É na escultura que veio a encontrar seu caminho próprio e desenvolve seus trabalhos mais importantes, a partir de sua exposição individual no MASP, em 1974, quando apareceram estruturas lineares abstratas, nas quais é marcante o interesse pelo uso de materiais industriais. A incorporação destes diversos materiais em uma mesma obra – exemplo: vidro, parafina, seda e cabo de aço –, onde o sentido convencional de cada material é transformado, utiliza-os para esta realização de articulações e tensões, executadas por meio de cortes, dobras e soldas, num processo de criação que exige do espectador uma cumplicidade ao olhar, para que se obtenha a dimensão estética singular que estas esculturas possuem, de tal forma que uma sustente a outra. É uma característica muito frequente em suas esculturas, assim como o uso de líquidos, materiais com baixa temperatura de fusão, flexíveis, que adquirem seu formato pela gravidade ou outra força física que neles atuem.
Paulista, nascido em 1945, iniciou seus estudos de arte em 1963, cursando Arquitetura na Universidade Mackenzie e estudando gravura na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Realizou mestrado no Departamento de História da FFLCH-USP. Formou-se em Arquitetura e é um dos fundadores da Escola Brasil, juntamente com Luiz Paulo Baravelli, Frederico Nasser e Carlos Fajardo. Em 1966, fundou, com Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, Geraldo de Barros, Frederico Nasser e Carlos Fajardo, o Grupo Rex. Entre 1984 e 1985, residiu em Nova York como bolsista da Fundação John Simon Guggenheim. Foi professor na ECA-USP, FAAP e Mackenzie. Ajudou a fundar a revista Malasartes e o jornal A Parte do Fogo,. e diversas edições da Bienal de São Paulo. Em 1990, teve uma exposição exclusiva no MAC do Rio de Janeiro. Além de individuais, no Brasil e no exterior, participou de inúmeras mostras, como a Bienal de São Paulo (1967, 1983, 1989, 1998), Brasil 500, Mostra do Descobrimento (1999), Bienalle de Paris (1980, menção especial), Arte Brasileira do Século XX (1987, Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris), Bienal de Veneza (1988), Bienal de Sidney (1998), ArteCidade (1994 e 2002), Bienal do Mercosul (2001), Documenta (1992), Latin American Artists of XX Century (1993, Museum of Modern Art of New York ). Em 2003, a editora Cosac & Naify lançou um livro sobre sua obra. José Resende é um dos mais importantes artistas brasileiros desde a segunda metade do século XX.
Sua escultura possui uma diversidade de materiais – pedras, chapas metálicas, madeiras etc. O que o faz necessitar desta variedade para que ela venha a ser realizada?
Meus trabalhos são construções que envolvem um repertório grande mesmo de materiais. Em geral são coisas comuns, presentes no dia-a-dia da vida urbana. São placas de vidro, canos, chapas de metal, cabos de aço, blocos de pedra, containers. Até vagões de trem eu já utilizei. Nessas construções, estes diferentes materiais são reunidos através de operações simples, sempre fáceis de serem compreendidas por quem as vê, de forma que este espectador pode com facilidade perceber como o trabalho foi feito e refazê-lo com os olhos.
Nesta realização, para que estes materiais se transformem, há articulações e tensões executadas por meio de cortes, dobras e soldas. Isto é feito apenas em busca de um conteúdo da experiência estética, ou por uma necessidade inerente dos materiais para sua justaposição? O que o leva a ter que vir a consolidar um arranjo formal para que a escultura se visualize, ganhe massa física, ou adquira um sentido?
Não tenho uma formação de caráter artesanal do cinzel ou da goiva que dá formas às pedras ou transforma a madeira. Meu acesso à arte se deu através de referências que vêm da arte construtiva inaugurada pela escultura picassiana. Portanto, a diversidade de materiais já é um dado inicial, assim como construir coisas ao invés de transformar e dar forma às matérias. Como toda construção se inaugura com ela mesma, é o oposto do fazer artesanal cujo saber se depura no refazer o que é já sabido por tradição. Em algo que se constrói, o fazer é sempre inaugural, específico. Tem que ser criado junto com o que é feito. Encontrei a arte através de Wesley Duke Lee quando já cursava Arquitetura.
