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Anderson AC

Abertura
08 de novembro de 2022

Horário
19h

Exposição
08 de novembro a 10 de dezembro

TESSITURA DA ALVORADA DE ANDERSON A.C.

INAUGURA UM NOVO ESPAÇO NA PAULO DARZÉ GALERIA

EM SETEMBRO DE 2022

 

 

Anderson AC é um dos novos nomes da arte baiana e integra o acervo da Paulo Darzé Galeria. Seu trabalho utiliza de diversas linguagens como a pintura, o grafite, a colagem, a arte postal, o vídeo, a fotografia digital, a literatura, o uso de imagens e documentos familiares, vestígios, deslocamentos, documentos, relatos e imagens, memórias e registros pelos quais se desdobra numa constante intervenção artística para a criação das composições estéticas que servem de suporte para seus trabalhos, onde cria, desenha, cola, pinta, fotografa, interfere; onde questiona e discute processos, como um espaço de concepção, reflexão e desenvolvimento destas ideias; onde revela um conceito elaborado de vivência através da memória e da sobreposição de linguagens artísticas, na qual o caráter itinerante do processo de documentação dos fatos cotidianos cria o espaço de experimentação através de um diálogo entre arte e vida, de um cotidiano transformado em arte.

Anderson AC, nasceu em 1979 – Salvador/Bahia, onde vive e trabalha. Em seus projetos, o artista parte de algum objeto antigo em busca da construção de séries de trabalhos; são os objetos/portais, fios condutores que criam relações entre passado e presente, permitindo ao artista abordar questões históricas, não apenas a partir de uma mera e simples escolha, mas de questões impostas pelo destino, o que cria uma real ligação entre arte e vida, constituindo a ideia de que nada está solto no universo: tudo está ligado.

Expondo regularmente em festivais, bienais, trienais e mostras coletivas significativas, esteve na 7ª edição do SP-Arte, no pavilhão Bienal, Ibirapuera São Paulo. Tem na sua trajetória a participação no coletivo de grafite 071crew, onde realizou várias intervenções urbanas na cidade, duramente os anos 2000.  A partir de 2007 começou a se apresentar em mostras coletivas, com destaque para a Original Vandal Style, única exposição do coletivo, e as exposições 3 Pontes na II Trienal de Luanda; Arte Lusófona Contemporânea, no Memorial da América Latina; em São Paulo; Afetos Roubados no Tempo, no Centro Cultural da Caixa, em Salvador; e Muros, coletiva que reuniu 11 grafiteiros baianos na galeria do Ferrão, no Pelourinho, também em Salvador. Realizou uma residência artística em dois locais relacionados com suas origens – primeiro em Luanda, Angola, durante a II Trienal, que teve como temas as Geografias Emocionas – Arte e Afetos; e depois em Évora, Portugal, onde realizou sua primeira exposição individual. Duas outras mostras foram realizadas em São Paulo, Galeria Sosso, e, em Strasburgo, França, na galeria do Conselho da Europa. Sua última exposição individual foi a primeira em Salvador, e se chamou O diário de bordo ou O livro dos dias, no ACBEU (Associação Cultural Brasil-Estados Unidos), em 2017. Em 2019 apresentou a mostra Pintura Muralista, num dos pilares da resistência artística visual da arte negra no Brasil, o Museu Afro-Brasil em São Paulo. Segundo Emanuel Araujo, curador e diretor do Museu, “Anderson AC é um artista baiano proeminente com uma potente produção marcada pela pintura grossa e expressionista, e a relação entre murais urbanos e a consciência sobre as contradições de um mundo cheio de diferenças sociais, e estranhezas religiosas. 

 

 

Apresentação da mostra por Marcelo Rezende

O que “Tessitura da Alvorada” representa? Essa não é, de forma alguma, uma questão menor; é parte de toda a história da pintura e de nossa relação com as imagens, a representação. Mas é aqui, nesse degrau inicial da longa escalada proposta por Anderson A.C., que o primeiro tropeço em nosso entendimento se torna um risco.

Ainda que elementos de sua pesquisa artística de mais de uma década estejam presentes de forma evidente (os códigos visuais da arte do grafitti, a cultural africana em Salvador como matriz e toda a simbologia religiosa e social), “Tessitura da Alvorada” é, a um só tempo, um prosseguimento e uma radical atitude de rompimento em e com a trajetória do artista: o que vemos não são pinturas – em seu sentido mais elementar – , mas um outro objeto, algo que pede uma outra definição, uma outra categoria na qual as imagens pintadas são apenas uma camada inicial em nome do próprio entendimento da obra: no lugar da pintura, um objeto pictórico, ativo, em permanente ação diante de suas próprias circunstâncias.

As circunstâncias brasileiras (passadas e presentes, talvez de uma forma nunca tão evidente) é aquilo que se sabe: o lento genocídio das populações indígenas, a violência social, o achatamento da presença feminina na esfera política, o racismo como estrutura de base, o ódio à floresta, a pobreza e a colonização do outro e todos os mecanismos de destruição, também simbólica, em nome da geração de um suposto progresso e desenvolvimento numa carnavalização temperada em histeria, ansiedade e crueldade, sempre apoteótica, do mito (fascista) da decadência dos reais valores nacionais.

A descrição dessas circunstâncias é em tudo negativa. De todo modo, é necessário observar o que há de positivo nesse oceano de negatividade: a existência de um permanente estado de luta em oposição a esse regime de forças. Não há uma neutralidade artística possível, porque toda luta política cria uma forma estética. Os objetos pictóricos de Anderson A.C operam precisamente nesse campo, na definição mesmo da ideia de tessitura, que pode ser definida, na língua portuguesa, como o encadeamento entre as partes de um todo. A tessitura demanda um gesto necessariamente político, e esse gesto é a chave para a uma melhor compreensão da posição ocupada por essa nova série de trabalhos.

Se a forma estética não pode ser dissociada da luta e de suas circunstâncias políticas, a escolha dos retalhos para a composição dos objetos pictóricos de “Tessitura da Alvorada” não é, então, de maneira alguma, gratuita. É o que sustenta o objeto pictórico em toda sua dimensão, porque com ele, os retalhos, é capaz de transportar uma vitória do passado para o conflito do presente. Os retalhos não apenas representam algo, eles são a parte ativa de toda obra, os restos de uma precisa circunstância histórica: a participação dos operários da indústria têxtil durante a greve geral na cidade de Salvador em 1919.

No período, dos  “283.422 habitantes contabilizados, 31,1%, ou seja, 88.144 seriam brancos e 68,9%, ou seja, 195.277 seriam negros e mestiços (…), em grande parte feminina, e acima de tudo negra, mas nem por isso passiva, a classe trabalhadora de Salvador era, então, uma multidão híbrida, saída da escravidão, formada por homens e mulheres que labutavam como proletários fabris, totalmente desprovidos dos meios de produção tendo como único meio de vida a venda de sua força de trabalho (…) A greve geral de junho de 1919 foi um fenômeno extraordinário não só por ter sido o primeiro movimento da classe operária capaz de paralisar toda a cidade do Salvador, mas também por ter legado para o operariado (ou para parte dele) um novo padrão de comportamento político frente às suas necessidades imediatas. O movimento operário baiano de 1919 diferenciou-se do de sua fase anterior principalmente por ter superado seu antigo caráter puramente defensivo, quando os operários apenas lutavam em condições adversas para manter conquistas pré-existentes, e por ter passado para um movimento ofensivo, apresentando reivindicações novas, ligadas, inclusive, ao processo de trabalho”.[1]

Quase a totalidade desse complexo industrial têxtil do início do século passado se encontrava na região hoje definida como áreas suburbanas da capital baiana, o mesmo território no qual Anderson A.C. tem como seu espaço social e de trabalho. O quanto há de presente nesse passado do ano de 1919? Nos retalhos de “Tessitura da Alvorada” há um caráter de arqueologia e memória, e as figuras pintadas sobre esses fragmentos de tecido transitam entre uma série de processos ainda inacabados, flutuando sobre conflitos jamais plenamente resolvidos. Decididamente, esses objetos pictóricos não se resolvem apenas nas imagens visíveis aos olhos, porque demandam uma outra sensibilidade. Não se trata de exaltação das formas, não se trata apenas do que esses objetos mostram, mas sobretudo do que irradiam em nome da reconstrução de uma cultura agora em pleno colapso.

[1] Aldrin Armstrong Silva Castellucci. Salvador dos Operários: Uma História da Greve Geral de 1919 na Bahia. UFBA. 2001.

DO RASGO A CURA

por Thais Darzé

 

A primeira claridade da manhã que desponta no horizonte, aqueles primeiros instantes que anunciam a chegada de um novo dia, é um novo ciclo num universo de possibilidades que se renovam e se apresentam todos os dias a cada manhã. No contexto religioso afro-brasileiro é também o horário que se iniciam diversas cerimônias nas comunidades de terreiro. É justamente por essa ótica que o artista plástico Anderson Cunha escolheu “Alvorada” como título de sua exposição, que para ele significa um processo de renovação dentro de sua própria obra.

Não é a primeira vez que AC retalha suas pinturas. Jovem, negro, de bairro periférico de Salvador, esse processo de rasgar, dividir, retalhar suas telas começou em 2008, quando seu irmão foi assassinado. Logo após essa terceira perda, já que nos anos anteriores havia perdido seus pais, os retalhos aparecem em sua obra, junto com a série chamada “Álbum de Família”. A presença dos recortes aqui são frutos de uma violenta história pessoal de vida, que foi marcada por perdas abruptas, em que, num intervalo de cinco anos, o artista perdeu todo seu núcleo familiar.

