Hildebrando de Castro está de volta a Paulo Darzé Galeria. A mostra tem por título EDP, onde apresenta uma série de pinturas, projeto que se iniciou no final de 2016, após dois anos de trabalho contínuo. ”Decidi tirar férias em Lisboa. Logo após o desembarque, na primeira manhã, resolvi fazer uma caminhada pela borda do rio Tejo, pois o dia estava lindo e ensolarado. Para minha surpresa, me defrontei com o incrível conjunto arquitetônico da EDP ainda em construção. Fiquei fascinado com aqueles dois prédios e comecei imediatamente a fotografar. Esquecendo que tinha prometido a mim mesmo não pensar em trabalho nessa curta temporada, voltei ali, nos nove dias em que lá fiquei, para fotografar os prédios em diferentes horários do dia, aproveitando as variações da luz. Foi com este material em mãos que propus a Paulo e Thais Darzé fazer nossa segunda exposição”.
Hildebrando de Castro é pernambucano, mas vive em São Paulo. Anteriormente apresentou na Bahia e na Paulo Darzé Galeria a exposição na Bahia, “Ilusões do real”, pinturas em acrílica sobre tela e mdf. Na trajetória de Hildebrando de Castro temos inicialmente, em grande parte, como tema o corpo humano, intercambiado por suas narrativas, elaborações e o simbólico que expressam, ou partes dele em sua fragmentação, com especial relevo para o coração, mais seres humanos e bonecos para falar de uma infância ou de uma vida perversa, com figuras insólitas, até chegar ao urbano, com as últimas mostras, e a ilusão do real, jogo de formas e cores, por sua incidência da luz e da sombra, da composição e de combinações, chegando a alguns momentos a colocar a pintura na tridimensionalidade, apresentando objetos.
A obra de Hildebrando de Castro é uma obra de representação, os trabalhos possuem como base a fotografia. Não uma fotografia tirada a esmo, mas preparada em seu cenário para tal, o que nos leva a estarmos diante de trabalhos, seja figurativo ou geométrico, em não procurar a realidade em si, mas sua estreita vinculação ao real, sendo uma arte com origem essencialmente na pintura, arte que começou crítica, irônica, de beleza estranha ao mostrar a banalização da vida e da morte, do prazer e da dor, com uma visão que colocava em primeiro plano as obsessões, os fetiches, as exceções, percorrendo o simbólico, e com um humor bem preciso ao tratar a tudo isto. Temática que os críticos colocam como procurando representar aspectos eróticos, religiosos, kitsch. Dessa forma, a geometria. o figurativismo, e a luz continuam um elemento importante nas pinturas do artista. Não à toa seus trabalhos não começam com croquis, mas com fotografias.
Hildebrando de Castro nasceu em Olinda em 1957 e passou sua infância e se desenvolveu profissionalmente no Rio de Janeiro. Autodidata, realizou sua primeira exposição individual no Museu Nacional de Belas Artes, ainda nos anos 1980. Viveu onze anos entre Paris e Nova York e desde 2004 vive em São Paulo. Seu trabalho sempre operou no terreno da representação figurativa, valendo-se da estratégia de empregar o enquadramento e a luz da fotografia como referência para a construção da pintura. Os primeiros trabalhos com pastel seco foram ponto de partida para as experimentações pictóricas que o levaram ao domínio do óleo e da acrílica. Em sua nova série, a realidade da “objetiva” traz substrato para unir geometria e representação, e estabelecer vínculos com o construtivismo e suas vertentes. Em 2013 duas obras do artista foram incorporadas ao acervo do MAC USP.
A obra de Hildebrando de Castro é uma obra de representação, os trabalhos possuem como base a fotografia. Não uma fotografia tirada a esmo, mas preparada em seu cenário para tal, o que nos leva a estarmos diante de trabalhos, seja figurativo ou geométrico, em não procurar a realidade em si, mas estreitamente vinculada ao real, uma arte com origem essencialmente na pintura, arte que começou crítica, irônica, de beleza estranha ao mostrar a banalização da vida e da morte, do prazer e da dor, com uma visão que colocava em primeiro plano as obsessões, os fetiches, as exceções, percorrendo o simbólico, e com um humor bem preciso ao tratar a tudo isto. Temática que os críticos colocam como procurando representar aspectos eróticos, religiosos, kitsch.
