Nas coisas simples do cotidiano e do ser humano está o foco do olhar na sua busca de quem sai com a máquina na mão procurando documentar o dia-a-dia de uma cidade e nela a sua gente, extraindo de cada cena, visivelmente escondida para qualquer transeunte comum que a veja, uma atmosfera densamente simbólica ao retratar objetos, lugares e pessoas, o banal da vida, seja este o trabalho ou o lazer. Um documento. E por sua sequência em ensaios, um documentário, com o foco numa observação social da cidade, um olhar sobre o mundo popular – sua gente, seus ambientes e suas ruas, seus objetos –, e nestes se inclui a representação das próprias imagens que este universo já possui como expressão, cenas de vasos de flores, bicicletas, interiores, sem a figura humana fisicamente, como um retrato, mas que, por sua luz e por sua cor, ou até pela sua ausência, revela o ser humano sempre presente como centro, retratando a realidade de um povo. Mas estas fotos vão além de seu foco voltado por seus temas, já que também nelas temos outras dimensões, como o esmero no domínio técnico, o enquadramento, a intensidade das cores, resultado de tensão entre a luz natural e a luz artificial, construindo imagens, como ele mesmo diz, “objetivas e subjetivas ao mesmo tempo“, pois a fotografia para ele é “no que se olha o que você é”, expressão e impressão, mesmo que os olhares e as interpretações depois possam ser diversos, e sempre são, pois cabe a cada espectador, por seu repertório, acrescentar ou retirar o que o aproxima ou o afasta desta arte.
Márcio Lima nasceu em Recife, Pernambuco, em 1960. Reside em Salvador, Bahia, desde 1989. Possui obras nos acervos do Museu de Arte Moderna da Bahia; Light Work – Syracuse, Nova York; MASP/Pirelli – Museu de Arte de São Paulo. Sua obra recebeu os seguintes prêmios: 2004, XII Salão do Museu de Arte Moderna da Bahia; 2003, Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger, Secretaria de Cultura do Estado da Bahia; 1996, Programa Artista em Residência da Light Work, Universidade de Syracuse, Nova York; 1987, Fotografia do Carnaval de Olinda, Pernambuco – 1º e 2º lugar –, Imagem do Carnaval Popular de Recife, Pernambuco – 1º, 2º e 3º lugar.
E o que o faz escolher a fotografia como a sua forma de expressão na arte?
Creio por ter visto nela a forma mais fácil para me expressar. É como já tivesse fotografado antes. Acho que isso desde quando fotografei pela primeira vez. Comecei fotografando para jornais e revistas e até hoje faço isso. Mas é sempre uma coisa muito encomendada. Quando decidi sair nas ruas e fotografar o que eu penso da vida, minhas impressões sobre ela, daí foi que comecei apurar meu olhar sobre as coisas simples do cotidiano.
Qual momento você considera o seu início como fotógrafo profissional?
Comecei a fotografar no início dos anos 80, quando parei com as experiências amadoras de pintar e de fazer instalações. Pegava as máquinas do meu cunhado que é fotógrafo para brincar com elas e até hoje a brincadeira não parou. Este é o meu começo.
A fotografia é uma questão visual ou um domínio técnico? Um processo de sensibilidade e criação sobre imagens ou um trabalho de laboratório?
Eu acho que meu trabalho tem os dois: domínio técnico e a questão estética visual. Quanto ao uso de manipulações no laboratório, uso muito pouco. Fotografo o meu trabalho pessoal com cromo, daí tomo decisões como densidade de cores e enquadramento na hora de fotografar.
Como é realizada a sua captação de imagens? Elas são de rua, não são de estúdio? E o que esta busca reproduzir quando captada?
Busco imagens simples de um povo. Imagens que passam despercebidas pela maioria das pessoas, ou que sejam aspectos banais no dia a dia e que chamam a atenção por sua beleza ao serem retratadas.
Há um tema principal na sua fotografia? O ser humano? A vida social? Aliás, você persegue um tema quando cria suas fotos?
O ser humano é o tema. Muitas vezes presente fisicamente nas imagens e muitas vezes de forma simbólica, através do retrato de seus objetos, dos lugares onde vivem, onde é possível imaginá-lo.
Que leitura você faz de suas fotos? Líricas? Dramáticas? Realistas? Documentais?
Posso dizer que carregam um pouco de cada coisa.
Você vê a fotografia como uma forma de expressão objetiva sobre os fatos, as cenas, as pessoas e os acontecimentos, ou subjetiva, um olhar preciso e precioso, um reflexo da vivência e do pensamento e do envolvimento do fotógrafo?
Para fotografar algo, tem que haver envolvimento. Vejo também que a fotografia é objetiva e subjetiva ao mesmo tempo. É como a vida. Vejo que se fotografa com o olhar político que se tem das coisas. A forma que se olha é o que você é.
Qual a distância, se ela existe, entre o fotógrafo e a foto?
Acho que não tem distância nenhuma, uma coisa está dentro da outra.
Seguindo um pouco a pergunta anterior, há julgamento nas suas fotos? Uma decisão na sua elaboração para o observador? Ou há uma leitura aberta? A foto como sendo um caminho para o entendimento, uma busca para a humanização?
A fotografia é como a poesia e a canção. Ela traz dentro de si vários olhares, mesmo aquelas que são mais objetivas atraem outras interpretações.
No seu trabalho há algum dilema entre PB e cor? Se sim, qual o motivo?
Não há dilema.
Quais os trabalhos em produção? O que há em comum neles?
Por enquanto são as cores e o ser humano, o ser humano e as cores. Percebo uma leve mudança, mas ainda não sei para que lado esteja indo.
(entrevista / fevereiro de 2008)