Em 2016, o rasgo retorna nas suas pinturas. Poucos anos antes, em sua primeira ida à África, em 2010, Anderson participa de residência artística durante a II Trienal de Luana, na qual o artista pinta um grande mural na capital angolana, retratando sua própria família, que possui descendência Bantu. Em contrapartida, traz consigo uma série de imagens para produzir no Brasil, reforçando as noções das pontes transatlânticas, seus fluxos e refluxos. As pinturas dessa série são todas retalhadas como forma de denúncia às dilacerações, frutos dos processos escravistas.

No entanto, em sua nova série, titulada de “Tessituras da Alvorada”, os retalhos se apresentam de forma bastante distinta das séries anteriores. O corte agora vem acompanhado da costura, onde todos os retalhos são suturados pelo próprio artista, que senta na máquina de costura para unir cada um dos fragmentos, dando forma a novos suportes, totalmente irregulares. A figuração continua sendo protagonista das pinturas, mas o cenário de fundo tende à abstração.

Se antes a intenção de Anderson era expor o rasgo, na sua dimensão simbólica de ferida aberta, dores e violências, as “tessituras” foram incluídas como processo de cura desses ferimentos e dores do passado, sem deixar de assumir as cicatrizes e marcas que essas violências causaram em sua vida pessoal, além da dimensão histórica e social dessas mazelas. A palavra tessitura, nesse contexto, tem o significado atrelado à constituição de um tecido, sua textura, a tessitura da tela e as novas tramas adquiridas após serem remendadas.

Essa série tem uma ideia de superação dessas dores, mazelas e holocaustos históricos, constituídos através dos processos de colonização e escravização de povos africanos. Se, nas pinturas anteriores, o rasgo tinha o papel de denunciar e deflagrar, agora as tessituras tem a função de curar, superar e transformar essas feridas históricas, não apenas ligadas à sua realidade pessoal, mas de todo um histórico imposto ao povo negro. É tempo de seguir em frente, é “Alvorada”, o primeiro raio da manhã.

 


PINTURA MURALISTA

por Emanoel Araújo

 

A pintura grossa e expressionista de Anderson AC o põe em contato com a largueza da pintura de rua, no que ela tem de comunicativa e nos temas abordados por ele. Consciente da sua presença no mundo, ele discute na sua obra as relações sociais e estéticas do seu tempo.

Claro que vivendo em Salvador ele interage como participante da lúdica atmosfera que a terra lhe oferece.

Sua obra de grandes dimensões mostra um artista com grande folego na realização de uma obra que se desdobra no ato livre de pintar. Claro está que Anderson AC lida com ás circunstâncias de suas vivências, sem contudo ser panfletário, sem ser cartaz, mas a expressão de um pintor na perspectiva de processar uma consciência política num mundo em constante transformação e sobretudo de novas formas de expressão estética.

Anderson AC com sua pintura grossa, vai também além da apropriação de imagens reconhecidas, como fotos e situações da vida em si. Há também na sua pintura um desafio à pintura lisa, rompendo através de cortes no suporte como se dividisse em tempos e ritmos da obra.

Saudamos esse artista afrodescendente da Bahia, seu talento e seu compromisso de estar em legítimo estado de espírito com a sua terra e sua origem étnica.

ENTREVISTA SOBRE “TESSITURA DA ALVORADA” por Claudius Portugal

 

  • – Você inaugura um novo espaço na Paulo Darzé galeria. O que você pode dizer sobre “Tessitura da Alvorada”?

Realmente, eu me sinto muito honrado por isso. Sou um artista influenciado pelos acasos, pela memória ancestral, pela memória familiar e por acontecimentos existenciais. Curiosamente, o espaço onde funciona a Galeria era uma casa, onde um dos meus tios foi caseiro, um espaço que visitei em alguns momentos na infância, um espaço onde as memórias se ligam a momentos bons, mas também à subalternidade e a toda uma herança colonialista. Então, hoje, retornar como artista e, mais ainda, como artista que está realizando uma exposição individual, que como você cita, inaugura um novo espaço nesta galeria tão importante, pra mim é um momento muito especial, é realmente uma honra e uma felicidade muito grande, e é, de certa maneira, uma forma de honrar a memória de meus ancestrais, principalmente por ser, neste momento, onde venho tecendo essa minha alvorada.  “Tessitura da Alvorada” é minha nova série, a qual relaciona as ideias de tessitura, que por analogia quer dizer “o modo como estão interligadas as partes de um todo; organização, contextura”, e de alvorada, que além de contemplar os primeiros momentos antes do nascer do sol, é o momento em que muitos rituais de matriz africana ocorre, dada a importância desse instante.

Essa série incorpora novos modos de produção – como a costura – e dá-se em um momento de transformação do processo artístico que engloba a minha produção. Momento de entendimento das minhas necessidades interiores e de percepção do momento presente; assim como a percepção de como outras pessoas com a mesma realidade periférica que eu tive vem vivendo e de como se faz necessário reposicionar a imagem dos afrodescendentes diante do seu protagonismo no que cerne à construção deste país. Percebo que (nós, os negros) vivemos o início de um momento de protagonismo em relação à nossa história. Na verdade, é um momento de luta e de amplificação dessa luta contra o racismo sistêmico e estrutural, presente desde o período colonial e, de certa forma, fazer um revisionismo histórico, nos colocando no protagonismo de nossa própria história, num movimento vigente e sem precedentes de valorização da imagem das pessoas vindas da periferia. Não se trata de um mero uso estético da imagem das pessoas negras e da periferia, mas de relacionar a imagem dessas pessoas, antes representadas sob a perpetuação de uma visão inferior e subalterna, ao tecido retalhado que nas obras carrega todo um significado de resistência de pessoas que se fizeram de seus dramas pessoais e buscam tecer sua própria alvorada.

 

  1. Quantas obras “Tessitura da Alvorada”? Com variadas técnicas? 

18 obras, em dimensões variadas. Quanto às técnicas, além dos usos dos materiais e modos de produção que marcam minha trajetória como o Spray e outros materiais de uso urbano, como canetas e marcadores, está incluso nesta série a costura, toda realizada por mim. O ato de costurar funciona no sentido de buscar novas possibilidades com o suporte, encontrando formas mais decoloniais de produção, além de ampliar as relações com a memória familiar, uma vez que minha mãe também costurava, o que pra mim foi um desafio muito grande, não profissionalmente, mas por trazerem lembranças de curiosidade na infância, o desejo de operar aquele mecanismo impulsionou a ideia de usar a costura como uma técnica imprescindível para a construção dessa série. O tecido enquanto elemento histórico remonta do período das cavernas. A diversificação de fibras, como o algodão e o linho, e as formas distintas de tecelagem e tintura eram parte da realidade egípcia há mais de 5.000.A.C., sendo um material simbólico do período.

 

  1. “Tessitura da Alvorada” segue sua trajetória, ou cria também contornos novos para sua obra? 

Acredito que sim e não. A minha trajetória como pintor, segue firme e forte. Mas o que muda, mais uma vez, é a relação com o suporte. Acho que isso realmente faz parte da minha trajetória. Esse transitar, modificar aspectos da visualidade da obra ao longo do tempo, até porque eu vinha me expressando visualmente através do uso de telas rasgadas e reutilizadas desde 2009, quando realizei os primeiros trabalhos nessa direção, não apenas por questões estéticas, mas muito mais conceituais, existenciais, inclusive.

Nesse momento, os trabalhos seguiram a lógica da colagem tentando criar uma visualidade a partir dos recortes de telas e criando uma espécie de mosaico, numa nítida ideia de juntar os cacos, o que pode ser visto nos trabalhos – Raiar após a noite escura I e II, e Lusco fusco. Esse modus operandi, nascido após a perda de meu único irmão, se potencializou na ideia de trabalhar o fundo através de uma visualidade fragmentada e caótica do espaço ao redor, que por outro lado só poderia ser reordenado, unido, através de uma imagem. Assim desdobram-se os trabalhos da série O diário de Bordo, os quais abordam subjetivamente os dilaceramentos deixados como herança pelo período colonial ao povo preto e periférico brasileiro, e as relações entre passado e presente.

Mas o tempo passa, as dores foram ressignificadas, e esta fase gerou novas possibilidades. Assim, as colagens dos retalhos recortados e, criteriosamente agrupados, deram espaço ao ato decolonial de “apenas” rasgar as telas, deixando isso explícito, sem a maquiagem do recorte, do arremate, da polidez e requinte priorizados como elementos de visualidade. Tudo isso deu lugar à força de uma nova estética onde o vazio do rasgo se mostra como elemento estético, um vazio que se torna código para novas metáforas visuais, novos caminhos, pensando o suporte para além do plano bidimensional, ideia de belas artes e sua tela em branco, trazidos pelos diversos artistas europeus que fundamentaram a arte brasileira. Esse movimento envolve o desenvolvimento de suportes que nos ajude a romper com padrões e modelos pré-existentes, dando espaço a essa eterna busca do novo. 

  

  1. Há uma radicalização nestes novos caminhos? 

Eu não sei. Para mim, eu estou seguindo um caminho natural, árduo, mas natural. Esses trabalhos tornam os caminhos nitidamente mais árduos, demorados, mas com mais possibilidades também. Agora não se trata apenas de dar a base nas telas e pintar as imagens. Existe todo um processo antes do início da “pintura” – dar a base branca, realizar a pintura da base cromática do fundo, rasgar a tela, pensar o suporte, costurar e, finalmente, pintar. Eu acredito que esse novo caminho, que esses trabalhos me possibilitam são de mais liberdade de explorar outros formatos e ainda ampliar as relações entre figura e fundo, modificando a minha relação com visualidade e a representação no meu trabalho.

