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Até onde a vista alcança

Abertura
05 de março de 2024

Horário
19h

Exposição
06 de março a 05 de abril

Com o título de Até onde a vista alcança, a Paulo Darzé Galeria inaugura no dia 5 de março, às 19 horas, exposição de pinturas e esculturas de Maxim Malhado. Para o crítico e curador Ricardo Resende, “a arte para Maxim é sua maneira de desver o mundo, como também era para o poeta, artista mesmo, Manoel de Barros. Era também uma maneira de subverter a vida enfadonha daquele interior de Sítio Novo, cidade onde cresceu na Bahia. Sonhar, desenhar, pintar e esculpir são a sua forma de expressão e extravasão máxima dos sentimentos. Os que despertavam sua curiosidade pelo mundo e os que o afligiam. Um mundo que é só imagem, e até mesmo imagem de uma imagem, nada de nada. Os homens, por sua vez, não passam de imagens, sonhos”, e concluindo na apresentação no catálogo da exposição que a sua obra “é a de um menino que via coisas e imaginava mais coisas ainda depois das coisas que via, um claro desejo de sustentar espaços”.

 

MAXIM MALHADO

Nasceu em Ibicaraí, Bahia, em 1967. Artista plástico com uma sólida formação acadêmica e uma extensa trajetória artística, iniciou sua jornada no Atelier de Hector Valdez em 1989, prosseguindo para a Escola de Artes Visuais do Parque Lage no Rio de Janeiro em 1991. Complementou sua formação na Oficina de Escultura do Museu de Arte da Bahia (MAM-BA), participando também do 10º Fórum Nacional de Artes Plásticas da Bahia e sendo aluno do curso de licenciatura em Desenho e Plástica da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Construiu sua trajetória participando de vários Salões de Artes pelo Brasil, realizando exposições individuais e de mostras coletivas em espaços como Museu de Arte Contemporânea da Bahia, Salvador/BA; Museu Solar do Ferrão, Salvador/BA; Instituto Goethe, Baku, Azerbaijão; Museu de Arte do Rio (MAR), Rio de Janeiro/RJ; Museu de Arte de São Paulo/SP; Paulo Darzé Galeria, Salvador/BA; Casa da Cultura da América Latina (CAL), Brasília/DF; Belizário Galeria de Arte, São Paulo/SP; Centro Cultural Amélio Amorim, Feira de Santana/BA. Nessa trajetória, destacam-se também participações na Bienal do Recôncavo São Félix/BA; Salão Nacional Paranaense/PR; Salão Nacional de Goiás/GO; Bienal de Montevideo, Uruguai, e Bienal do Mercosul, Porto Alegre/RS. Participou ainda do Rumos Itaú edição 2001-2003; em 2004 e, como convidado, da 26ª Bienal Internacional de São Paulo; da 3ª Bienal da Bahia em 2014; Panorama da Arte Brasileira com o tema: Sertão 2019, participou da Trienal de Luanda, da Bienal de Montevidéu-Uruguai- 2017; da Bienal do Mercosul 2018.

Lançou três livros: Procuro um texto azul, Brevidades e Apenas uma lata. Criou a Esteio galeria de arte em Sítio Novo, e há poucos anos inaugurou o Centro de Arte Maxim Malhado-CAMMA em Massarandupió, no município de Entre Rios/Bahia. litoral Norte do estado da Bahia, para exposições, mesas de debates, e palestras, entre outras ações culturais em sua programação. Seu trabalho artístico foi premiado em diversas oportunidades, e suas obras integram acervos importantes, como o Museu de Arte do Rio e o Museu de Arte Contemporânea da Bahia. Além de sua atuação artística, Maxim Malhado contribui para projetos culturais, ministra oficinas e realiza curadorias.

Apresentação de Ricardo Resende

A arte para Maxim Malhado é sua maneira de desver o mundo, como também era para o poeta, artista mesmo, Manoel de Barros. Era também uma maneira de subverter a vida enfadonha daquele interior de Sítio Novo, cidade onde cresceu na Bahia. Sonhar, desenhar, pintar e esculpir são a sua forma de expressão e extravasão máxima dos sentimentos. Os que despertavam sua curiosidade pelo mundo e os que o afligiam. “Um mundo que é só imagem, e até mesmo imagem de uma imagem, nada de nada. Os homens, por sua vez, não passam de imagens, sonhos”.

