Amilcar Augusto Pereira de Castro (Paraisópolis, Minas Gerais,1920 – Belo Horizonte, Minas Gerais, 2002). Escultor, gravador, desenhista, diagramador, cenógrafo, professor. Muda-se com a família para Belo Horizonte em 1935, e estuda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de 1941 a 1945. A partir de 1944, frequenta curso livre de desenho e pintura com Guignard (1896 – 1962), na Escola de Belas Artes de Belo Horizonte, e estuda escultura figurativa com Franz Weissmann (1911 – 2005). No fim da década de 1940, assume alguns cargos públicos, que logo abandona, assim como a carreira de advogado. Paralelamente, em seus trabalhos, dá-se a passagem do desenho para a tridimensionalidade. Em 1952, muda-se para o Rio de Janeiro e trabalha como diagramador em diversos periódicos, destacando-se a reforma gráfica que realizou no Jornal do Brasil. Depois de entrar em contato com a obra do suíço Max Bill (1908 – 1994), realiza sua primeira escultura construtiva, exposta na 2ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1953. Participa de exposições do grupo concretista, no Rio de Janeiro e em São Paulo, em 1956, e assina o Manifesto Neoconcreto em 1959. No ano seguinte, participa em Zurique da Mostra Internacional de Arte Concreta, organizada por Max Bill. Em 1968, vai para os Estados Unidos, conjugando bolsa de estudo da Guggenheim Memorial Foundation com o prêmio de viagem ao exterior obtido na edição de 1967 do Salão Nacional de Arte Moderna (SNAM). De volta ao Brasil, em 1971, fixa residência em Belo Horizonte. Torna-se professor de composição e escultura da Escola Guignard, na qual trabalha até 1977, inclusive como diretor. Leciona na Faculdade de Belas Artes da UFMG, entre as décadas de 1970 e 1980. Em 1990, aposenta-se da docência e passa a dedicar-se com exclusividade à atividade artística.
A superfície está em branco. Eu também. Se com um gesto eu a toco. Sou tocado. Aí é quando tem início o gesto; eu sou a única testemunha que jamais poderá mentir. Amilcar de Castro é um dos mais importantes artistas brasileiros do século XX.
São vários os períodos da sua criação ao trabalhar nos mais diversos materiais o corte e a dobra na matéria, formando um objeto tridimensional, conversando com o espaço o fazer rigoroso da forma, o equilíbrio da composição, o despojamento do ritmo e da expressividade que imprime sobre a superfície da tela ou o papel ou o ferro. E aí tanto faz se seja ela bi ou tridimensional, em grandes ou pequenos formatos. O que temos é a linguagem pessoal de quem está a criar uma obra singular e poética.
Amilcar Augusto Pereira de Castro nasceu em Paraisópolis, Minas Gerais, em 8 de junho de 1920. Primeiro filho do juiz, depois desembargador, presidente do Tribunal de Justiça do Estado, professor da Faculdade de Direito da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais, autor de livros, Dr. Amilcar Augusto de Castro, e Maria Nazareth.
Meu pai era juiz. Meu contato era o mundo jurídico. Era severo. Fiz o curso de Direito. No segundo ano, Guignard chegou a Belo Horizonte. Eu, interessado, fui lá. Frequentei o curso livre de desenho e pintura de Guignard. Formei-me em Direito. Tentei advogar. Mas vi que não tinha talento nem paciência para advogar. Consegui emprego no Tribunal de Justiça, era federal, o que facilitou depois pedir transferência para o Rio de Janeiro. Trazia o emprego. Era 1952. Fui casado. Continuei fazendo escultura, desenho, sempre. A minha primeira exposição de dobra foi de cobre dourado, neste mesmo ano.
Amilcar coloca como data inicial de sua trajetória o ano de 1945 – das esculturas em barro. Figurativo. O abstrato entre 50 e 52. Para sempre.
Eu fiz várias pesquisas, em várias coisas, arame, gesso, barro, cabeça, mão, torso, mulher. Depois fui tentado para uma arte abstrata. Desde aí. Explorando a chapa de ferro. Fiz alguma coisa em cobre, em vidro, em madeira, em arame. Depois descobri a chapa de ferro, e daí por diante tomei como meu material de trabalho. Em 1953 houve a Bienal do quarto centenário de São Paulo, onde apresentei a primeira escultura de dobra. Era um triângulo. Três retângulos dobrados na diagonal. Cada retângulo havia possibilidade de ser uma escultura.
O marco, o ponto de partida, vamos dizer assim, pode se situar quando ganhou o prêmio da II Bienal de São Paulo/1953, evento em que apresentou sua primeira escultura construtiva, repetindo esta participação através de sala especial nas edições de 1979, 1987 e 1989. Em 1955, recebeu o Prêmio de Escultura do Salão de Arte Moderna da Bahia. Mas há um começo em 1947, quando participou do V Salão Nacional de Arte Moderna do Ministério da Educação e da Cultura. No Rio de Janeiro, então capital federal, onde ficou por vinte anos, iniciou uma carreira de diagramador, trabalhando nas revistas A Cigarra e Manchete, vindo posteriormente a realizar o projeto gráfico do Jornal do Brasil, revolucionando a feitura dos periódicos brasileiros.