 

  1. Alguma pesquisa o norteou na produção desta série? 

Curiosamente, os objetos-portais, mas não apenas eles. Acredito que a prática de abertura do meu atelier como um espaço aberto de compartilhamento de processos artísticos contou muito.

 

  1. Mas o que são os objetos-portais?

Os objetos-portais são fios condutores que criam relações entre passado e presente, permitindo abordar questões históricas, não a partir de uma mera e simples escolha, mas de questões impostas pelo destino, pelo acaso, o que cria uma real ligação entre arte e vida.

 

  1. Como os objetos-portais vem se impondo diante desta sua produção? Como eles criam essa real ligação entre arte e vida?

Tem sido assim desde o projeto “Álbum de Família”, criado a partir de fotos dos meus familiares, após perder todos os membros da minha família no intervalo de cinco anos, e me ver o guardião dessa memória. A série baseada nesse primeiro objeto-portal, os álbuns de família encontrados em casa no trágico dia da perda do meu irmão, denúncia de forma subjetiva – a partir das imagens como obras de arte – a luta contra o apagamento histórico, eminente ali, e de toda a população afrodescendente e periférica que tem suas casas invadidas em operações mal averiguadas, que impactam de modo mais amplo o descaso e os abusos cometidos contra os nossos direitos humanos. O projeto foi finalizado após a triangulação entre as residências artísticas “A Busca”, ocorrida na Associação Cultural Oficinas do Convento, em Portugal, e outra ocorrida durante a II Trienal de Luanda, em Angola, sob o tema “Geografias Emocionais – Arte e Afetos”, onde realizei murais tanto dentro do convento em Portugal, quanto nas ruas de Luanda, com imagens da minha família; e a exposição de título homônimo “Álbum de Família”, ocorrida na Soso Arte Contemporânea Africana, com curadoria de Daniel Rangel.

Em O Diário De Bordo Ou O Livro Dos Dias, projeto em que fiz uso de um outro objeto-portal – uma agenda de 1979 [ano do meu nascimento], encontrada nas ruas de Salvador em 2007, a qual torna-se uma espécie de atelier/galeria, livro/diário, abrigando trabalhos, ideias que geraram novas ideias e novos trabalhos, um espaço de concepção, reflexão e desenvolvimento destas ideias, as quais giravam em torno do meu olhar nômade. Seguiu por muitos anos sendo preenchido com memórias e registros, desde àquele ano, até dar origem a uma amostra apresentada em 2016, em uma das galerias do Conseil de L’Europe, em Strasbourg, França, com o título de “Le Journal de Borde Ou Le Livre de Jours”. Posteriormente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos incluiu uma das obras em sua exposição permanente na sede da instituição.

Apresento trabalhos baseados em conceitos de ruptura e memória produzidos a partir de conteúdos contidos nessa agenda/livro de artista, que, como foi dito, data de 1979, ano do meu nascimento. O livro contém colagens de documentos e imagens, e foi sendo preenchido ao longo desses anos com vestígios de diversas situações e lugares visitados, como Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Natal, Luanda- Angola, Lisboa, Porto e Montemor-o-Novo, em Portugal, Frankfurt e Baden- Baden na Alemanha, Estrasburgo, Versalhes e Paris na França, Basel e Zurique na Suíça. O que podia parecer um simples acaso se mostrou como um campo de questionamentos sobre tudo o que me cercava.

Justamente durante a estadia na França, me ocorreu um novo “encontro com o acaso”, um novo objeto/portal: desta vez um portal muito distinto, mas que como o primeiro, me levou para outros questionamentos e processos. Trata-se de um livro do século XIX (contendo muitos manuscritos), intitulado “Oeuvres Complets”, de Émile Deschamps, um autor pouco conhecido fora da França, mas que tem seu nome imortalizado pelo contexto em que esteve inserido na história. Ele realizou o jornal “Le Muse Française” [1824], ao lado de seu amigo Victor Hugo, para divulgar os ideais românticos que surgiam na época. O autor também participou da antologia poética “Le Parnasse Contemporain”, uma antologia poética que lançou as primeiras poesias de alguns contemporâneos do autor como Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Arthur Rimbaud, Mallarmé, Théophile Gauthier, entre outros imortais da poesia francesa. Mais posteriormente, Émile Deschamps influenciou positivamente o desenvolvimento da tese sobre sincronicidade de Carl Jung.

O que hoje reconheço desses encontros, é que fui tocado por muitas “coincidências” ao longo desse processo, notando essas imposições e sendo influenciado por esses acontecimentos. O fato, por exemplo, de ter encontrado o livro em Paris no ano de 2016, me levou a refletir sobre de naquele ano completarem-se 200 anos da chegada da Missão Artística Francesa ao Brasil. O fato dos manuscritos originais de Émile Deschamps datados de 1859, cartões postais de 1860, e outros manuscritos, me deixou muito intrigado, uma vez que tudo isso foi achado nas ruas, no lixo em Paris, que de certa forma é o berço da preservação do patrimônio. Outro ponto importante, foi o fato de ter encontrado a agenda que iria se tornar “O Diário de Bordo” nas mesmas condições em Salvador, no lixo, nas ruas, fruto da minha vivência de transitar nas cidades. Hoje, me dei conta que o que fiz foi abrir um portal que ligava os dois livros e seus distintos contextos numa ponte transatlântica, que conectava todo esse espaço tempo.

Desse modo, ao longo do aprofundamento do desenvolvimento das diversas séries feitas desde então, surgiram diversos questionamentos e provocações, ampliando a necessidade não apenas de questionar padrões estéticos eurocêntricos, mas de buscar outras alternativas estéticas, na qual se encaixa o  desdobramento do ato de rasgar as  telas, agora costuradas, uma forma de introduzir no olhar do observador, esse interesse de pensar a obra a partir do fundo, do suporte à pintura, onde o próprio suporte caracteriza-se como uma metáfora visual para a realidade de um povo que, mesmo tendo sua realidade dilacerada, se reconstrói e amplifica sua beleza, pela simples exaltação de suas diferenças.

A escolha de um tecido mais grosso, amplamente utilizado no período colonial como material de transporte de mercadorias, como o açúcar, o café, e, mais recentemente, o cacau, não é à toa, até porque esse mesmo tipo de tecido também era utilizado pelos escravizados para confecção de suas vestimentas. Então, para mim, esse material utilizado na produção dessa série denota muita resistência. Uma resistência que norteia a produção dessa série, que, para mim, no final das contas, se alicerça nesse Pilar, a resignação e resistência das minorias (povos indígenas e negros) na História do Brasil.

 

  1. O que muda na sua pintura com este momento? 

Acredito que mais que mudar a pintura, o que muda em certo aspecto é a produção artística, a forma de expressão. A pintura permanece. Mas acredito que a objetividade das experiências urbanas ficou menos evidentes. Em outras palavras, acho que minha relação histórica com o universo urbano está mais subjetiva, o que de certa forma reforça um elemento vital da arte urbana que é a irregularidade, que se confirma pela assimetria presente nos muros da cidade, mesmo que de modo sutil, isso sempre me atraiu.  Em contrapartida, há mais espaço para outros assuntos da própria pintura, como a reafirmação da imagem positiva dos negros, uma vez que sabemos que durante toda a História da Arte, o gênero do retrato sempre priorizou por imortalizar pessoas das famílias, ditas mais nobres. É chegada a hora de dar espaço a outras noções de historicidade, possibilitando também valorizar quem sustenta as estruturas.

 

  1. Os elementos já bem visíveis na sua obra e que fazem parte de você, o grafitti, a história e a cultura afro, sua simbologia religiosa, e seu modo de viver, este explícito na mostra do ACBEU, continuam compondo seu universo de vida e de arte? 

Continuam sim, mas de forma mais subjetiva, até porque outros códigos visuais estão sendo apresentados nesta mostra, eu quis evidenciar esses códigos.

 

  1. E o momento Brasil? As circunstâncias de hoje na “Tessitura”?

O momento que o Brasil vive hoje é crítico. Nossa tessitura social é fruto de 522 anos de violências contra os mais fracos, sempre foi assim, desde a chegada dos europeus.  Eles não trouxeram apenas espelhos, suas mãos estavam ocupadas carregando garruchas, mosquetes e bacamartes. E, ainda hoje, as armas continuam a ditar as regras. A periferia conhece bem essa realidade. São cada dia mais constantes as guerras entre facções para expandir territórios, os incontáveis casos de abusos de poder de quem justamente deveria proteger a população, sem contar a nítida fome, que voltou a fazer com que as pessoas revirassem lixo em busca de alimento. É triste ver, que diante de todo esse cenário, o contingenciamento de verbas para a educação e cultura, setores imprescindíveis para o Brasil, tornarem-se o gigante que está destinado a ser.

 

  1. E sua trajetória atual, após o espaço cultural, atelier, que criou?  Como são as ações neste espaço? Isto já se reflete na “Tessitura”?

