fala de seu recordar pessoal e do que vive no presente – e insisto que trabalho nas coisas do presente, pois é também uma obra que se interessa pela vida numa relação orgânica, direta, para tentar falar das coisas que nos rodeiam, para tentar compreender este enigma que é a vida.

4) Você considera a sua pintura uma abstração livre?

Certamente é uma abstração livre. Mas creio que estas denominações enclausuram os processos criativos do artista. Quanto à liberdade de leituras pelo público, eu acho que não é importante ficar enquadrando a obra desta ou daquela forma. No processo histórico, talvez isto ajude a classificar a obra do artista por fase, por momento, ou o que quer que seja. Para mim, agora, não acho que seja importante estar pensando nisto. Tanto que me sinto completamente livre para fazer o que a arte me pede.

5) Há uma luz interna que vem das cores e da composição. Como vê esta luz na sua pintura?

A luz na cor é fundamental, e de certa forma estou sempre buscando a luz que valorize, no caso da pintura, a vibração da cor. No caso das monocrômicas, a luz é fundamental, pois ela cria a vibração cromática e ajuda na construção de um clima para passar as ideias que eu filtro através da pintura.

6) A origem de sua pintura reside na própria pintura?

Reside no interesse pela arte como um todo, e acho que não posso falar de minha obra somente pela pintura, já que ela é complexa e diversa, e, daí eu tenho que falar das fotografias, dos objetos de açúcar ou mesmo falar dos vídeos. Nas formas também estão presentes a mesma luz existente na pintura. A minha obra reside sob a luz da minha relação com a arte e com a vida.

(entrevista / dezembro de 2007)

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