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Cachoeira 2019
acrílica sobre tecido
34 x 43 cm
Números II 2011
técnica mista
162 cm diâmetro
Leda Catunda
Outono II 2019
acrílica sobre tecido
50 x 64 cm
Outono 2019
acrílica sobre tecido
53 x 28 cm
Cidade
São Paulo
Nascimento
1961
Perfil
Artista visual, Pintora, Escultora, Artista gráfica

A atitude de apropriação de “imagens prontas” presente na poética da artista, desde o início mantido, tem na mudança da natureza dos materiais apropriados uma modificação no seu fazer, e, consequentemente, na visualidade contida neles. Se anteriormente imagens e texturas estavam presentes em materiais de uso cotidiano, tais como cobertores, toalhas e tecidos utilizados em decoração, ou advindos das cores e dos assuntos presentes, tornaram-se a característica predominante da produção logo depois, após o uso da máquina de costura para confeccionar os tecidos, período em que seu trabalho retira imagens do cotidiano, elimina alguns detalhes, aplica tinta sobre lençóis, toalhas, cobertores, colchões, capachos, guarda-chuvas, cortinas de banheiro e couro, gerando novas imagens. As figuras impressas perdem espaço para figuras sugeridas. Entram barrigas, gotas, insetos e véus – que ela cria recortando tecidos como veludo e seda em formas circulares ou ovais, onde se fixa a figuras geométricas, eliminando narrativas. Os tecidos pregados sobre uma tela plana criam volume, depois recebem camadas de tinta, tendo como acabamento o emprego de técnicas como a costura. É o que ela chama de “pinturas moles”, pinturas que, ao invés de serem telas com a superfície coberta de tinta e presas a um chassi, são estruturados diretamente na parede e, além de tinta, se utilizam de tecidos, como voile, algodão estampado, jeans, veludo e plástico. Estas características acompanham a produção de Leda Catunda até hoje, num trabalho de obras com volumes, espessuras e texturas, acarretando, além da observação, um impulso táctil e orgânico, obras de um inegável sucesso de público, uma arte de indagação sobre a percepção do mundo, pessoal e inconfundível, uma obra sintonizada com o nosso tempo.

Leda Catunda nasceu e vive em São Paulo. Formada pela Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP) em 1984, teve professores de graduação – Júlio Plaza, Regina Silveira, Walter Zanini e outros – que a introduziram no universo de arte conceitual, como pode ser observado nas suas primeiras obras em litografia. Sua estreia em mostras se deu por meio da então diretora do MAC-USP, Aracy Amaral, na exposição Pintura como Meio, em 1983. Mas ganhou destaque nacional após participar da exposição na Geração 80, Como Vai Você?, na Escola de Artes Visuais do Parque do Lage, Rio de Janeiro, em 1984. A partir desta mostra, conquistou o mercado e a crítica de arte. Além de pintora, artista multimídia e gravadora, Leda Catunda lecionou na FAAP de 1986 a meados da década de 90, tendo realizado doutorado em poéticas visuais na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em 2001. Na sua trajetória participou de três Bienais de São Paulo (1983, 1985 e 1994) e grandes mostras coletivas, como Modernidade (Paris, 1987), Artistas Latino-Americanos do Século XX (Museu de Arte Moderna de Nova York, 1993) e Mostra do Redescobrimento (São Paulo, 2000), possuindo obras em coleções públicas e particulares no Brasil e no exterior, expondo na Espanha, França, Holanda, Portugal, Suécia, Alemanha, Cuba, Argentina, Porto Rico, Venezuela, México, Estados Unidos, Japão, Austrália e várias cidades brasileiras. Sobre sua obra a editora Cosac & Naify lançou um livro tendo como título seu nome, assinado por Tadeu Chiarelli.

Seu trabalho inicia tendo a apropriação de imagens – retirada da TV, através de fotografia; imagens vindas de toalhas infantis, tecidos estampados – e sobre estas uma intervenção que deixava à vista detalhes das imagens. Agora, você mostra uma exposição com o repertório visual que cerca o universo esportivo. A partir disto, vamos a algumas perguntas:

Como pode descrever na sua trajetória a apropriação das imagens, e estas sendo apagadas, redesenhadas e processadas para feitura de sua obra? O que mudou das toalhas para as camisetas dos clubes? Dá para descrever este trajeto?

O fato de eu me apropriar desses materiais, em geral tecidos ou objetos moles que contêm estampas, é devido ao enorme excesso de imagens que encontramos no mundo de hoje. Este procedimento de apropriação vem sendo a principal atitude que igualmente se repete desde o princípio do meu processo criativo com as “vedações” dos anos 80. A diferença para o universo esportivo é o desafio de trabalhar com imagens muito fortes e cheias de significado, que pertencem ao universo popular, já que todo mundo tem um time e/ou torce por alguma coisa ou para alguém.

A sua apropriação das imagens é uma atitude crítica, se podemos assim denominar, entre uma realidade virtual e uma realidade concreta?

Em parte, sim. Ambiguamente há uma crítica quanto à ferocidade do consumo que se cria em torno dos ídolos, mas é também uma homenagem. A fé, o amor e o carinho, ou seja, todo o lado afetivo que envolve o coração das torcidas em geral. No entanto, eu mesma não enxergo essa diferenciação entre o real e o virtual, não é uma coisa com a qual me preocupo.

O que o uso destas imagens provoca como ironia e metalinguagem não apenas na sua obra, mas na sua relação com a arte, com a sociedade contemporânea?