Então, abrir as portas do atelier, localizado na periferia do Beiru, tornando-o um espaço de realização da arte, foi uma ação que sempre me motivou a cada olhar curioso dos moradores do bairro do Beiru/Tancredo Neves, na região do Cabula. Abrir suas portas, após transformá-lo em uma pinacoteca, A Pinacoteca do Beiru, segue a necessidade de ressignificar a imagem da periferia, conhecida pela pobreza, pela falta e pela violência, mas muito potente pela inteligência e criatividade do seu povo. Era objetivo também ressignificar, principalmente, minha relação com o bairro, porque foi no Cabula que perdi meu irmão. Num sentido mais amplo, a Pinacoteca é um espaço de compartilhamento de processos artísticos nesta região onde se iniciou o antigo Quilombo do Gbeiru, espaço de resistência negra invadido e destruído em 1807 por tropas portuguesas. Então, esse lugar que abriga cerca de 60 mil pessoas hoje, em condições desiguais e desumanas, sempre foi um espaço de resistência. Acredito que a Pinacoteca pode tornar-se um centro de referência não apenas artístico, mas para pensar outros aspectos da vida.

 

12.Na apresentação da mostra, feita por Marcelo Rezende, temos este texto. O que pode falar dele? Desde os retalhos, passando pela memória, e a cultura agora. 

Nos retalhos de “Tessitura da Alvorada” há um caráter de arqueologia e memória, e as figuras pintadas sobre esses fragmentos de tecido transitam entre uma série de processos ainda inacabados, flutuando sobre conflitos jamais plenamente resolvidos. Decididamente, esses objetos pictóricos não se resolvem apenas nas imagens visíveis aos olhos, porque demandam uma outra sensibilidade. Não se trata de exaltação das formas, não se trata apenas do que esses objetos mostram, mas sobretudo do que irradiam em nome da reconstrução de uma cultura agora em pleno colapso.

Tive a honra de ser assistente de curadoria de Marcelo Rezende durante a realização da 3ª Bienal da Bahia, ocorrida durante o ano de 2014. Nesse texto, Marcelo conseguiu traduzir toda a tensão política que motiva esses trabalhos. A série de “Tessitura da Alvorada” me permitiu construir uma obra com transversalidade, com atravessamentos históricos, sociais e políticos muito densos. Trata-se de um processo realmente arqueológico, porque ele acontece a partir de artefactos que não foram apropriados como ready-made, mas tornaram-se mediadores de um espaço tempo aberto pelo aprofundamento em cada um dos objetos-portais.

E o que são eles? Os objetos/portais são fios condutores que criam relações entre passado e presente, permitindo abordar questões históricas, não a partir de uma mera e simples escolha, mas de questões impostas pelo destino, pelo acaso, o que cria uma real ligação entre arte e vida. O encontro com objetos encadernados, em lugares distintos, como os álbuns de família encontrados no quarto ensanguentado do meu irmão, ou uma agenda do ano em que nasci, 1979, ano da anistia dos presos políticos durante a ditadura militar, encontrada nas ruas de Salvador, em 2007, ou mesmo um livro raro do século XIX, contendo manuscritos originais, encontrado nas ruas de Paris, despertam pistas para mergulhar e questionar, em alguns casos, preservando memórias, sempre de alguma maneira deixando o processo flutuando em busca de possibilidade de novas visualidades, novas possibilidades, inclusive de não utilizar imagens que reforçam o caráter estrutural, estético e conceitual. Porque não se trata apenas da pintura, mas de todo o trabalho até o momento da pintura.

Então, para mim, essa série inaugura um novo momento expresso pelo uso de um novo suporte, dando ênfase, através dessa metáfora visual, de que apesar de todas as adversidades, estamos aqui, firmes e fortes, nos reconstruindo diariamente de nossos dilaceramentos humanos, sociais, urbanos, educacionais, econômicos, financeiros, emocionais. E, mesmo assim, seguimos com paciência e disciplina nesse momento, Tessendo essa nova Alvorada para viver um novo dia. Enquanto o dia não acaba, tudo é possível. Enquanto a vida não acaba, tudo é possível.

 


 

CLAUDIUS PORTUGAL entrevista ANDERSON A.C.

 

 Anderson AC é um dos novos nomes da arte baiana e integra o acervo da Paulo Darzé Galeria. Seu trabalho utiliza de diversas linguagens como a pintura, o grafite, a colagem, a arte postal, o vídeo, a fotografia digital, a literatura, o uso de imagens e documentos familiares, vestígios, deslocamentos, documentos, relatos e imagens, memórias e registros pelos quais se desdobra numa constante intervenção artística para a criação das composições estéticas que servem de suporte para seus trabalhos, onde cria, desenha, cola, pinta, fotografa, interfere; onde questiona e discute processos, como um espaço de concepção, reflexão e desenvolvimento destas ideias; onde revela um conceito elaborado de vivência através da memória e da sobreposição de linguagens artísticas, na qual o caráter itinerante do processo de documentação dos fatos cotidianos cria o espaço de experimentação através de um diálogo entre arte e vida, de um cotidiano transformado em arte.

Anderson AC, nasceu em 1979 – Salvador/Bahia, onde vive e trabalha. Em seus projetos, o artista parte de algum objeto antigo em busca da construção de séries de trabalhos; são os objetos/portais, fios condutores que criam relações entre passado e presente, permitindo ao artista abordar questões históricas, não apenas a partir de uma mera e simples escolha, mas de questões impostas pelo destino, o que cria uma real ligação entre arte e vida, constituindo a ideia de que nada está solto no universo: tudo está ligado.

Expondo regularmente em festivais, bienais, trienais e mostras coletivas significativas, esteve na 7ª edição do SP-Arte, no pavilhão Bienal, Ibirapuera São Paulo. Tem na sua trajetória a participação no coletivo de grafite 071crew, onde realizou várias intervenções urbanas na cidade, duramente os anos 2000.  A partir de 2007 começou a se apresentar em mostras coletivas, com destaque para a Original Vandal Style, única exposição do coletivo, e as exposições 3 Pontes na II Trienal de Luanda; Arte Lusófona Contemporânea, no Memorial da América Latina; em São Paulo; Afetos Roubados no Tempo, no Centro Cultural da Caixa, em Salvador; e Muros, coletiva que reuniu 11 grafiteiros baianos na galeria do Ferrão, no Pelourinho, também em Salvador. Realizou uma residência artística em dois locais relacionados com suas origens – primeiro em Luanda, Angola, durante a II Trienal, que teve como temas as Geografias Emocionas – Arte e Afetos; e depois em Évora, Portugal, onde realizou sua primeira exposição individual. Duas outras mostras foram realizadas em São Paulo, Galeria Sosso, e, em Strasburgo, França, na galeria do Conselho da Europa. Sua última exposição individual foi a primeira em Salvador, e se chamou O diário de bordo ou O livro dos dias, no ACBEU (Associação Cultural Brasil-Estados Unidos), em 2017. Em 2019 apresentou a mostra Pintura Muralista, num dos pilares da resistência artística visual da arte negra no Brasil, o Museu Afro-Brasil em São Paulo. Segundo Emanuel Araujo, curador e diretor do Museu, “Anderson AC é um artista baiano proeminente com uma potente produção marcada pela pintura grossa e expressionista, e a relação entre murais urbanos e a consciência sobre as contradições de um mundo cheio de diferenças sociais, e estranhezas religiosas. 

 

1) Há na sua obra uma intervenção artística como ponto de partida e a esta se juntam fatos cotidianos, entre outros, documentos, imagens, memórias, registros. Esta apropriação torna-se um conceito, uma forma de elaboração, um processo de criação?

Um processo de criação. Apesar de hoje a fotografia ser o ponto inicial da minha produção. É o modo de fixar não apenas através do meu olhar o instante, através deste registro momentos cotidianos nas cidades que visito, registrando momentos que posteriormente ilustram ou direcionam o espectador a uma questão específica. Ao apropriar-me destes registros, busco relacionar essa confluência à memória, ao transitório, à brevidade do instante na vida, instante que de certa forma é fixada no tempo pelas lentes da câmera.

 

2) Ao estabelecer a integração destas diversas linguagens como a pintura, o grafite, a colagem, a arte postal, o vídeo, a fotografia digital, a literatura, e o uso de imagens e documentos familiares na criação de suas obras, você considera este processo uma permanentemente busca da experimentação?

Vejo como isso o resultado de vivências, de experiência com diversos meios, um processo real de integração técnica entre desenho, colagem, fotografia, manipulação digital de imagens, a própria pintura de background – sempre com intervenções em tinta Spray como uma carga estético-relacional. Acredito que isso é mais um percurso processual do que puramente experimental.

 

3) Esta experimentação se produz primordialmente num diálogo cotidiano entre arte e vida? Ou há outras pontes?

Num diálogo entre arte e vida, com certeza. O que é experienciado necessita de tempo para ser fruído totalmente pela mente do fruidor. A construção de uma linguagem artística leva tempo, é uma luta cotidiana, demora até o momento de atravessar a ponte que o leva até o confronto [atelier] privado x público [galeria]. Toda ponte leva a um caminho, e a experiência vêm da experimentação das vivências, mas a eleição dos meios mais adequados, mais convenientes ao propósito de desenvolvimento de uma linguagem. Apesar de surgir do experimental, é definido e fixado cotidianamente, como ponte para se chegar ao caminho do não experimental, da linguagem definida.