Maxim Malhado trabalha e fala de memórias e fantasia de quando era menino. Pensa suas obras a partir das lembranças de criança, como pode ser lido no início deste texto. É de onde vem sua arte, das lembranças de um menino de Sítio Novo, onde cresceu. Vem da construção de uma vida naquele lugar, do pai que tinha o sonho de ser engenheiro. Não sendo, passou a experimentar as construções como autodidata. A vida de Malhado foi assisti-lo construir, destruir, construir, destruir e construir. Ver uma casa sendo construída o marcou profundamente. O menino viu no canteiro de obras, com suas ferramentas e materiais, a fonte de sua criação, encontrou as tintas de parede no canteiro de obras e começou a pintar ali mesmo, misturando aquelas tintas. Foi ali que começou a pensar e trabalhar, vendo aquela casa ser construída. A casa passa a ser, então, o elemento central de sua obra, um lugar encantado.

A estrutura e os materiais, como a areia, os tijolos, o madeiramento, o cimento, o telhado, as telhas, as fachadas, o fazem se interessar pelos canteiros de obras civis vistos nas cidades. Já os desenhos são abstrações de formas observadas nas fachadas das casas e nas suas aglomerações, fazendo delas um tecido urbano. Outros desenhos são de um realismo fantástico, como o que se vê duas cadeiras sobre galhos de uma árvore. Há outros que são esboços, estudos, de suas esculturas e instalações, que também são de formas de construções e armações dos canteiros de obras. Outras esculturas são alusões às suas visões quase fantásticas e meio surreais, como aquela em que á as fachadas tridimensionalizadas do casario, feitas em tocos de madeira e dispostas em uma plataforma, como uma ilha no espaço, pois estão suspensas sobre um carrinho de ferro de puxar, como aqueles antigos que eram puxados pelas ruas das cidades coloniais. Malhado traz para exposição uma mesa baixa com um par de sapatos de madeira, que aludem ao universo imaginário de sua infância. Assim, junta o fantástico dessas memórias de menino com a observação do cotidiano na cidade, nas suas movimentações e construções de obras civis de ritmos geométricos improvisados, no interior do interior do sertão e sua magia, povoado de histórias e histórias fantásticas.

Além de trazer esculturas e instalações que representam essas lembranças de situações fantásticas vividas, o artista vê nas soluções da arquitetura e de seus mecanismos, como os esbarros (pilastras, contrafortes, degraus inclinados), as armações (de cimento e barro) e as estruturas de madeira, troncos com suas amarrações, outras esculturas e instalações que são também visões de paisagens interiores e do sertão. É dessa observação que parte. O trabalho é artesanal (manual) e os desenhos são desdobramentos ou esboços desta etapa construtiva da obra escultórica que, por sua vez, proporciona uma sobrevida para a ideia e os materiais, parte deles proveniente de construções e demolições; outros são deliberadamente novos, porque o que o interessa são composições de pedaços de madeira esbranquiçados pelo uso e pelo tempo, cadeiras e mesas de madeira, varas e paus de cumeeiras que são reorganizados no espaço, acomodados e amarrados criando esculturas e instalações no acúmulo e embaralhamento, lembrando a origem da matéria. Poderia dizer que são vestígios de uma ação escultórica.

Universo da infância e universo do canteiro de obras, dois mundos diferentes que se juntam pelo inconsciente de suas formas, pela estranheza do pensamento, das ideias, das situações e dos usos, fazendo ligações do imaginário, dos sonhos e das lembranças com o real. O real das coisas e dos objetos permite a Malhado desenvolver certas questões construindo um vocabulário visual dos processos da vida, em que você recolhe, ajunta, Sapata constrói coisas para habitar. Isso pode mudar a vida e pode mudar tudo.

Armações, arrumações que as pessoas não mais percebem na vida acelerada da contemporaneidade nas grandes cidades e também nas pequenas. Não se presta mais atenção a coisas que são consideradas banais. Leveza, humor e estranheza, como parte dos trabalhos cotidianos de uma cidade. Um processo de trabalhar diariamente que se utiliza do que está ali dado, o que está pelas ruas, que está nas construções civis em uso ou em condição de descarte.

Os materiais são a madeira e o ferro ao natural, que não carregam pintura, apenas as cores próprias e da ação do tempo, com exceção de algumas esculturas que simulam o cinza do concreto e do cimento

Fazer a exposição permite que Maxim busque um equilíbrio do pensamento e do fazer coisas. Para juntar os trabalhos, é como se estivesse organizando um mobiliário para a sala de exposição. Tudo tem uma importância, tudo tem uma relação, tudo carrega uma experiência visual e sensorial. São atitudes intelectuais, como pontes que ligam um lado ao outro. O que faz é juntar peças de uma exposição, e parece ser esse um exercício diário. Observar situações reais com arquiteturas provisórias ou esculturas provisórias. Sinais do tempo.