Para um conhecimento maior desta série e desta exposição, e a relação entre pintura e arquitetura na sua obra, o catálogo da mostra traz uma conversa entre Hildebrando Castro e o crítico de arte, Ivo Mesquita,
IVO MESQUITA: Qual o sentido da pintura hoje para você? Por que fazer pintura considerando as possibilidades de representação e expressão hoje?
HILDEBRANDO DE CASTRO: Eu considero a pintura como ofício. É o meu trabalho, meu mundo particular, no qual tenho imenso prazer e através do qual posso expressar-me como indivíduo. Saber desenhar e pintar proporciona o poder de construir todo um universo paralelo e infinito. Desde cedo, impressionou-me a pintura de representação. Sempre achei poderosa. No Rio, passei boa parte da adolescência dedicando-me ao trabalho com pintura, porque achava importante saber desenhar e pintar como os pintores clássicos. Lembro que gostava muito de ir à casa de um primo que desenhava muitíssimo bem. Pedia, muitas vezes, para ele fazer o meu retrato. Eu achava aquilo incrível: como ele conseguia fazer? Assim, me dediquei, por um longo tempo, à pintura de gênero: paisagens, cenas, corpos e suas narrativas, sempre a partir de imagens fotográficas. Foram elas que me ensinaram sobre luz e composição. Para mim, foi muito importante ter essa base e passar por esse processo.
IVO MESQUITA: Você entende a pintura como um ofício a partir de um treinamento do olhar com os “mestres clássicos”, perceber o sentido do desenho e da pintura. Ao mesmo tempo sua prática hoje se inscreve num entendimento da pintura, entre outras coisas, como conceito e imagem, “imagens de segunda geração”, pós-pintura, em suportes que vão da fotografia a instalação ao texto, além da pintura mesma. Como você percebe o seu trabalho neste contexto presente?
HILDEBRANDO DE CASTRO: Meu trabalho está constantemente em transformação, eu procuro ao máximo ser fiel à minha intuição. A possibilidade de utilizar a fotografia como ponto de partida para a realização da pintura sempre foi fundamental, desde o começo dos anos 90. Como não tive formação acadêmica, os meus interlocutores sempre foram os livros de arte, os meus amigos, artistas na maioria. Foi a partir de conversas, uma com Rubens Mano e outra com Valdirlei Nunes, que resolvi minhas questões sobre a direção a ser tomada com todo o material fotográfico que eu tinha registrado até então sobre arquitetura.
IVO MESQUITA: Quem você considera seus interlocutores neste campo expandido da pintura? Que trabalhos lhe interessam?
HILDEBRANDO DE CASTRO: A produção das artes visuais do Brasil é rica, poderosa e diversa. Por exemplo, eu gosto muito de arte popular. Gosto da liberdade da narrativa, do descompromisso com a perspectiva e as regras da pintura. Pintam como se contassem sonhos. Tive a oportunidade de conhecer os trabalhos de um pintor baiano na galeria do Paulo Darzé. Ele se chama Aurelino. Suas pinturas são muito delicadas, suas composições e paleta de cores são de uma poesia sofisticada. Fiquei muito fã do seu trabalho e tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente. No Acre tem outro artista que eu admiro muito, Hélio Melo, que pintava com pigmentos que ele próprio retirava da mata. A floresta sempre foi o seu assunto. Pequenas pinturas muito poderosas, denunciando os maus-tratos à flora e à fauna brasileiras. E ainda outro artista popular que gosto é o pintor pernambucano chamado Bajado. Tive contato com sua pintura – cenas sobre o folclore e o carnaval pernambucano – pela primeira vez no início dos anos 70. Adorava como ele assinava suas obras: “Bajado, um artista de Olinda”.
IVO MESQUITA: Algumas vertentes do Modernismo – Mondrian e o De Stijil, Construtivismo, Concretismo, Bauhaus – pensava a pintura como algo finito, ou seja, propunha o abandono do suporte, o quadro, para integrar-se na arquitetura e, desta forma, integrar-se com a vida. Qual é para você o sentido da sua pintura sobre a arquitetura?