 

4) Você disse sobre sua arte: “Nele crio, desenho, colo, pinto, e reúno vestígios de experiências dos lugares pelos quais passei, e das pessoas com as quais convivi, a qual vi e fotografei, como um acesso documental à memória, por onde abrigo ideias que geram novas ideias, e ideias que geram novos trabalhos, como um espaço de concepção, reflexão e desenvolvimento destas ideias. São obras da minha vivência em cidades como Salvador, Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Natal, Luanda-Angola, Lisboa, Porto e Montemor-o-Novo, em Portugal”. Este é o percurso de formulação de sua criação estética? Ou um percurso? É a composição estética que utiliza como suporte para a pintura e outros trabalhos?

Uma ressalva. Este percurso se refere ao projeto [O diário de bordo ou O livro dos dias] desenvolvido entre 2007 e 2017. É nele que coleto vestígio de vivências nas viagens pelas citadas cidades: guardanapos, bilhetes de cinema, museu, trens e metros, tudo serve de registros de instantes, que aliados às imagens feitas nas cidades, norteia de que maneira interfiro naquela imagem, naquele instante. Assim, diversas intervenções foram feitas no próprio livro, desde recortes e colagens à ilustrações em aquarela e nanquim. Essas intervenções dão origem a outros trabalhos como os de pinturas em grandes dimensões e os grafites, resultando na construção de um percurso.

 

5) Há uma temática na sua pesquisa atual relacionada com sua história pessoal e a de sua família. Descendente de portugueses e africanos, em um intervalo de cinco anos você perdeu seus pais e irmão, este último em uma trágica situação. Sua arte, que traz fatos, busca resgatar a memória de seus antepassados e rebater o sentimento de perda e de dor? A referência visual de suas obras incorpora fotografias antigas da família e objetos ligados ao seu passado, a sua memória. A força de sua arte precisa desta emoção? Da emoção da memória?

Na realidade, tudo isso que você fala norteou meus trabalhos entre os anos de 2008 e 2012. Nesse tempo, a referência visual de minhas obras incorporou fotografias antigas da família e objetos ligados ao meu passado, à minha memória familiar. A última mostra em que apresentei trabalhos explicitamente ligados à família foi a Paraconsistente, em comemoração aos 50 anos do ICBA na Bahia, em 2012. O sentimento que me fez trazer essas fotografias para o meu trabalho de pintura configurava uma espécie de renascimento no mundo, um reexistir sem aquele núcleo. Era apenas eu e o mundo. Meu trabalho revelou essa transformação, porque eu já não era a mesma pessoa. Eu era uma pessoa em busca de Liberdade, uma liberdade que só o fazer arte me daria. Mas essas obras carregam os vestígios de memória mais sutis, e igualmente densos, e importantes.

Por exemplo, o meu pai era gráfico, trabalhou por mais de 15 anos na gráfica de um Banco baiano que faliu nos anos 90, constantemente trazia materiais artísticos para mim, revistas e impressos as quais eu fazia diversas colagens e desenhos. Conversávamos sobre papel e suas gramaturas, texturas, modos de impressão de gravação, reprodutibilidade. Eu ficava impressionado quando visitava a gráfica, sua dinâmica, sua velocidade, o processo de montar as fontes tipográficas. Tudo isso sempre me atraiu e acredito que em certo modo incorporei seus conhecimentos gráficos e por isso elegi uma estética mais gráfica na minha obra. Por ter uma vivência urbana própria desde o inicio dos anos 90 ligada ao skate, a pichação, e, posteriormente, ao grafite, apropriando-me do aspecto do stencil, técnica que me permite a transposição das imagens dos seus núcleos originais para as paredes das cidades.

Da minha mãe cito a família, que me trouxe o gosto pela cultura, pela memória, a oralidade, a casa cheia de livros, desde sempre, os contos de Sherazade e as Mil e Uma Noites, as visitas aos Museus e Teatros desde muito cedo com minhas tias, e as ruas, estádios, praças, feiras e bairros com meus tios. Minha mãe era uma sertaneja de família rica que perdeu os bens ao longo de sua infância. Sua juventude foi dura, mas nunca se apartou da vivência cultural que herdou da família, fazendo questão de transmitir a mim e ao meu irmão toda a bagagem cultural que possuía. Mas o que restou mesmo foi as histórias sobre a família e sua singularidade; a memória e as histórias de seus antepassados, além de um acervo de documentos hereditários, correspondências, fotos, bilhetes, postais. Acervo esse, que posteriormente tornaram-se substrato dessa fase da minha obra que se desmembra no interesse pelo passado, pela memória, e que se dá a partir também dessas experiências contidas na minha história, e não por uma busca de uma emoção que se relaciona à perda e à dor.

Esta emoção que surge após a morte dos meus familiares e que se desdobra na pintura das imagens de algumas pessoas da minha família, se configura mais como celebração da existência, do tempo, celebração da vida, dos trajetos e cruzamentos de memória, interligando passado e presente como algo contínuo. Lembro que na viagem a Portugal vivi um diálogo que ressignificou esteticamente e conceitualmente minha produção ligada à memória familiar – me disseram que todas as palavras que iniciam com AL na língua portuguesa são de origem Árabe, e que este Al era referente ao artigo A, na língua árabe. A partir de 2013, iniciei a série de aves, aonde desde então venho pintando diversos pássaros, tecendo uma trama árabe, uma referência à ressignificação do sobrenome Alves, o sobrenome da minha família maternal, e à minha relação estética com a memória familiar e, consequentemente, com a primeira e segunda infância, com as brincadeiras nos quintais, os contos de Sherazade e as Mil e Uma Noites que, por diversos momentos, embalou minha imaginação e criatividade. Por ocasião, deixo aqui a metáfora traduzida por ela em seu as mil e uma noites: “a liberdade se conquista com o exercício da criatividade”.

 

6) A exposição Álbum de família foi a primeira individual, em São Paulo. Você nasceu, vive e trabalha em Salvador, estudou Artes Visuais na Universidade Federal da Bahia, porem sempre diz que é do autodidatismo e das ruas de onde vem boa parte de sua criação. Que ela se inicia nas ruas, através do grafite. Contudo, você também está em galerias, faz mostras em galerias, e, atualmente, transita a sua obra mesclando a pintura, a fotografia, à instalação, e utilizando de técnicas hibridas de impressão e colagem, aliando passado e hoje. Como elabora este trânsito?

Acredito que de maneira natural, sempre estive na rua, sempre brinquei muito na rua, de bicicleta, de skate, bola, gude, arraia [pipa]. Cresci em uma rua onde aconteciam apresentações de grupos ligados ao movimento punk; cresci vendo as intervenções visuais, os grafites e os eventos que eles organizavam, passando a observar a cidade desde cedo – os muros e suas inscrições e os espaços públicos. Sempre persegui a máxima dos Punks do “faça vc mesmo”. Trabalhei no mercado modelo como ajudante de atelhador. Atrelado a essa atividade, participei das oficinas do Mam-BA, fiz aulas de escultura em Madeira com Zú Campos, desenho com Isa Moniz, história da arte com Almandrade, e, posteriormente, ingressei em Belas Artes.

Mas, em determinados momentos nos deparamos com questões emocionais que mudam os nossos rumos, o modo de ver o mundo, a direção que se toma. E, após o assassinato do meu único irmão, em 2008, fui levado, enquanto artista, a produzir em um rumo diferente da trajetória prioritariamente urbana, a qual vivia desde 1991, e que era ligada ao skate, a pichação, e, posteriormente, ao grafite e a outras intervenções da street art que vinha realizando desde 2003. Esse rumo diferente seria o momento quando saio das ruas e começo a produzir no ateliê (2008), o que tornou minha produção mais intimista, refletindo a necessidade de sair das ruas, me recolher e mergulhar no processo de entendimento da minha relação com o mundo sem aquelas pessoas já idas.

Desse modo, em 2008, mergulho na minha memória familiar, e isso resultou no desenvolvimento de uma série de trabalhos com documentos antigos e fotos da minha família. Inicialmente trabalhei com a tipografia, e projetos específicos com molduras de títulos antigos, aliados à fotografia de membros falecidos da minha família, para criar composições visuais que resultaram em pôsteres, e uma pintura dos meus avós, realizadas com stencil, exibida no altar da Sala do Capítulo, do Convento de S. Francisco em Montemor-o-Novo, Portugal. Nessa ocasião, tais trabalhos foram apresentados na exposição individual A Busca, que fez parte do projeto de residência artística itinerante em Portugal, em 2010, mesmo ano que participei de residência artística na exposição 03 Pontes na II Trienal de Luanda, onde realizei murais com stencil e grafites na Cidade de Luanda. Esses dois projetos junto com a exposição Álbum de família me levaram a exaustão do tema, e em 2013, decidi trabalhar exclusivamente no DB (Diário de Bordo).

Esses projetos me fizeram acessar memórias esquecidas, não apenas familiares, mas da minha infância, do início da adolescência, das brincadeiras na rua, das descobertas nas ruas, do universo que girava em torno do skate, da pichação, das vivências com o movimento Punk nos anos 90 e como essas vivências alimentaram e construíram esse autodidatismo que cito. O trânsito dá-se dessas vivências e da participação de encontros, palestras e conversas com nomes representativos do universo artístico brasileiro, tais como Lisette Lagnado, Charles Watson, Ana Pato, Agnaldo Farias, Marcelo Rezende, Fernando Oliva, Ayrson Heráclito, Daniel Senise, Renata Lucas, Josué Matos, Cristiana Tejo, Moacir dos Anjos e Almandrade, o que me fez olhar minha produção com distanciamento e imparcialidade, me auxiliando na construção desta trilha.