O jornal era feito à mão. Não tinha máquina. Era assim que ia para a oficina. Na letra de cada um. O Jornal do Brasil? Um centro de convivência em volta do jornal. Uma forma de informação sobre, principalmente sobre, poesia. Balançamos vários coretos. O que era muito bom.
Os anos 50 o colocaram diante das ideias de Max Bill, do concretismo, anos de vanguarda, a discussão dos novos caminhos e possibilidades para a arte brasileira, mas sempre continuando a desenvolver suas experiências em desenhos e esculturas. Em 1956/1957, quando acontecia a I Exposição Nacional de Arte Concreta, vêm à tona as diferenças entre o grupo paulista e o carioca, e disto o neoconcretismo, tendo como espaço de divulgação de seu pensamento, publicando o Manifesto, em 1959, o SDJB – Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Amilcar, nas suas experiências, iniciou os trabalhos em ferro. No começo eram esculturas de corte e solda, onde a chapa era cortada em partes que, soldadas em posição determinada pelo artista, criavam o volume e o espaço da obra.
Eu gosto do ferro. Eu gosto da chapa de ferro. Da cor do ferro. E é fácil de trabalhar. Todo mundo sabe trabalhar em ferro. Não há mistério na chapa de ferro. No material. Na crueza da grande chapa. A força do ferro está até esquentar. Aí se dobra. O corte e a dobra. Forma e contra forma em diálogo permanente. Eu acho bonito o material. O corte, a solda. É tudo muito simples. Gosto do mais simples, do mais direto. É o meu jeito de ser. E está em qualquer coisa. Sou simples. É isto que estrutura toda a escultura. Facilita o trabalho. Sinto-a como espaço. A ferrugem? A ferrugem faz parte da obra, do material, quer o material, é da chapa de ferro. Mas escolhi o ferro também pela cor. A cor do ferro.
Ganhou em 1965 uma bolsa da Fundação Guggenheim, e, em 1967, o Prêmio Viagem ao Exterior do Salão Nacional de Arte Moderna. Foi para Nova York sem falar bem o inglês, com mulher e três filhos, onde permaneceu até 1972. Teve dificuldade em trabalhar com ferro. Em encontrá-lo. Deixou de lado o corte e a dobra. Passou para o aço inox. Os chaveiros. Uma argola, em tamanhos e formas diferentes, e pendurava um quadrado, um círculo, um retângulo, e se armava. Com esta pesquisa, onde a luz, a forma e o espaço se revelavam pelo equilíbrio, ganhou novamente o Guggenheim, trabalhos exibidos em exposições em Nova York. De volta ao Brasil, foi morar em Belo Horizonte, Minas Gerais. Fez concurso para a Universidade Federal de Minas Gerais. Tornou-se professor, deu aula de 72 a 90, 18 anos.
A Escola de Belas Artes é diferente de Medicina, Direito, Odontologia. Estas escolas têm o passado como fundamental para o futuro. Para obturar um dente tem de fazer assim, assim, pois já foi feito anteriormente, muitas vezes, e é assim que se faz e que se ensina. Em Belas Artes o sujeito quer logo o futuro, não se importa com o que já foi feito, pois quer inventar coisas. A função não é ensinar o passado. É provocar o futuro. Acreditar no que quer estes alunos e na força deste querer.
Múltiplas as atividades na arte – escultor, gravador, desenhista, pintor, diagramador, cenógrafo, criou joias em ouro escovado, professor de composição, escultura, desenho e teoria da forma na Faculdade de Belas Artes da UFMG. Das esculturas em aço, ferro, madeira, efetivando no plano desdobramentos, cortando e dobrando, a projeção da obra no espaço, experiências espaciais no rigor da forma, e, ao isto ser dito, acrescenta: Eu desenho. Corto a chapa num pedaço, dobro. Outro pedaço. Mas eu fico mais preocupado com o espaço externo que entra na chapa quando dobro. Mas esta entrada na chapa é que cria o que acho diferente, o espaço cooptado na dobra. Ao cortar e dobrar chapas planas é que chego ao espaço. Ao longo do tempo fiz variações. A descoberta da dobra foi fundamental, pois com ela as formas não se fecham nelas mesmas. Posteriormente, fiz pequenos trabalhos sem dobras. Só corte. Passei a cortar no todo. Aumentei a espessura da chapa para ficar em pé, ter presença. E isto colocou um peso. Aí foi que comecei a fazer esculturas menores.