Vindo destes materiais diversos, para que tenhamos uma massa física, esta decorre de um pensamento visual que antecede esta feitura, um planejamento, um desenho, ou por deixar seguir a indicação que este próprio material propõe ou que está sendo articulado?
A ideia de desenho como projeto foi sempre o condutor do que faço, desde o início. Acredito que o sentido do trabalho aparece quando aquilo que é comum, um pedaço de cano, uma corda, um pedaço de veludo, por um deslocamento pequeno, por se juntar a outro material ou ser cortado, amassado ou simplesmente vincado, vira alguma outra coisa. Esta coisa em geral não tem nome, mas é algo que se põe concretamente no mundo, passa a existir. Acredito que é aí que se inicia a poesia. Quando eu acho que isso não aconteceu, essas coisas vão para o lixo. Pode-se dizer que o trabalho é como uma poesia construída só com palavras muito comuns, utilizadas no dia-a-dia, trivialmente, só que, agrupadas de uma forma inesperada, geram sentidos que surpreendem. Dizem coisas ainda não ditas.
Você acredita que, com este seu processo de criação, onde o sentido convencional de cada material é transformado, é uma exigência a mais para o espectador, a de que este se torne quase um coautor, ou mesmo um cúmplice, para que a obra tenha a dimensão singular que você deseja na sua execução? O espectador, assim, também faz parte dela? Ele é fundamental para sua experiência estética na feitura de suas obras?
Se a escolha dos materiais recai sempre sobre coisas imediatamente reconhecíveis pelo espectador e a manipulação que sofrem são sempre muito aparentes, há de fato uma convocação para uma atitude ativa, participante desse espectador. A escala do trabalho inclusive é sempre relativa ao observador e sua situação no espaço idem. Se é possível dizer que o trabalho seja um desenho no espaço, ele almeja incluir o espectador nesse lugar.
Um dado relevante na sua escultura é o diálogo que ela tem com outras linguagens, como a fotografia, a pintura. Mais uma vez o sentido convencional é modificado. É mais um dado que você acrescenta para que adquira outros sentidos para quem a vê?
Não vejo relação do meu trabalho nem com a fotografia e muito menos com a pintura. Crio coisas que se põem concretamente no mundo. Seu entendimento se dá na sua presença. Os significados que podem despertar se constituem a partir do próprio trabalho. Ele não está ali no lugar de nada.
E os títulos? Há uma força das palavras neles. É imprescindível a presença de títulos para a compreensão do que vemos? Ou apenas, quando os temos, uma das possibilidades para vermos as obras?
Aliás, sobre títulos, os trabalhos quase nunca os têm. Muitas vezes, a partir do convívio com eles, surgem apelidos, como, por exemplo, uma peça feita com uma chapa de ferro que é cortada várias vezes de uma extremidade até quase chegar ao lado oposto. Formam-se assim muitas pernas que sustentam esta chapa para ela ficar em pé. Acabou sendo chamada de Fred Astaire.
Quantas obras irão compor a exposição na Paulo Darzé Galeria de Arte? Na sua maioria, quais os materiais que as esculturas trazem?
A exposição na Paulo Darzé Galeria de Arte se constitui de trabalhos produzidos em diferentes momentos: trabalhos mais antigos, pelos quais se identifica com facilidade a minha produção, sendo que o mais antigo é uma versão um pouco diferente, mas é praticamente a mesma solução da peça que pertence à coleção do Jardim de Esculturas do Unhão (sendo que uma foto dessa peça muito me envaideceu por ser a capa do catálogo daquela instituição), até trabalhos bem recentes, nunca expostos antes, realizados em vidro, parafina, seda e cabo de aço. Foi uma experiência curiosa traçar esta linha transversal e assistir ao convívio de trabalhos produzidos em momentos tão diversos. Os mais antigos são realizados em diferentes metais: aço SAC 50 (tipo corten), aço inox, aço SAC 50, recoberto de betume, chumbo, tubos de aço inox (em trabalho que acabei dedicando à Maria Martins, por perceber relações que me surpreenderam quando o construí, pois até aquele momento poucas peças eu conhecia do seu trabalho e, no entanto, foi imediata a identificação, provavelmente por alguma imagem que ficou retida em minha memória sem que tivesse muita consciência disso).
(entrevista / agosto de 2010l)