 

7) Sua última mostra foi na Galeria Acbeu, em Salvador, com o título O diário de bordo ou O livro dos dias. Foi sua quarta exposição individual e a primeira em Salvador. A mostra teve como origem um Projeto realizado após encontrar nas ruas de Salvador uma agenda. Discorra um pouco mais sobre o processo deste trabalho, o encontro da agenda e o que o isto serviu como base ou possibilidade para a criação e efetivação das obras que surgem deste “acaso”?

A rua sempre me deu muitos presentes. Sempre encontrei suportes, materiais que assim que via na rua os levava comigo, obras do acaso, e assim também foi com O diário de bordo ou O livro dos dias, projeto desenvolvido numa agenda de 1979 [coincidentemente o ano do meu nascimento] encontrada nas ruas de Salvador em 2007, e transformada em livro de artista. Nele coleto vestígio de vivências nas viagens pelas citadas cidades: guardanapos, bilhetes de cinema, museu, trens e metrôs, tudo serve de registro de instantes, os quais, aliados às imagens feitas nas cidades, norteia de que forma interfiro naquela imagem. Assim, nessa agenda transformada em livro de artista realizei diversas intervenções, desde recortes a ilustração em aquarela, nanquim, algumas colagens, que resultam em outros trabalhos como pinturas em grandes dimensões e grafites. Este é o percurso de encontro com o acaso, e o desdobramento do acaso na minha obra.

 

8) O diário de bordo ou O livro dos dias é uma obra artística baseada no conceito de criação a partir do deslocamento e registros encontrados no citado livro-objeto e seus recortes, desenhos, pinturas e intervenções artísticas, sendo estes o ponto inicial para a elaboração de citada mostra. Com isto você questiona e discute processos interligados à memória, deslocamento e circulação, e carrega consigo conceitos de memória e deslocamento. Onde você situa estes trabalhos? Trabalhos de ruptura?

Sim, ruptura, mas não apenas ruptura, transição também. Ruptura com lapsos de memórias do passado e de transição, entre presente e futuro. A função destes trabalhos é o de construir novos diálogos com a memória atual, que se torna a memória passada em algum momento.

 

9) Você tem um projeto que apresentou no Club das Artes do Conselho da Europa, (inglês: Council of Europe, francês: Conseil de l’Europe) organização internacional fundada a 5 de maio de 1949, a mais antiga instituição europeia em funcionamento. Os seus propósitos neste projeto são a defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento democrático e a estabilidade político-social na Europa. O que é este trabalho? Como você situa seu envolvimento em questões humanas e sociais, não só como cidadão, mas através de sua arte? O alcance dela?

A defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento democrático e a estabilidade político-social na Europa são propósitos do Conselho da Europa, organização internacional ligada aos direitos, mais antiga da Europa em funcionamento. Acho sempre difícil prever o alcance do trabalho. Acho que depois que ele sai do atelier, toma seus próprios caminhos.

No caso da individual apresentada em Estrasburgo, França, na Agora Galerie, pertencente ao Club das Artes do Conseil de L’Europe, no título em francês para O diário de bordo ou o Livro dos dias (Le journal de borde ou Le livre de jours), situei a produção como um olhar para a memória do presente, através de um olhar para infância e para a juventude. Este presente formativo da personalidade, momento presente que se tornará futuro ao passar do tempo. Vislumbro isso como uma forma de plasmar um presente mais lúdico para jovens que estão a mercê de caminhos mais densos e inseguros.

Este conceito foi adotado após a transferência definitiva do meu atelier para a região do Beiru, no Cabula, região de periferia de Salvador. Ao adquirir o imóvel onde hoje funciona o meu atelier, as pessoas imaginariam que naquele espaço surgiria qualquer coisa, uma farmácia, uma igreja, um salão de beleza, um mercadinho, qualquer coisa, menos um atelier de pintura. Ao iniciar a produção, me impressionava sempre que abria as portas do atelier, o fato de muitos jovens e crianças, que apesar de ficarem fascinadas pelas cores e o processo criativo, não entendiam porque eu pintava, não entendia aquilo com trabalho, não entendia a importância da arte para a formação do ser humano. A única alternativa que muitos destes jovens veem é a vida do crime e as suas ofertas rápidas e mortais, o desejo de tornar-se jogador de futebol, ou dançarina de um dos diversos grupos de pagode da cidade. Deste modo, realizar a série de obras que seria exposta no Conseil de L’Europe, sob a supervisão destes jovens, naquele ambiente, foi uma espécie de despertar para muitos deles, mostrando que existem outras possibilidades de existência, em ambientes mais amigáveis, mais justos, possível, mesmo que o mundo a nossa volta tente nos mostrar o contrário.

 

10) Há uma temática recorrente em seus trabalhos? Ou esta não causa diferença, buscando na linguagem o propósito maior de sua arte? O que é ser um artista visual hoje, em Salvador, e, por extensão, no Brasil?

A temática é a nossa brevidade. A transitoriedade da vida. Acredito que minha obra é sobre o homem e sua brevidade, sobre a permanência simbólica do que existe e deixará de existir, é sobre o instante. E sobre ser artista, em qualquer lugar. Acredito que é ser honesto com sua visão de mundo, é ser representante de uma estética própria que ilustra o mundo à sua volta.

 

11) Neste momento está trabalhando com algo que já possa falar sobre ele, ou ainda é um processo embrionário?

Sim, estou trabalhando num novo projeto, e já posso falar dele. Esse projeto concidentemente trata sobre os acasos, e como estes acasos vêm norteando minha produção artística. Ele surgiu após o encontro com mais um livro, desta vez nas ruas de Paris, pelos arredores do 3º Arrondissement. Foi lá que avistei uma lata de lixo com alguns muitos livros, alguns muito antigos, do século XIX. Uma lata inteira de livros. Adoraria trazer toda aquela lata, mas a impossibilidade fez com que eu trouxesse apenas três comigo, pensando em continuar a trabalhar com eles para novos projetos de livros de artista. Destes três, um me chamou atenção por conter muitas anotações, cartões postais e manuscritos, o livro é o Obras Completas, 1872, do poeta francês Emily Deschamps, poeta romântico, irmão do também poeta Antoine Deschamps, que ao lado de Victor Hugo, fundou o periódico “La Muse Francaise”, em 1824. Ele é ainda um dos 99 poetas que contribuíram para a antologia Poética “Parnassus Contempornâneo”, com oito poemas no primeiro livro (1866) e três no segundo (1871), antologia que nomeou o movimento literário “Parnasiano”. Foi inovador desde sua origem: o primeiro volume contém “As flores do mal” de Baudelaire, e as primeiras obras de Mallarmé e Verlaine, além de iniciar Arthur Rimbaud na poesia de seu tempo, e definir estes e outros poetas como les mudittes.

Inicialmente, questionei essa experiência devido à relação que a França tem com seu patrimônio. Mas o livro e seus manuscritos estavam em minhas mãos. Não havia o que questionar. Era um Fato. Passei a vê-lo como um presente do acaso, uma chave conceitual que me abria uma porta temporal muito mais densa que O diário de bordo, projeto que me permitiu acessar um mundo novo, ao mergulhar numa pesquisa que se iniciava no ano em que nasci. Estar ali na França, em Paris, encontrando outro livro, muito mais antigo que o do ano de 1979, me permite acessar uma memória muito mais densa e impessoal.

O livro instigou-me a pesquisar a época, sua tipografia e materiais, o contexto dos poetas ligado aos períodos romântico e parnasiano, que é um momento de transformação no modo de fazer arte. Nesse período, os artistas passam a valorizar a arte pela arte, e haviam começado a pintar fora de seus ateliers a fim de captar a passagem da luz. Existia uma preocupação com a luminosidade. Isso pode ser notado pelos trabalhos impressionistas que são da mesma época, época também em que a fotografia ganhava espaço como ferramenta de documentação e meio de expressão, sem falar nos estudos de cor e luz que resultaram no pontilhismo, da pintura divisionista, e ainda a relação dos poetas maudittes com o contexto urbano e a figura do Flâneur que surge nesse período nos poemas de Baudelaire.

Foi nesse período (primeira metade do século XIX), que Paris sofreu uma remodelação que interferiu nos hábitos da cidade, tornando-se a primeira cidade com iluminação noturna, o que interfere na vida da cidade, oferecendo também vida noturna a seus habitantes. Isso também influenciou outras capitais em diversas nações. Esse contexto tem me influenciado no sentido de revisitar uma memória que não é só minha, mas da urbanidade, e que não deixa de fazer parte indireta da minha existência, permitindo-me ainda refletir diretamente sobre os acasos na minha vida. É uma espécie do que eu chamo de efeito delay [eco] dessas repetições, tanto no sentido das perdas e dos encontros de objetos na cidade, que também é próprio do flanar, do transitar, e que vem fortalecendo minha pesquisa ligada à memória da cidade, das pessoas, e das pessoas que fazem a cidade, suas texturas, a escrita urbana, suas tipografias, os ambientes, a cor e a luz, os acasos, a Vida.

 


 

SOBRE A NOVA MOSTRA, “TESSITURA DA ALVORADA” NA PAULO DARZÉ GALERIA,

  

 1 – Você inaugura um novo espaço na Paulo Darzé galeria. O que você pode dizer sobre “Tessitura da Alvorada”?