HILDEBRANDO DE CASTRO: A Bauhaus e Le Corbusier fizeram alguns trabalhos incríveis onde a arquitetura e a pintura se fundiram perfeitamente. Hoje, na realidade, eu procuro a luz que habita a arquitetura. Procuro composições em fachadas, que, sob a incidência da luz, acentuam a tridimensionalidade e promovem efeitos óticos variáveis.
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IVO MESQUITA: Por certo, suas pinturas sobre arquitetura têm a fotografia como modelo para essas paisagens feitas de planos, luzes e sombras. Qual o papel da fotografia para você? Ela tem a autonomia da pintura ou é apenas um instrumento, um registro da experiência do olhar a ser reproduzida depois pela pintura? Um rascunho, uma forma de desenho?
HILDEBRANDO DE CASTRO: A fotografia é fundamental para a construção da minha pintura, é como se fosse o meu mapa. Interessante você levantar a questão do papel da fotografia na execução do meu trabalho. Sim, elas realmente são os meus croquis. Todos os meus rascunhos dessas pinturas são fotografias.
IVO MESQUITA: Um grande número de novos edifícios públicos já é construído como referências/marcos arquitetônicos, embora nem sempre sejam, mas deles desdobra-se toda uma iconografia que também constrói a identidade visual daquele trabalho de arquitetura. Como você vê o seu trabalho neste contexto?
HILDEBRANDO DE CASTRO: Existem arquitetos que focam a imponência, tornando a edificação, no meu ponto de vista, uma espécie de escultura interativa, sem se concentrar muito na sua funcionalidade. Fico sensibilizado ao ver um arquiteto com alma humanista, que pensa na edificação como um todo, isto é, a obra em si, os benefícios para seus ocupantes e o seu entorno. Sou fã do Affonso Eduardo Reidy, por exemplo. Sem dúvida, um grande arquiteto e artista. Eu não tenho exatamente preferência por ícones ou grandes marcos arquitetônicos, embora estime a arquitetura modernista como muito interessante e atraente. Na minha pintura, a fase da arquitetura começou em 2008, com a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, quando estive ali pela primeira vez. Fiquei impressionado com todos aqueles prédios juntos, precisamente colocados, com suas retas e curvas em permanente exposição. É um grande museu a céu aberto. Mas, não foi exatamente a arquitetura que, de primeira mão, me interessou e me hipnotizou. Na realidade, foram as gigantescas paredes de brise-soleil (persianas externas criadas por Le Corbusier) na fachada do Anexo da Câmara dos Deputados (projeto de Lúcio Costa). Lembro que, entre 13 e 14 horas, tinha uma luz fabulosa que se projetava sobre os brises ocres. Por serem persianas manipuláveis e segmentadas, elas criavam uma superfície dinâmica com uma infinidade de nuances daquele ocre, entre o mais luminoso e o mais sombrio. Comecei a fotografar compulsivamente. Pensava em voltar ali todos os dias, na mesma hora, pois teriam composições infinitamente diferentes. Voltei várias vezes, sem saber exatamente o que faria com todo aquele material. Ficou guardado por dois anos, pois não me considerava um fotógrafo para dispor desse material. Foram aqueles dois amigos próximos que me provocaram ao indagar se eu pensava nesse material como pintura. A princípio, me pareceu totalmente fora de questão, pois nunca havia trabalhado ou pensado em retas e formas geométricas como linguagem. Minha pintura, em sua maioria, vinha da representação de formas orgânicas. Mas, como estava em fase de transição no trabalho, resolvi arriscar e tentar algo que se apresentava como um novo desafio. E foi realmente incrível, pois, ali, se abriu um caminho totalmente diferente para mim, repleto de desdobramentos. Nesta perspectiva, o meu olhar se voltou para a arquitetura e suas possibilidades de composições.
IVO MESQUITA: As pinturas recentes são sobre museus ou edifícios modernos e contemporâneos? Elas são pensadas e desenvolvidas em série sobre edifícios específicos ou sobre uma tipologia de arquiteturas?
