A artista plástica Cristina Sá inaugura, com a curadoria de Denise Mattar, a mostra Pulsações, reunindo cerca de 25 trabalhos em diferentes formatos – 15 telas, 4 tridimensionais, 4 trabalhos em papel sobre papel, 1 instalação em papel.
Para elaborar esta série, Cristina trabalhou com uma variedade de meios como pintura, colagem, desenho, costura e monotipia. Sua produção delicada e minuciosa traz uma clara influência do Oriente, tanto nos desenhos como no material utilizado. Nas telas, por exemplo, Cristina aplica tinta, nanquim, monotipias e variados tipos de papéis orientais, como o washi e o chiyogami, trazidos de suas viagens por países como China, Nepal, Tailândia e Japão.
A inspiração oriental tem explicação em suas próprias origens: o avô materno de Cristina era chinês. “A fusão Oriente-Ocidente é um dos eixos do meu trabalho. Tenho fascínio por forças opostas que convivem”, revela a artista. A artista rasga, coloca na água, seca, amassa, pinta e corta, cuidadosa ou aleatoriamente, os papéis transformando-os em mandalas e vestígios de paisagens, como bambus e folhas. Originalmente repletos de cor, ou pintados manualmente por Cristina, esses recortes são aplicados às telas e absorvidos aos demais materiais, oferecendo à obra um efeito visual homogêneo, quase orgânico, como diz Cristina.
Além das telas, Cristina irá mostrar três móbiles tridimensionais com inúmeras mandalas fixadas delicadamente em fios tensionados, presos numa placa lisa de acrílico transparente, mas flutuantes no ar. Adicionadas e costuradas uma a uma por Cristina, as figuras redondas formam uma cascata saturada de cor, vazada de luz. O componente de meditação zen, observado nas telas de Cristina, se inquieta nas peças tridimensionais, com seu movimento de cor e forma.
A artista completa a mostra com uma grande instalação feita com o milenar papel washi. Leve, porém, resistente, em sua versão original o material lembra um grande tecido branco. Depois das pinceladas de Cristina, porém, o papel absorve a tinta e ganha nova personalidade, desta vez colorida e, muitas vezes, até manchada. Depois de prontos, os washis de Cristina são estendidos como largas ondas e suspensos no ar, formando as grandes instalações. Para a mostra em Salvador, a instalação se compõe de três washis de tamanhos diferentes.
TEXTO PARA CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO
Por DENISE MATTAR
Cristina Sá inicia seu trabalho com largas pinceladas aguadas, como se acariciasse a tela. A tinta escorre em tramas leves sobre o plano, que se mantém luminoso e límpido, mas carregado de pulsações de transparências. Vestígios de bambus e folhas delineadas remetem à natureza, mas são apenas indicações de paisagens, como música ouvida ao longe. As amplas áreas brancas parecem aguardar que algo seja dito – em sussurros – sem romper o mistério. Um componente de meditação zen estabelece o campo de ação e de entrega. A conquista será silenciosa. A seguir, o milenar washi, maleável, translúcido, leve e resistente cola-se à tela como pele, acolhendo a cor, o traço e o rasgo. Há uma vibração de matéria nos rugosos acidentes do papel, no jogo de relações cálidas, mas contidas, que se estabelecem no plano, nas bordas das fibras que se tornam tintas.
Um cromatismo discreto insinua-se nessa construção diáfana, através da sutileza poética dos chiyogami. Esses papéis, com padrões delicados repletos de cor e significados, são algumas vezes cuidadosamente recortados por Cristina em mandalas, ou sensivelmente rasgados, transformando-se em gestos, em pinceladas.As camadas vão se sobrepondo: tinta, nanquim, papel, aguadas, monotipias. É impossível saber onde começa uma coisa e acaba a outra, tudo se dilui e se interpenetra no espaço, em contínua vibração e mutabilidade. O ouro velado brilha. A trama do linho aparece. É uma soma de desejos, ideias e gestos que produzem uma simplicidade conquistada e harmônica. Mas há rompimentos de equilíbrio nesses campos de paz, tensões que a artista estabelece em suas paisagens mentais, visões de um mundo confuso e complexo, marcas do tempo no fluxo da vida.
Essa inquietude se revela mais intensamente nos trabalhos tridimensionais nos quais mandalas, delicadamente fixadas em fios tensionados, flutuam no ar. Uma se sobrepõe à outra, uma deixa entrever a outra, e juntas formam um só corpo, saturado de cor, vazado de luz – um móbile stabile. Paradoxalmente, esses objetos de impermanência acalmam, como a visão do movimento de peixes em águas calmas. Por fim, seduzida pelo washi, Cristina Sá estende a seus pés um longo monocromo branco. Abre contrastes na alvura do papel e aguarda suas respostas. E ele espraia manchas, absorve rastros, engole cores, e no embate silencioso com a artista, se transforma em rio. E suas águas descem em cascata, em largas ondas suspensas, escorregando murmúrios. Maciez translúcida que levita – invadida de cor.