Realmente, eu me sinto muito honrado por isso. Sou um artista influenciado pelos acasos, pela memória ancestral, pela memória familiar e por acontecimentos existenciais. Curiosamente, o espaço onde funciona a Galeria era uma casa, onde um dos meus tios foi caseiro, um espaço que visitei em alguns momentos na infância, um espaço onde as memórias se ligam a momentos bons, mas também à subalternidade e a toda uma herança colonialista. Então, hoje, retornar como artista e, mais ainda, como artista que está realizando uma exposição individual, que como você cita, inaugura um novo espaço nesta galeria tão importante, pra mim é um momento muito especial, é realmente uma honra e uma felicidade muito grande, e é, de certa maneira, uma forma de honrar a memória de meus ancestrais, principalmente por ser, neste momento, onde venho tecendo essa minha alvorada.  “Tessitura da Alvorada” é minha nova série, a qual relaciona as ideias de tessitura, que por analogia quer dizer “o modo como estão interligadas as partes de um todo; organização, contextura”, e de alvorada, que além de contemplar os primeiros momentos antes do nascer do sol, é o momento em que muitos rituais de matriz africana ocorre, dada a importância desse instante.

Essa série incorpora novos modos de produção – como a costura – e dá-se em um momento de transformação do processo artístico que engloba a minha produção. Momento de entendimento das minhas necessidades interiores e de percepção do momento presente; assim como a percepção de como outras pessoas com a mesma realidade periférica que eu tive vem vivendo e de como se faz necessário reposicionar a imagem dos afrodescendentes diante do seu protagonismo no que cerne à construção deste país. Percebo que (nós, os negros) vivemos o início de um momento de protagonismo em relação à nossa história. Na verdade, é um momento de luta e de amplificação dessa luta contra o racismo sistêmico e estrutural, presente desde o período colonial e, de certa forma, fazer um revisionismo histórico, nos colocando no protagonismo de nossa própria história, num movimento vigente e sem precedentes de valorização da imagem das pessoas vindas da periferia. Não se trata de um mero uso estético da imagem das pessoas negras e da periferia, mas de relacionar a imagem dessas pessoas, antes representadas sob a perpetuação de uma visão inferior e subalterna, ao tecido retalhado que nas obras carrega todo um significado de resistência de pessoas que se fizeram de seus dramas pessoais e buscam tecer sua própria alvorada.

 

  1. Quantas obras “Tessitura da Alvorada”? Com variadas técnicas? 

18 obras, em dimensões variadas. Quanto às técnicas, além dos usos dos materiais e modos de produção que marcam minha trajetória como o Spray e outros materiais de uso urbano, como canetas e marcadores, está incluso nesta série a costura, toda realizada por mim. O ato de costurar funciona no sentido de buscar novas possibilidades com o suporte, encontrando formas mais decoloniais de produção, além de ampliar as relações com a memória familiar, uma vez que minha mãe também costurava, o que pra mim foi um desafio muito grande, não profissionalmente, mas por trazerem lembranças de curiosidade na infância, o desejo de operar aquele mecanismo impulsionou a ideia de usar a costura como uma técnica imprescindível para a construção dessa série. O tecido enquanto elemento histórico remonta do período das cavernas. A diversificação de fibras, como o algodão e o linho, e as formas distintas de tecelagem e tintura eram parte da realidade egípcia há mais de 5.000.A.C., sendo um material simbólico do período.

 

  1. “Tessitura da Alvorada” segue sua trajetória, ou cria também contornos novos para sua obra? 

Acredito que sim e não. A minha trajetória como pintor, segue firme e forte. Mas o que muda, mais uma vez, é a relação com o suporte. Acho que isso realmente faz parte da minha trajetória. Esse transitar, modificar aspectos da visualidade da obra ao longo do tempo, até porque eu vinha me expressando visualmente através do uso de telas rasgadas e reutilizadas desde 2009, quando realizei os primeiros trabalhos nessa direção, não apenas por questões estéticas, mas muito mais conceituais, existenciais, inclusive.

Nesse momento, os trabalhos seguiram a lógica da colagem tentando criar uma visualidade a partir dos recortes de telas e criando uma espécie de mosaico, numa nítida ideia de juntar os cacos, o que pode ser visto nos trabalhos – Raiar após a noite escura I e II, e Lusco fusco. Esse modus operandi, nascido após a perda de meu único irmão, se potencializou na ideia de trabalhar o fundo através de uma visualidade fragmentada e caótica do espaço ao redor, que por outro lado só poderia ser reordenado, unido, através de uma imagem. Assim desdobram-se os trabalhos da série O diário de Bordo, os quais abordam subjetivamente os dilaceramentos deixados como herança pelo período colonial ao povo preto e periférico brasileiro, e as relações entre passado e presente.

Mas o tempo passa, as dores foram ressignificadas, e esta fase gerou novas possibilidades. Assim, as colagens dos retalhos recortados e, criteriosamente agrupados, deram espaço ao ato decolonial de “apenas” rasgar as telas, deixando isso explícito, sem a maquiagem do recorte, do arremate, da polidez e requinte priorizados como elementos de visualidade. Tudo isso deu lugar à força de uma nova estética onde o vazio do rasgo se mostra como elemento estético, um vazio que se torna código para novas metáforas visuais, novos caminhos, pensando o suporte para além do plano bidimensional, ideia de belas artes e sua tela em branco, trazidos pelos diversos artistas europeus que fundamentaram a arte brasileira. Esse movimento envolve o desenvolvimento de suportes que nos ajude a romper com padrões e modelos pré-existentes, dando espaço a essa eterna busca do novo. 

  

  1. Há uma radicalização nestes novos caminhos? 

Eu não sei. Para mim, eu estou seguindo um caminho natural, árduo, mas natural. Esses trabalhos tornam os caminhos nitidamente mais árduos, demorados, mas com mais possibilidades também. Agora não se trata apenas de dar a base nas telas e pintar as imagens. Existe todo um processo antes do início da “pintura” – dar a base branca, realizar a pintura da base cromática do fundo, rasgar a tela, pensar o suporte, costurar e, finalmente, pintar. Eu acredito que esse novo caminho, que esses trabalhos me possibilitam são de mais liberdade de explorar outros formatos e ainda ampliar as relações entre figura e fundo, modificando a minha relação com visualidade e a representação no meu trabalho.

 

  1. Alguma pesquisa o norteou na produção desta série? 

Curiosamente, os objetos-portais, mas não apenas eles. Acredito que a prática de abertura do meu atelier como um espaço aberto de compartilhamento de processos artísticos contou muito.

 

  1. Mas o que são os objetos-portais?

Os objetos-portais são fios condutores que criam relações entre passado e presente, permitindo abordar questões históricas, não a partir de uma mera e simples escolha, mas de questões impostas pelo destino, pelo acaso, o que cria uma real ligação entre arte e vida.

 

  1. Como os objetos-portais vem se impondo diante desta sua produção? Como eles criam essa real ligação entre arte e vida?

Tem sido assim desde o projeto “Álbum de Família”, criado a partir de fotos dos meus familiares, após perder todos os membros da minha família no intervalo de cinco anos, e me ver o guardião dessa memória. A série baseada nesse primeiro objeto-portal, os álbuns de família encontrados em casa no trágico dia da perda do meu irmão, denúncia de forma subjetiva – a partir das imagens como obras de arte – a luta contra o apagamento histórico, eminente ali, e de toda a população afrodescendente e periférica que tem suas casas invadidas em operações mal averiguadas, que impactam de modo mais amplo o descaso e os abusos cometidos contra os nossos direitos humanos. O projeto foi finalizado após a triangulação entre as residências artísticas “A Busca”, ocorrida na Associação Cultural Oficinas do Convento, em Portugal, e outra ocorrida durante a II Trienal de Luanda, em Angola, sob o tema “Geografias Emocionais – Arte e Afetos”, onde realizei murais tanto dentro do convento em Portugal, quanto nas ruas de Luanda, com imagens da minha família; e a exposição de título homônimo “Álbum de Família”, ocorrida na Soso Arte Contemporânea Africana, com curadoria de Daniel Rangel.

Em O Diário De Bordo Ou O Livro Dos Dias, projeto em que fiz uso de um outro objeto-portal – uma agenda de 1979 [ano do meu nascimento], encontrada nas ruas de Salvador em 2007, a qual torna-se uma espécie de atelier/galeria, livro/diário, abrigando trabalhos, ideias que geraram novas ideias e novos trabalhos, um espaço de concepção, reflexão e desenvolvimento destas ideias, as quais giravam em torno do meu olhar nômade. Seguiu por muitos anos sendo preenchido com memórias e registros, desde àquele ano, até dar origem a uma amostra apresentada em 2016, em uma das galerias do Conseil de L’Europe, em Strasbourg, França, com o título de “Le Journal de Borde Ou Le Livre de Jours”. Posteriormente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos incluiu uma das obras em sua exposição permanente na sede da instituição.

Apresento trabalhos baseados em conceitos de ruptura e memória produzidos a partir de conteúdos contidos nessa agenda/livro de artista, que, como foi dito, data de 1979, ano do meu nascimento. O livro contém colagens de documentos e imagens, e foi sendo preenchido ao longo desses anos com vestígios de diversas situações e lugares visitados, como Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Natal, Luanda- Angola, Lisboa, Porto e Montemor-o-Novo, em Portugal, Frankfurt e Baden- Baden na Alemanha, Estrasburgo, Versalhes e Paris na França, Basel e Zurique na Suíça. O que podia parecer um simples acaso se mostrou como um campo de questionamentos sobre tudo o que me cercava.

