Experimentação e questionamento, o fluir entre as coisas, a ocupação do espaço, a linha e o ar, um desenho do espaço induzindo o espectador à lembrança da figura, e utilizando uma multiplicidade de materiais, oferecendo a todos um sentido ou as possibilidades do olhar, num convite à imaginação, permitem a obra estar incluída pela crítica internacional como uma das mais importantes na arte contemporânea internacional. A diversidade de meios com que trabalha e seu absoluto domínio sobre os materiais nos fazem pressentir a passagem de uma matéria para a outra, as relações entre pesos, densidades e transparências, e uma obra que se constitui um eterno processo, um fluxo constante que interliga a presença e a ausência, o sólido e o ar, o pleno e o vazio.
Waltercio Caldas nasceu no Rio de Janeiro, em 1946, e nos anos 60 começou a expor. Em sua trajetória fez individuais em alguns dos mais conceituados museus e galerias do mundo, e participou de eventos como a Bienal de Veneza, Itália, e a Documenta de Kassel, Alemanha, tendo obra, entre outros, no acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York.
Experimentação e questionamento. Sua obra é sempre descrita, entre outras definições, como tendo estas duas vertentes. Pode nos falar o que acha ou como se sente com estas palavras abordando sua trajetória?
Estas duas palavras sempre estão relacionadas a qualquer um que tenha uma visão crítica de seu tempo. Os artistas, na maioria das vezes, trabalham simultaneamente com o que conhecem e o que desconhecem e, na prática, isto resulta em comportamentos que questionam os limites da realidade.
Outro ponto que ressalta em seus trabalhos é a possibilidade do olhar, a descoberta do olhar, um sentido ou uma sensação que o olhar nos remete. O vazio, sendo uma estrutura de sua obra, realiza a ocupação do espaço, e nos induz à lembrança da figura. Como é este seu processo entre a linha e o ar, o desenhar do espaço?
Quando vemos um objeto de arte, é como se este nos surgisse pela primeira vez, inaugurando uma presença atual que o justifica. É a autonomia deste aparecimento que procuro enfatizar nas esculturas e nos desenhos; essa atividade por imagens se confunde com o que quero dizer: vazio e cheio, linha e espaço, presença e ausência estariam assim estruturalmente dependentes uns dos outros.
É referida por críticos que sua obra possui uma revisitação à história da arte como um dos elementos formadores do trabalho. O passado serve como informação, diálogo, ou como fonte para o futuro?
Não chamo de revisitação, pois este diálogo nunca deixou de existir entre as obras de arte; apenas considero que não devemos negligenciar rupturas e conquistas que permitiram aos artistas seguir adiante. Obras bem-sucedidas, não importando a época em que foram realizadas, estarão sempre conosco, serão sempre contemporâneas. Trato a história da arte como uma matéria a mais a ser tratada e disponível para o pensamento.
Vivemos num mundo exacerbado de imagens. Você sendo um artista visual induz à imagem pelo corte no espaço. É uma atitude que vai de encontro a esta atualidade, o de exibir a imagem. A linha sendo o seu limite, isto é, você projeta a imagem, mas não a realiza, deixando ao espectador que cada olhar a descubra. Sua obra, assim, é um convite à imaginação? Um não ao explícito da imagem?
É um fato intrigante que esta proliferação de imagens não leve necessariamente ao interesse sobre a complexidade de seus múltiplos usos, e hoje parece que apenas nos consumimos nesta vertigem de aparências. A arte teria, então, muito a contribuir nesta direção, propondo novos e reveladores sentidos para as imagens e os objetos e também para a própria ideia do que seja a invenção de espaços imaginários.
Quanto à luz, há na obra utilização de espelhos, vidros, superfícies altamente polidas. Qual a importância da presença da luz para que realmente se efetive a sua obra?
Sou um artista voltado para as características tridimensionais dos objetos: peso, gravidade, formas, cores, transparências etc. Neste sentido espelhos são objetos especiais, “máquinas miméticas luminosas” que nos dão uma versão diferenciada, e por que não dizer crítica, de nossas expectativas. Há, portanto, algo de semelhante entre o funcionamento dos espelhos e os objetos de arte.
Quanto à arte contemporânea, como se vê sendo um dos mais importantes artistas que temos hoje na arte internacional? Há na obra um diálogo conceitual com o que está sendo feito?
Creio que a presença cada vez maior de artistas brasileiros em eventos internacionais deveria nos trazer mais estímulos e mais responsabilidades. O diálogo, cada vez mais complexo e tenso, entre o que chamamos de cultura e a arte, pode e deve aprimorar a identidade do país.
Já que comecei com definições sobre sua obra, termino também com elas. Seu trabalho é sensação e reflexão?
Sim, e acrescentaria que hoje me move a certeza de que, através da arte, é possível até mesmo melhorar a qualidade do desconhecido.
Para finalizar, explique sua relação e sua obra entre e com os baianos, já que a temos publicamente no Parque de Esculturas do Museu de Arte Moderna.
Tenho especial carinho por Salvador, que tive a oportunidade de visitar inúmeras vezes, mas lamento dizer que a obra presente nos jardins do museu há muito não me representa nem ao meu trabalho, pois foi desfigurada, desmembrada e localizada segundo critérios absolutamente divergentes do projeto original. Espero que o público baiano algum dia tenha uma nova oportunidade de apreciar a obra tal como a concebi inicialmente.