A organização do espaço surge nelas sem um projeto anterior. Em parte de suas últimas esculturas, não realiza dobras, apenas cortes em espessas paredes de ferro por onde a luz passa. São sólidos móveis. Gosto, sim. Gosto de mostrar o espaço ainda não visto. Escultura é a forma do silêncio onde a luz guarda a sombra e comove. Escultura é pedra do fundo do rio e tem que pegar de olhos fechados.
Sobre os desenhos, insiste: Não sou pintor. Um pintor interpreta o mundo pela cor. Eu sento e desenho. Não interpreto o mundo pela cor. Interpreto pela construção. Interpreto pela linha. Eu sou um desenhista. O pintor estrutura o espaço em cor. Eu estruturo o espaço em linha. Eu me considero um desenhista. De acordo com a organização desta linha no espaço, pode ser escultura, pode ser desenho. A linha é que é a estrutura sempre. A cor entra como gesto, como ênfase. Por isto é desenho. Não é pintura. Eu sou tomado pela linha. A linha do lápis duro. O lápis no papel sem sombra, sem a facilidade da sombra, nem borracha para consertar. Eu acho muito bom. Faz um sulco no papel. Um corte. Atravessa. Eu sou um gráfico. Eu organizo graficamente a linha. Acredito no mais livre e depois organizo. As cores gráficas são amarelo, azul, vermelho. Não existem outras cores em gráfica. Não tem nada a ver com pintura. Minhas cores são gráficas. Arte gráfica desenha em branco e preto. Algumas trazem uma cor. O que faço é um exercício de um gráfico. Em branco e preto, mesmo que tenha outra cor.
Seja qual for o caminho, na obra de Amilcar estamos diante de um rigor na coisa feita, de uma economia de meios, de formas, concisão. O gesto enérgico da tinta para as telas, ou com o ferro, revelam traços sempre harmonizados em seu conjunto, nos dando a poesia da dureza da forma.
Economia de cores? Não há. O que há é que sou gráfico e nele eu já excedo nas cores. O uso da luz, o momento, do espaço, do simbólico? Eu gosto, tenho prazer de ser construtivo, de fazer uma escultura que não deixa sobras, não deixa pedaços, ao ser uma solução perfeita. É o meu jeito de pensar.
– O dia-a-dia de fazer esculturas, fazer desenhos, já tenho as duas coisas juntas. É alegria fazer as duas coisas juntas. Riscar um papel, o desenho. Nada é predeterminado. Faço um risco, acho bom. Continuo. Se não acho, jogo fora.
– Você presencia uma coisa que você não sabe, sua consequência. Se não ficou bom, joga fora. É uma pesquisa interna. Uma procura. E isto acho muito bom.
– Tenho horror de definição. Você fecha. Você trava. Sento. Fez, valeu. O critério é a sensibilidade. Não adiantam teoria, definições, informações. O fundamental é a sua sensibilidade. O resto é conversa fiada.
– Não acredito em inspiração. Todo dia eu quero fazer. Toda hora eu quero fazer. Não há esse momento extremo que bate o santo. Acho isso uma bobagem. Eu desenho, e corto e dobro. Não tem muito mais que isso aí.
– A alegria de fazer é que nunca é igual, apesar de parecer. Sempre é descoberta.
– Creio que se deve fazer o que sente. Este é o caminho que acho certo.
– A arte é um ato de justiça. Sem justiça não se faz arte. A verdade, a justiça, a beleza. São a mesma coisa. É grego. Vem deles. O que é verdadeiro é belo e justo.
Em 1977 recebeu o prêmio do Panorama da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São Paulo, na categoria desenho, e, no ano seguinte, o de escultura. Teve uma sala especial na Bienal de São Paulo de 1979. Em 1989 o Paço Imperial, no Rio, organizou uma retrospectiva de sua obra. Em 1992, nova retrospectiva foi organizada pelo Museu de Arte de São Paulo. Em 1995 recebeu o Prêmio Nacional outorgado pela Funarte e pelo Ministério da Cultura. Dois anos mais tarde foi laureado na edição inaugural do Prêmio Johnnie Walker de Artes Plásticas. Em 2001 fez sua última exposição em vida na Pinacoteca de São Paulo, apresentando esculturas gigantes e pinturas-bandeiras, penduradas no espaço. A nova produção propiciou uma escala que não havia ainda no seu trabalho após inaugurar um novo ateliê em Nova Lima, Minas Gerais. Faleceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 22 de novembro de 2002, vítima de insuficiência cardíaca, após complicações decorrentes de uma angioplastia coronária. Ficou para nós, seus admiradores, seja por um caminho, ou por outro caminho, o desenho rigoroso, calculado, pensado, ou o desenho improvisado na hora, no papel, nas telas ou no ferro de suas esculturas. Todos em si mantendo a unidade do construtivo. E em todos, a coerência, a inteireza e a clareza de um dos maiores artistas do século XX no Brasil.