As esculturas são melhorias do real, do que de fato encontra-se no canteiro de obras quando ainda estão em uso. Retiradas, levadas para outro contexto, dá-lhe o caráter de esculturas. Tirando-as do canteiro de obras lhes confere o status de arte, de inutilidade, já não tem mais o uso original. É aí que causam a estranheza tão necessária para o olhar viciado e condicionado da contemporaneidade. Fazem pensar. Por fim, as esculturas e instalações criam também narrativas de um vocabulário do dia a dia. O canteiro de obras vem para dentro do ateliê, vem para dentro da sala de exposição.

O que Malhado vê nos canteiros de obras, nas construções de casas e habitações populares e tradicionais (como a casa de taipa) é a inteligência criativa para superar a precariedade. As soluções dadas pelos pedreiros, pintores, amassadores de barro e concreto são elaboradas eficientemente e em consonância com as questões ecológicas que afetam a humanidade. Potente discurso estético, fantástico, político e de um racionalismo sensível. Busca familiaridade e tranquilidade com a execução do trabalho de certa forma bruto, utilizando técnicas da arquitetura popular na fabricação de formas de junções e cruzamentos que se fundem nas amarrações, composições e armações. Causam estranheza. Não têm utilidade.

O interesse mesmo é pelo sistema de articulações das linhas verticais com as horizontais e suas inclinações para baixo ou para cima, tanto faz, que dão a estrutura e, no seu caso, o estranhamento que elas representam. Interessa-se também pelas linhas de contorno e até mesmo pelos seus vazios. As paredes, sua estrutura esquelética, servem de suporte para criações de formas feitas delas mesmas e seus materiais da construção civil. Usa pau e vergalhões de ferro. Usa graveto para moldar suas arapucas e gaiolas que não aprisionam nada.

Maxim Malhado vive e trabalha em Massarandupió, no interior da Bahia. Poderia dizer que obtém com suas esculturas uma estética “controlada” (elaborada) dos canteiros de obras de aspecto meio abandonado, mas consciente da sua funcionalidade. Simula como é visto na instalação de obeliscos e troncos no formato de casas em cruz, em que explora por um viés construtivo, as formas essenciais.

Talvez trate mais de como observar as linhas dos contornos que se observam no carrinho de puxar que carrega a cidade desenhada e esculpida em tocos de madeira, organizando-os de tal maneira que fazem lembrar uma ilha flutuante sobre um carrinho de rodas e puxador de ferro. Tudo muito estranho na paisagem que forma. Situação algo fantástica, deixando no entorno o vazio do espaço expositivo. Juntam-se a essa escultura outras formas que como esta, parecem criar mais paisagens surreais outras, como aquela sobre cavaletes, Assentamento (dois cavaletes com casinhas), formando mais uma paisagem dentro da paisagem da sala expositiva.

Os desenhos tem a ver com tudo. Vêm para o espaço da galeria apenas dez esculturas. A escultura experimental fica de fora da sala. Os catorze desenhos da série “Lá de onde falamos,” são a arqueologia da obra escultórica. É de onde se faz a primeira observação, que imediata da ideia e da memória. Leva ainda mais treze pinturas para exposição, sem título, da série “Parede de meia”. O “livro” é composto por cinco desempenadeiras sobre prateleira e mais caderno com escrituras do artista.

Malhado compõe uma paisagem única do improvável na galeria, formada por um candelabro pendente de madeira que estranhamente lembra o estilo rococó na sua frivolidade ornamental, mas que é a escultura de formas sinuosas simples, como se dá no estilo do século XVIII e XIX. É tudo muito simples visualmente e nos materiais. Os trabalhos não carregam títulos, apenas sugerem um realismo fantástico como andor, escultura de cunho social forte e um tanto de religiosidade, estranhamente. Não deixam de ser na verdade, descrições fantásticas do cotidiano. Melhor dito, das visões fantásticas do cotidiano na forma de ideias escultóricas. Inventa ou tem ideias plásticas como o poeta Manoel de Barros, que brinca com as palavras. O poeta brinca com os pensamentos. Malhado brinca com as observações das formas vistas nos canteiros de obras pelas ruas da cidade.

A obra de Maxim Malhado é a de um menino que via coisas e imaginava mais coisas ainda depois das coisas que via, um claro desejo de sustentar espaços.