Justamente durante a estadia na França, me ocorreu um novo “encontro com o acaso”, um novo objeto/portal: desta vez um portal muito distinto, mas que como o primeiro, me levou para outros questionamentos e processos. Trata-se de um livro do século XIX (contendo muitos manuscritos), intitulado “Oeuvres Complets”, de Émile Deschamps, um autor pouco conhecido fora da França, mas que tem seu nome imortalizado pelo contexto em que esteve inserido na história. Ele realizou o jornal “Le Muse Française” [1824], ao lado de seu amigo Victor Hugo, para divulgar os ideais românticos que surgiam na época. O autor também participou da antologia poética “Le Parnasse Contemporain”, uma antologia poética que lançou as primeiras poesias de alguns contemporâneos do autor como Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Arthur Rimbaud, Mallarmé, Théophile Gauthier, entre outros imortais da poesia francesa. Mais posteriormente, Émile Deschamps influenciou positivamente o desenvolvimento da tese sobre sincronicidade de Carl Jung.

O que hoje reconheço desses encontros, é que fui tocado por muitas “coincidências” ao longo desse processo, notando essas imposições e sendo influenciado por esses acontecimentos. O fato, por exemplo, de ter encontrado o livro em Paris no ano de 2016, me levou a refletir sobre de naquele ano completarem-se 200 anos da chegada da Missão Artística Francesa ao Brasil. O fato dos manuscritos originais de Émile Deschamps datados de 1859, cartões postais de 1860, e outros manuscritos, me deixou muito intrigado, uma vez que tudo isso foi achado nas ruas, no lixo em Paris, que de certa forma é o berço da preservação do patrimônio. Outro ponto importante, foi o fato de ter encontrado a agenda que iria se tornar “O Diário de Bordo” nas mesmas condições em Salvador, no lixo, nas ruas, fruto da minha vivência de transitar nas cidades. Hoje, me dei conta que o que fiz foi abrir um portal que ligava os dois livros e seus distintos contextos numa ponte transatlântica, que conectava todo esse espaço tempo.

Desse modo, ao longo do aprofundamento do desenvolvimento das diversas séries feitas desde então, surgiram diversos questionamentos e provocações, ampliando a necessidade não apenas de questionar padrões estéticos eurocêntricos, mas de buscar outras alternativas estéticas, na qual se encaixa o  desdobramento do ato de rasgar as  telas, agora costuradas, uma forma de introduzir no olhar do observador, esse interesse de pensar a obra a partir do fundo, do suporte à pintura, onde o próprio suporte caracteriza-se como uma metáfora visual para a realidade de um povo que, mesmo tendo sua realidade dilacerada, se reconstrói e amplifica sua beleza, pela simples exaltação de suas diferenças.

A escolha de um tecido mais grosso, amplamente utilizado no período colonial como material de transporte de mercadorias, como o açúcar, o café, e, mais recentemente, o cacau, não é à toa, até porque esse mesmo tipo de tecido também era utilizado pelos escravizados para confecção de suas vestimentas. Então, para mim, esse material utilizado na produção dessa série denota muita resistência. Uma resistência que norteia a produção dessa série, que, para mim, no final das contas, se alicerça nesse Pilar, a resignação e resistência das minorias (povos indígenas e negros) na História do Brasil.

 

  1. O que muda na sua pintura com este momento? 

Acredito que mais que mudar a pintura, o que muda em certo aspecto é a produção artística, a forma de expressão. A pintura permanece. Mas acredito que a objetividade das experiências urbanas ficou menos evidentes. Em outras palavras, acho que minha relação histórica com o universo urbano está mais subjetiva, o que de certa forma reforça um elemento vital da arte urbana que é a irregularidade, que se confirma pela assimetria presente nos muros da cidade, mesmo que de modo sutil, isso sempre me atraiu.  Em contrapartida, há mais espaço para outros assuntos da própria pintura, como a reafirmação da imagem positiva dos negros, uma vez que sabemos que durante toda a História da Arte, o gênero do retrato sempre priorizou por imortalizar pessoas das famílias, ditas mais nobres. É chegada a hora de dar espaço a outras noções de historicidade, possibilitando também valorizar quem sustenta as estruturas.

 

  1. Os elementos já bem visíveis na sua obra e que fazem parte de você, o grafitti, a história e a cultura afro, sua simbologia religiosa, e seu modo de viver, este explícito na mostra do ACBEU, continuam compondo seu universo de vida e de arte? 

Continuam sim, mas de forma mais subjetiva, até porque outros códigos visuais estão sendo apresentados nesta mostra, eu quis evidenciar esses códigos.

 

  1. E o momento Brasil? As circunstâncias de hoje na “Tessitura”?

O momento que o Brasil vive hoje é crítico. Nossa tessitura social é fruto de 522 anos de violências contra os mais fracos, sempre foi assim, desde a chegada dos europeus.  Eles não trouxeram apenas espelhos, suas mãos estavam ocupadas carregando garruchas, mosquetes e bacamartes. E, ainda hoje, as armas continuam a ditar as regras. A periferia conhece bem essa realidade. São cada dia mais constantes as guerras entre facções para expandir territórios, os incontáveis casos de abusos de poder de quem justamente deveria proteger a população, sem contar a nítida fome, que voltou a fazer com que as pessoas revirassem lixo em busca de alimento. É triste ver, que diante de todo esse cenário, o contingenciamento de verbas para a educação e cultura, setores imprescindíveis para o Brasil, tornarem-se o gigante que está destinado a ser.

 

  1. E sua trajetória atual, após o espaço cultural, atelier, que criou?  Como são as ações neste espaço? Isto já se reflete na “Tessitura”?

Então, abrir as portas do atelier, localizado na periferia do Beiru, tornando-o um espaço de realização da arte, foi uma ação que sempre me motivou a cada olhar curioso dos moradores do bairro do Beiru/Tancredo Neves, na região do Cabula. Abrir suas portas, após transformá-lo em uma pinacoteca, A Pinacoteca do Beiru, segue a necessidade de ressignificar a imagem da periferia, conhecida pela pobreza, pela falta e pela violência, mas muito potente pela inteligência e criatividade do seu povo. Era objetivo também ressignificar, principalmente, minha relação com o bairro, porque foi no Cabula que perdi meu irmão. Num sentido mais amplo, a Pinacoteca é um espaço de compartilhamento de processos artísticos nesta região onde se iniciou o antigo Quilombo do Gbeiru, espaço de resistência negra invadido e destruído em 1807 por tropas portuguesas. Então, esse lugar que abriga cerca de 60 mil pessoas hoje, em condições desiguais e desumanas, sempre foi um espaço de resistência. Acredito que a Pinacoteca pode tornar-se um centro de referência não apenas artístico, mas para pensar outros aspectos da vida.

 

12.Na apresentação da mostra, feita por Marcelo Rezende, temos este texto. O que pode falar dele? Desde os retalhos, passando pela memória, e a cultura agora. 

Nos retalhos de “Tessitura da Alvorada” há um caráter de arqueologia e memória, e as figuras pintadas sobre esses fragmentos de tecido transitam entre uma série de processos ainda inacabados, flutuando sobre conflitos jamais plenamente resolvidos. Decididamente, esses objetos pictóricos não se resolvem apenas nas imagens visíveis aos olhos, porque demandam uma outra sensibilidade. Não se trata de exaltação das formas, não se trata apenas do que esses objetos mostram, mas sobretudo do que irradiam em nome da reconstrução de uma cultura agora em pleno colapso.

Tive a honra de ser assistente de curadoria de Marcelo Rezende durante a realização da 3ª Bienal da Bahia, ocorrida durante o ano de 2014. Nesse texto, Marcelo conseguiu traduzir toda a tensão política que motiva esses trabalhos. A série de “Tessitura da Alvorada” me permitiu construir uma obra com transversalidade, com atravessamentos históricos, sociais e políticos muito densos. Trata-se de um processo realmente arqueológico, porque ele acontece a partir de artefactos que não foram apropriados como ready-made, mas tornaram-se mediadores de um espaço tempo aberto pelo aprofundamento em cada um dos objetos-portais.

E o que são eles? Os objetos/portais são fios condutores que criam relações entre passado e presente, permitindo abordar questões históricas, não a partir de uma mera e simples escolha, mas de questões impostas pelo destino, pelo acaso, o que cria uma real ligação entre arte e vida. O encontro com objetos encadernados, em lugares distintos, como os álbuns de família encontrados no quarto ensanguentado do meu irmão, ou uma agenda do ano em que nasci, 1979, ano da anistia dos presos políticos durante a ditadura militar, encontrada nas ruas de Salvador, em 2007, ou mesmo um livro raro do século XIX, contendo manuscritos originais, encontrado nas ruas de Paris, despertam pistas para mergulhar e questionar, em alguns casos, preservando memórias, sempre de alguma maneira deixando o processo flutuando em busca de possibilidade de novas visualidades, novas possibilidades, inclusive de não utilizar imagens que reforçam o caráter estrutural, estético e conceitual. Porque não se trata apenas da pintura, mas de todo o trabalho até o momento da pintura.

Então, para mim, essa série inaugura um novo momento expresso pelo uso de um novo suporte, dando ênfase, através dessa metáfora visual, de que apesar de todas as adversidades, estamos aqui, firmes e fortes, nos reconstruindo diariamente de nossos dilaceramentos humanos, sociais, urbanos, educacionais, econômicos, financeiros, emocionais. E, mesmo assim, seguimos com paciência e disciplina nesse momento, Tessendo essa nova Alvorada para viver um novo dia. Enquanto o dia não acaba, tudo é possível. Enquanto a vida não acaba, tudo é possível.

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