HILDEBRANDO DE CASTRO: O primeiro museu que fotografei e pintei, até agora, foi o Hong Kong Museum of Art – HKMA, título da minha exposição no Rio de Janeiro, em 2017. Foi também a primeira vez que fiz uma exposição inteira sobre um mesmo projeto arquitetônico. Eu não procuro uma tipologia específica na arquitetura, estou sempre de olhos atentos: um simples prédio, uma parede com elementos vazados, os cobogós da casa ao lado. Gosto muito de ver a luz que atravessa os elementos, as partes da arquitetura. Tudo sempre dependerá da luz existente, na hora certa, no ângulo exato, para virar uma composição pictórica. Nestas séries de pinturas, existe outro modo de representação, como se a luz que desenha a superfície da arquitetura, insinua uma janela para a pintura.
IVO MESQUITA: Como nas pinturas recentes da série EDP, por exemplo?
HILDEBRANDO DE CASTRO: Exatamente. Esta exposição, EDP (Elétrica de Portugal), na Galeria Paulo Darzé, reúne nove pinturas inspiradas em um mesmo projeto dos arquitetos Manuel e Francisco Aires Mateus, para o edifício sede da EDP em Lisboa. São dois prédios interligados, onde todas as fachadas são revestidas de elementos vazados, como se fossem persianas verticais fixas, feitas de concreto branco e regulam a luz no interior dos edifícios.
IVO MESQUITA: Outros marcos arquitetônicos também são objetos da sua pintura? Você diria que isto pode ser um programa de pintura, não necessariamente buscando construir uma tipologia, mas uma sorte de especialidade no seu ofício de pintor contemporâneo?
HILDEBRANDO DE CASTRO: Sim. Faz alguns anos que a arquitetura tem sido o foco do meu trabalho e, neste sentido, venho amadurecendo alguns projetos. Um deles é sobre a caixa d´água de Olinda (1934), do arquiteto Luís Nunes, localizado no Alto da Sé. Esta obra é um marco importante na arquitetura moderna, sendo a primeira edificação no Brasil a utilizar o cobogó como elemento estético e funcional (ventilação). Outro projeto que gostaria muito de realizar é sobre o conjunto residencial popular de Pedregulho (1940), do Affonso Reidy, no subúrbio carioca de Benfica. Fiquei admirado com o empenho do arquiteto em fazer um conjunto habitacional popular realmente belo e funcional em todos os aspectos. O prédio é todo em curvas, como uma grande serpente no alto do morro, de onde todos os moradores podem apreciar de suas janelas, uma vista ampla da zona norte do Rio. Dentro do terreno ele colocou ainda uma capela e uma creche para os filhos dos moradores. Acho uma generosidade maravilhosa, o arquiteto se preocupar com a vida daqueles trabalhadores que podem deixar seus filhos numa extensão da casa enquanto saem para trabalhar. Tenho uma relação de respeito muito grande com a obra de Reidy, por ver como seu trabalho busca priorizar esse tipo de benefício.
IVO MESQUITA: Ou seja, para além do tema plástico, o seu interesse pela arquitetura vai também pelo seu sentido social ou histórico, assim como pela possibilidade de memória e subjetividade?
HILDEBRANDO DE CASTRO: Realmente existem muitas possibilidades de pintura com a arquitetura. Na verdade, a Caixa D’Agua de Olinda, o conjunto Pedregulho no Rio, o Anexo da Câmara dos Deputados em Brasília, são prédios com os quais tenho uma relação afetiva forte, fazem parte de uma memória, por isso o desejo de registrá-los, de fazê-los parte de minha obra. Recentemente comecei a pesquisar sobre platibandas, aquelas fachadas feitas com relevos geométricos em casas populares, muito coloridas, e que servem para ampliar a fachada do imóvel e esconder os telhados das casas. Elas se encontram, na sua maioria, pelo interior do norte e nordeste do Brasil. Essas fachadas são muito interessantes e curiosas porque são anônimas, desenhadas e construídas pelo mestre de obra, possivelmente sem nenhuma formação sobre geometria. Elas lembram muito casas populares africanas e alguns símbolos indígenas brasileiros. Talvez esses sejam os motivos que inspiraram essas fachadas.