Não posso ter um controle sobre a relação entre o irônico e o poético, que cabe tão somente ao público constatar.

No texto do catálogo que acompanha a mostra, está escrito: “a decisão recente de se voltar para o universo esportivo é perfeitamente coerente e compreensível, quase lógica”. O que a levou a ter o esporte e sua iconografia como tema desta mostra? Era mesmo um caminho lógico?

Foi principalmente uma nova fase da minha vida, em que passei a acompanhar mais assiduamente vários tipos de campeonatos, sejam eles de moto, skate, natação, tênis ou futebol – ESPN em geral. Assim, fiquei cada vez mais seduzida pelas imagens tão fortes das camisetas listradas ou lisas, usadas pelos jogadores, números, patrocínios e emblemas, tudo tratado graficamente com o mesmo valor. Essa miscelânea de valores e de amores é que me interessa. Há um interesse muito forte quanto ao uso deste material que está relacionado com a questão da identificação do sujeito. No mundo globalizado parece ser de extrema importância que cada qual evidencie pontos de identificação, usando a camiseta de seu time, de seu grupo de rock preferido, ou seja lá do que for, como um mapeamento tanto de sua personalidade quanto de sua turma.

Como você vê as possibilidades da imagem na arte hoje?

Vejo de maneira praticamente infinita, o que constitui ao mesmo tempo vantagem e conflito, à medida que a oferta de imagens é muito, muito superior à capacidade de qualquer artista de manipulá-las.

Há uma banalização da imagem agora?

Acredito que há um verdadeiro massacre do globo ocular do cidadão comum, com imagens que o recobrem do tênis ao boné, do banheiro de sua casa ao saguão do aeroporto. Impossível escapar. Este é o ritmo da comunicação nos dias de hoje.

Quanto à relação entre a pintura e o objeto, a bi e a tridimensionalidade, e o questionamento dos limites físicos da obra, qual a importância desta tensão para sua criação?

Desde o princípio, desenvolvo um jeito próprio de “construir” minha pintura-objeto. Pelo fato de utilizar materiais não artísticos, tais como cobertores, toalhas, camisetas, plásticos e veludos, entre outros, os trabalhos acabam obtendo espessuras e formas muito próprias, o que confere o status de objeto. É o procedimento assemelhado ao da colagem, de acúmulo de materiais, recobertos com tinta acrílica, que confere volumes, sobreposições e/ou transparências, que vem caracterizando meu trabalho desde sempre. Acredito que possa ser observado com clareza um caráter construtivo na constituição de cada obra. Este é um processo natural, que importa para mim na tentativa de envolver o pensamento do observador.

A sua pintura, tendo este dimensionamento de deixar à vista as características do material e, também, apesar de estar nas paredes, escorregar pelo chão ou entrar no espaço, pode ser identificada como relevos, ou isto leva a ter apenas uma propensão à tridimensionalidade?

A nomenclatura que prefiro para me referir à minha produção é realmente a de pintura-objeto, que dá conta tanto da questão construtiva do objeto quanto das questões pictóricas, no embate da construção de uma imagem final resultado da soma: estampa original mais tinta.

Os seus trabalhos sugerem um apelo táctil, orgânico, estético. Este é um objetivo para a integração com o espectador?

O aspecto táctil não é necessariamente pretendido desde o início, porém certamente é verificável nos resultados. E sim, quase todo mundo quer pôr a mão.

Sobreposições, camadas de tinta, a relação figura-fundo, sem vazios. Em seus trabalhos temos um ritmo proporcionado pelas cores. Qual a sua relação com a cor para fazer existir a sua obra?

A cor representa sempre um enorme desafio ao artista, seja ele pintor, ou esteja ele trabalhando em outras mídias. Cheias de significados, capacidades próprias e contrastes específicos, neste trabalho atual, ainda mais do que no anterior, vem sendo uma questão intensamente presente com a qual venho me debatendo todos os dias.

Você é uma pioneira em sua geração na utilização da costura para elaboração dos trabalhos. O que a levou a usar este serviço como etapa de sua pintura? Continua a realizar trabalhos, ou melhor, esta exposição utiliza a costura nas suas peças?

Minha avó. Foi observando a minha avó portuguesa, Dona Laurentina, que aprendi a costurar desde cedo, e, quando comecei a pintar sobre tecidos, o assunto da costura surgiu naturalmente. Sim, também nesta exposição praticamente todos os materiais passam pela minha máquina de costura.

Sua formação passa pela escola de artes da FAAP e, depois, mestrado e doutorado. Tendo esta experiência acadêmica, como vê o ensino da arte no Brasil?

Vejo com bons olhos. As universidades recebem muitos artistas para compor o corpo docente, há um enorme interesse pela área atualmente e o ambiente universitário em quase todas as partes do país encontra-se efervescente.

Como vê a arte brasileira agora?

Não só nas artes, mas também em outras áreas há um entusiasmo generalizado. A verdade é que os problemas na área são grandes, principalmente do lado institucional – museus e instituições culturais. A diferença fica mesmo por conta desse entusiasmo que move as pessoas em busca de soluções e resultados.

Qual a expectativa para esta individual na Bahia?

Estou supercontente com a exposição. Mostrarei nela o resultado de dois a três anos de trabalho dentro deste novo assunto da apropriação de material esportivo. Tenho um carinho especial por Salvador, cidade que visitei inúmeras vezes na minha juventude. Foi com muito carinho que elaborei a mostra, espero que o público possa apreciá-la.

(entrevista / novembro de 2011)

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