QUATRO PERGUNTAS A MAXIM MALHADO
por Claudius Portugal

1.

Ricardo Rezende abre o texto de apresentação e afirma: “Um mundo que é só imagem, e até mesmo imagem de uma imagem, nada de nada. Os homens, por sua vez, não passam de imagens, sonhos”. Como você se situa diante desta afirmação?

…você sabe, a gente vai vivendo os dias nessa vida. Com o tempo aprende que a noite para escurecer, ela precisa de cada um de nós, assim como a lua precisa do sol pra ser cheia…

…foi assim, eu precisei pedir emprestado os olhos de Ricardo Resende, como eu mesmo emprestei os meus, mas cada um, no tempo certo, tomou de volta…

…todas as vezes que penso, anoto, escrevo, às vezes até risco em cima do que escrevi, não é para apagar ou não assumir o erro, o que desejo mesmo, é que ao pensar, a ideia e o suporte, num determinado instante, tudo vire e seja a mesma coisa, esse mundo fantástico, essa arquitetura, esse lugar onde construo casas a vida inteira, é mesmo meu mundo de sonhos e memórias…

2.

Estes seus trabalhos possuem um amadurecimento de criação em sua invenção e uma construção que deixa vir à tona memórias, principalmente nas esculturas, revelando a soma de experimentações de sua trajetória? Sente nesta mostra a convergência de caminhos que sua busca artística procurava? E nelas a soma das obras anteriores na sua feitura e imaginação?

…sim, memória sempre…

é um exercício diário uma convivência com essas ideias, com esses lugares, esses museus, sem falar que tento dar corpo quando posso, quando é permitido, sem outros impedimentos, dar corpo a isso tudo, como por exemplo, ter no terreiro de casa, mais de 30 galinhas soltas (hábito que guardo e trago do meu pai, além das casas), elas as galinhas, experimentam e vivem “ser livres”, todos os instantes, capazes de nos ensinar outros propósitos…

…nessa mostra posso dizer que tenho obras que me acompanham desde quando nasci, nem sabia o que seria, mas já fazia pulseiras de palha, colhia tangerina cedinho e bolacha pra vender na noite inteirinha que Deus deu, enquanto outros dormiam…

… junto também tem obras que fiz hoje, 2022-23-24… por aí vai… a gente vai juntando uma coisa daqui outra dali um tanto meu, mais um tanto seu, vai construindo cavaletes que é para subir neles e dar saltos…

3.

Como sente o real das obras e dos objetos para a construção deste seu vocabulário visual em suas esculturas? E nos desenhos a abstração em seus gestos e manchas cromáticas?

…as pinturas em grandes formatos, que chamo de: “Parede e Meia”, são desenhos, projetos que ilustram minha vida, essa coisa do preto e branco, eu trago das paredes, dos riscados, do grafismo rural como sempre chamei, eles chegam pra dar forma as platibandas, as fachadas, nosso corpo, vestidos, traz a marca também do carvão, que inicia antes mesmo de chegar o verbo pra mim, na verdade é só desejo e vontade…

… os desenhos eu chamo de “Lá do lugar onde moramos” Às vezes eu mesmo pergunto e peço a amigos que saíram para estudar, para virar mestre e doutor, pra que eles expliquem um pouco aquilo que estamos vendo e que também nos abraça, aquela arquitetura…

… esses desenhos, é como disse outro dia, vem de um lugar, de uma apropriação de um espaço na memória, do real, com algo ainda mais fantástico, que é a possibilidade de criar, como se ciscasse no chão pra todas as direções…

4.

Esculturas e desenhos em suas conversas no espaço da mostra compõem uma paisagem, visões de Sítio Novo e de Massarandupió, em suas observações de um cotidiano para uma cidade imaginária, mas criação vinda de cidades reais?

de Sítio Novo, Massarandupió, Ibicaraí, onde nasci. Nasci na chuva e no sereno, todos os bichos me viram nascer, e aí eu pergunto: como não estudar, pensar, escrever e falar do lugar onde você mora?

…de verdade e de brincadeira… é esse lugar mesmo, onde elas, as cidades aprenderam a esconder as estrelas…

…meus desenhos são paisagens também do real, um pouco do “museu do lugar” na memória, dentro e fora, corredor, sala, quarto, cozinha, quintal e ainda tem as ruas, tem junto algo que ultrapassa mesmo os contornos cubistas Cézanne, Picasso, Braque, ultrapassa os escanteios, vazam os lados, fazem os objetos derramarem o que lhes botaram… …um pouco isso…

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